OE 2026: A golpada das portagens

Se o PS vier a ser, de novo, governo, irá reverter as medidas que toma agora na oposição, forçando o governo de maioria relativa a inscrever no OE2026 o que negociou com o Chega?

O PS e o Chega voltaram a fazer uma coligação negativa contra o governo AD ao aprovar propostas de isenção de pagamento de portagens em vários troços no Alentejo ou Aveiro, depois de terem acabado com as portagens na Beira Interior e no Algarve, substituindo-se ao governo, mais uma vez, em matéria orçamental.

Residentes ou trabalhadores deixarão de pagar portagens, a partir de janeiro, na A6 / Caia – Alto Alentejo e na A2 / Almodôvar – Baixo Alentejo, graças a uma proposta do PS na votação do OE na especialidade que contou com votos a favor de todos os partidos, com a exceção do PSD, CDS e IL e com abstenção do PAN. Só esta medida deverá ter um custo de 23,8 milhões de euros, segundo cálculos da UTAO (Unidade técnica de apoio orçamental), mas a perda de receita pode até chegar aos 26,8 milhões, num cenário mais grave com aumento maior da procura.

No mesmo dia 26 de novembro, o PS viu aprovada outra proposta de abolir as portagens na totalidade da A25, o que já tinha acontecido no ano passado com o apoio do Chega à proposta dos socialistas (na oposição), mas faltava ainda alargar a isenção a um troço da autoestrada. O governo avisa para o efeito destas medidas da oposição no défice publico e o Secretário de Estado do Orçamento, José Maria Brandão de Brito, lembra que “o excedente não é um capricho ideológico nem um fetiche contabilístico”.

O PSD considera que PS e Chega estão a formar um “governo de Assembleia”, quando a quem caberia decidir sobre as questões de mobilidade e fiscalidade seria o governo. Recordo que os automobilistas não pagam também portagem na Via do Infante, no Algarve, e também nas antigas SCUTs do Interior do continente como, por exemplo, A4 (Tunel do marão e Transmontana), A13 (pinhal Interior), a23 Beira Interior, A24 (interior Norte), A25 (Beiras litoral e Alta), A28 (minho) e A22 (algarve). A proposta socialista foi aprovada, no ano passado, com os votos a favor do Chega, PCP, Livre, BE e PAN, o que se traduziu numa perda de receita de 180 milhões de euros no OE 2025, segundo contas do governo AD.

A questão pode ser vista no plano político-partidário e dos princípios e no plano da sustentabilidade e impacto orçamental. Estradas ou autoestradas com portagens grátis é algo que, na verdade, não existe porque essas vias de comunicação são sempre pagas com dinheiro dos impostos. Neste caso, o princípio do utilizador-pagador é substituído pela penalização a todos os contribuintes, quer usem ou não essas estradas.

Obviamente que é mais simpático não pagar, sobretudo num país em que se paga bastante para circular e para quase tudo, sem que a qualidade do serviço prestado seja diretamente visível. Mas isso leva-nos ao cenário de derrapagem orçamental porque, se a moda da abolição das portagens pega, então as populações de outras regiões ainda não abrangidas sentir-se-ão injustiçadas e também vão exigir o fim desse pagamento, o que teria efeito imediato na quebra de receita para o Estado.

Além disso, a Comissão Europeia já veio avisar que prevê mesmo um défice público de 0,3% do PIB e o ministro das Finanças já alertou que qualquer acréscimo de despesa terá efeitos não apenas em 2026, mas também em anos futuros. A oposição apresentou mais de duas mil propostas de alteração e o governo defende que a maioria delas não tem sustentação orçamental.

A questão política será talvez mais interessante de analisar. Mais do que a posição populista da extrema-direita (Chega) e da extrema-esquerda (PCP, BE e Livre) – o que não surpreenderá -, a posição de aliança do PS com o Chega na AR é paradoxal, no dia seguinte à celebração dos 50 anos do 25 de novembro.

O PS governou durante quase nove anos (final de 2015 até abril de 2024), inclusive em situação e maioria absoluta, mas nunca apresentou qualquer medida de abolição de portagens nas autoestradas que, depois, na oposição ao governo AD, propôs isentar. Mais curioso é que o PS tem contado com o apoio do Chega, do PCP e do BE, nesta odisseia abolicionista das portagens.

Se o PS vier a ser, de novo, governo (como é habitual no “rotativismo” da III República, semelhante ao cenário político do século XIX), irá reverter as medidas que toma agora na oposição, forçando o governo de maioria relativa a inscrever no OE2026 o que negociou com o Chega – partido que tanto parece combater, no plenário e nos media? Qual é a coerência?

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