Políticos & Procuradores

Uma Procuradora que assume a superioridade insondável da verdade, um líder do PS que se passeia numa aventura adolescente que designa por oposição.

A Procuradora Geral da República tem a imagem oposta do líder do PS. A Procuradora tem uma versatilidade que é política, quando devia ter o rigor imparcial de uma magistrada. O líder do PS tem a rigidez sectária de um sacerdote, quando devia ter a flexibilidade de um político. Esta comparação diz muito sobre o estado do país. Uma Procuradora que assume a superioridade insondável da verdade, um líder do PS que se passeia numa aventura adolescente que designa por oposição.

Nada faz sentido nos comportamentos de cada personagem pública, mas tudo faz sentido se estas posturas públicas são representativas dos tempos que vamos vivendo sem saber. Os milagres acontecem de surpresa. As catástrofes acontecem de surpresa. O que não é surpresa é a contenção corporativa do país judicial e a exuberância radical do país político.

Leio algures que o mundo atravessa uma fase de transição em direcção a uma realidade imprevisível e desconhecida. As últimas eleições na Europa revelam uma pulverização das escolhas políticas, revelam uma galáxia de partidos, posições, preceitos, que estão a transformar as democracias europeias em máquinas eleitorais na produção de visões radicais. Mesmo na Inglaterra estão representadas 14 forças políticas no Parlamento. A estabilidade centrista é obra do sistema eleitoral.

O centro político que suporta a ordem democrática que conhecemos está em recessão pressionado à esquerda e à direita. A crítica e o ataque ao centro político desviam-se para um eixo mais perigoso e vertical – as oligarquias liberais dominantes bloqueiam o sistema para poderem continuar a usufruir de todos os privilégios de um regime decadente e corrupto. A “nação de cima” enfrenta o “país de baixo” e esta é a corrente situação em França que é também o espelho da Europa. Nas principais democracias da Europa não tem sido possível estabelecer maiorias estáveis nem mesmo o exercício de governos minoritários. A tendência instalada nas democracias é a do domínio parlamentarista, a regra da aritmética baseada em alianças circunstanciais. Curiosamente este sempre foi o grande argumento da direita radical e da esquerda radical contra a democracia liberal – os destinos da nação não podem estar dependentes da pequena contabilidade política. É preciso respeitar o “génio nacional”. É urgente respeitar a “vontade geral”.

Contra a política do centro segue-se a política da subversão, depois a política da rua, depois a violência revolucionária, finalmente a “Nova Ordem”.

A suspensão da normalidade é a suspensão da democracia. Perante este panorama preocupante, a Procuradora representa um corporativismo proto-fascista e anacrónico. O líder do PS é o representante do radicalismo liceal do mito de um Maio eterno, uma espécie de 1968 forever.

Neste território político sem mapa ou compasso, existem duas teorias que vão fazendo o seu caminho. O mundo está a viver um período idêntico ao que decorreu entre 1918 e 1939. É a síndrome de Weimar replicado em condições pós-modernas mas que implica a marcha sonâmbula para o desastre. Com a agressão da Rússia à Europa, é a lógica dos tratados entre as nações e a projecção de uma política de apaziguamento. O apaziguamento levou à quase aniquilação da Europa e ao renascimento da ordem política em que hoje ainda vivemos mas que agora parece fraca e em perigo. É verdade que a História não se repete, mas por vezes existe uma circularidade das circunstâncias políticas que exige memória política e uma certa inteligência que não se aprende nem nas grandes ideologias nem nas pequenas ideologias. Muito menos se aprende essa inteligência social nas secretárias burocráticas de Procuradores funcionários e guardiões acima do regime instalado.

Na América existe a probabilidade de se eleger um Presidente que se comporta como uma personagem da série de animação Beavis and Butt-Head. Na Venezuela, o Presidente Maduro aparece 13 vezes no boletim de voto. O mundo político está transformado numa grande farsa, no grande cenário de um reality show em permanência.

O que se observa é o regresso da política do ódio. A política do ódio não tem uma sustentação individual, não reconhece a generosidade entre comunidades, mas assume-se como um fenómeno colectivo que inclui multidões na exclusão dos “inimigos do futuro”. A tolerância política é cada vez mais entendida como a manifestação da fraqueza moral dos egoísmos liberais. A postura da Procuradora, a exuberância do líder do PS, são sinais dos tempos em que dominam os Heróis.

Ainda quero acreditar no poder da imaginação para refazer o mundo. Quero acreditar no bom senso das pedras, no mistério das florestas, na traição dos radicais num aeroporto fora de horas com voos marcados para lado nenhum.

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