Barril de pólvora e barril de petróleo
José Miguel Júdice analisa, no Jornal das 8 da TVI, a crise no Médio Oriente e no Mediterrâneo e os riscos que isso comporta para a paz e a estabilidade política no mundo..
Hoje, poderia desenvolver aqui vários temas com muita atualidade. Por exemplo, os que votam nas eleições dentro dos partidos. Li há dias que menos de 29 000 “laranjinhas” têm as quotas em dia e os mais otimistas prevêem que nas eleições do PSD para escolher o líder talvez votem no máximo 80 000 (ou seja menos de 4% dos dois milhões de votos que o PSD teve em 2011). O problema é geral e significa que, provavelmente, em todos os partidos os militantes ativos somados não serão mais de 200 mil (4% do eleitorado português votante e 2% dos eleitores).
Vivemos num oligopólio partidário e a soberania do povo é apenas para escolhermos entre o que 2% de nós decidem apresentar-nos para escolhermos. Voltarei ao tema, como é evidente…
Ou o tema da falta de água, depois do drama dos incêndios e a ele comparável por muitas razões. Este assunto simboliza a incompetência e o desleixo dos políticos que nos governam há muito tempo. Há séculos que Portugal tem períodos de anos de seca intervalados por anos de chuvas, há séculos que os verões são secos e os invernos chuvosos.
A urbanização dispersa e caótica que os políticos, sobretudo autárquicos, toleraram, obriga a investimentos brutais de reservatórios e de canalizações. Há décadas que usamos água potável para lavar carros, lavar ruas, regar jardins. Houve verbas europeias que se usaram bem ou mal e agora é preciso continuar a investir e falta o dinheiro como faltou com a proteção da floresta. Voltarei ao tema, como é evidente.
Ou o tema da negociação com os professores e com o que se vai seguir de outras profissões a exigir igual tratamento.
A questão é simples: no fundo, por decisão divina, os professores não universitários são diferentes do resto da Humanidade: são de tal modo tão iguais na competência e qualificações que as carreiras não podem basear-se no mérito, e assim não vale a pena avaliar quem passa a vida a avaliar, resta a antiguidade. Perante os professores, os sucessivos Governos parecem um “Duracell” maluco: cedem, cedem, sem cessar. Também voltarei ao tema.
Mas hoje, desculpem os que gostam mais das coisitas portuguesas, é do Médio Oriente e do Mediterrâneo que se tem de falar. Tenho dito que a Paz no Mundo pode acabar no grande lago que já foi grego, romano, turco, cristão e hoje não é de ninguém. Ando muito preocupado. Querem exemplos?
- A guerra civil no Iémen.
- O conflito dos sauditas com o Qatar.
- Os riscos de implosão do Iraque.
- O controlo que os xiitas conseguiram na Síria.
- As ambições turcas.
- O secular conflito religioso entre sunitas e xiitas.
- A relação entre os Estados Unidos e a Rússia na região.
E exemplos mais recentes?
- O misterioso golpe de Estado do Príncipe herdeiro saudita Mohamadd bin Salman, disfarçado de luta contra a corrupção (dá sempre jeito…).
- A prisão em Riad do primeiro-ministro sunita do Líbano, Saad Hariri (considerado conciliador com o Hezbollah xiita) e a sua autorizada ida a Paris no anunciado caminho de regresso à Pátria.
- O papel do genro de Trump, Jared Kushner, e a sua tentativa de fazer a paz entre Israel e Sunitas, para enfrentar o inimigo comum que é o Irão.
- A sensação de que está em curso – como tenho dito – uma reorganização da comunidade internacional em espaços de influência dos grandes poderes nucleares e populacionais, o que em regra começa por conflitos severos nas zonas de contacto.
Quer isto dizer que desejo uma guerra mundial nas regiões de influência dos mares Mediterrâneo, Vermelho, Arábico, Negro e Cáspio e do Golfe Pérsico? Claro que não (ao contrário do que generosamente pensa Louçã de mim, eu não sou tão otimista, não prevejo só o que desejo)!
Quer isto dizer que tenho a certeza de que isto vai acontecer? Não estou no campeonato de dar notícias por antecipação, mas, com agrado, confesso que não tenho a certeza disso. Mas quando um sérvio matou em Serajevo Francisco Fernando, o príncipe herdeiro do Império Austro Húngaro ou quando o Kaiser Guilherme II mandou Lenine num comboio selado para a Rússia em 1917, ninguém pensaria que estava a começar a 1ª Grande Guerra que destruiu a Europa. E que cairia uma cortina de ferro sobre grande parte da Europa, que durante 70 anos o comunismo dizimaria por todo o lado muitas dezenas de milhões de pessoas inocentes e podia ter dado cabo do Mundo.
O que torna tudo mais complicado é a junção de um jovem príncipe todo-poderoso e todo arrogante com 32 anos e um jovem genro semelhante com 36 anos. Por isso, o ‘Independent’ dizia há dias que Bin Salman e Jared Kushner são “the greatest dangers” no Médio Oriente. Eles podem (com Benjamin Netanyahu, o falcão que governa Israel) querer destruir o Hezbollah pro-iraniano (vejam-se as declarações de ontem do Ministro dos Negócios Estrangeiros saudita) para assim alterar a situação no Mediterrâneo – como Guilherme II pensava fazer no início da Guerra de 14 com a zona ao Sul do mundo germânico para enfraquecer a Rússia czarista.
Vamos então continuar atentos e, mais uma vez, pode ser que me engane. Deus queira que sim…
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