O relatório Draghi e a realidade portuguesa (desta semana)
Numa altura em que se o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC2030) está a ser revisto, o relatório Draghi devia servir como oportunidade para acelerar a transição energética.
No relatório sobre o futuro da competitividade europeia, apresentado esta semana por Mario Draghi, o setor da energia e a descarbonização surgem como temas centrais na discussão, tanto no diagnóstico, como na estratégia proposta. Se, no caso dos países cuja competitividade assentava em gás russo barato, tal acontece por necessidade; no caso de Portugal, apesar dos desafios, que não são pequenos, o setor da energia e o processo de descarbonização representam, sobretudo, uma oportunidade, porventura inédita, de industrialização e de reforço do crescimento económico. Citando a McKinsey, Portugal tem de aproveitar a oportunidade existente.
Numa altura em que o Plano Nacional de Energia e Clima está a ser revisto, o relatório Draghi deveria servir como oportunidade para reafirmar o empenho do país em aprofundar tendências que estão em curso e melhorar as atuais políticas. Reforçar a sua competitividade, acelerando a transição energética. Demonstrar, portanto, que sabemos interpretar a urgência do momento atual, que identificamos corretamente as oportunidades existentes e, claro, que sabemos agir em conformidade. Infelizmente, nos últimos dias, tivemos múltiplos sinais de que podemos estar a fazer o oposto.
Tivemos, em primeiro lugar, um juiz que deu razão a um conjunto de autarcas que não querem linhas elétricas nos seus concelhos, porque, alegam esses autarcas: já temos muitas linhas aqui. Como a interligação Minho-Galiza é mesmo necessária e de manifesto interesse público (e comunitário); Como o traçado está consolidado há anos, estando o projeto do lado espanhol já finalizado e a aguardar a conclusão do lado português para entrar em operação; E como o único fundamento do juiz para acolher a pretensão dos autarcas foi dizer que quem esperou tanto tempo pela construção da linha pode sempre esperar um pouco mais, não vendo grande problema em adiar o início da construção por mais 6 meses, esta decisão, num país que tem de multiplicar investimentos deste tipo por todo o território, faz prever o pior. Nem o facto de haver um regulamento europeu e uma diretiva que considera este tipo de projetos como sendo de interesse público prevalecente parece ter incutido qualquer sentimento de urgência nos envolvidos.
Em segundo lugar, tivemos uma entrevista do presidente da AICEP, recentemente empossado, em que este escolhe destacar os setores da alimentação e das bebidas como exemplos de futuro para a economia nacional. Não pondo em causa que são setores importantes, não parece que devam ser a primeira prioridade de um alto responsável pela captação de investimento direto estrangeiro do país, sobretudo no momento atual. Para não ser injusto, o presidente da AICEP fala de outros setores, é certo; mas há um que não parece merecer qualquer atenção, que é exatamente aquele que está associado à descarbonização. Se a isto acrescentarmos o que pensa o presidente da AICEP sobre apostas em determinados setores estratégicos, como faz, de forma clara, o relatório Draghi, os sinais, neste campo, também não são particularmente animadores.
Por fim, temos a incompreensível decisão de reverter a expansão do porto de Aveiro para criar, em alternativa, um aeródromo municipal. Ao invés de permitir a consolidação e reforço da competitividade do cluster industrial eólico existente no porto de Aveiro, alargando a área disponível para criar uma zona logística dedicada a assemblagem e transporte de grandes estruturas offshore, temos uma decisão governamental que inviabiliza esse tipo de aposta e especialização portuária. Com argumentos que invocam o potencial do turismo militar e importância de garantir que empresários da região têm mais uma alternativa para aterrar jatos privados, abandona-se um projeto que reforça uma dinâmica industrial em curso, num setor estratégico e de elevado valor acrescentado para a região e para o país, em troca de não se percebe bem do quê.
Na semana em que foi divulgado o relatório Draghi, era difícil fazer pior.
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