Proto Presidentes
O país político está transformado numa dispersão de partidos sem rumo ou sentido. Sobra o sentido de sobrevivência do Governo.
Um Governo e muitos Presidentes. O país político não é um, porque é muitos. É assim que o Governo passa no intervalo da política num contorcionismo entre a esquerda e a direita. Sem maioria absoluta, longe da minoria absoluta, o Governo progride sobre a inércia de um sistema distraído e apenas preocupado com o interesse de cada partido. O país político está transformado numa dispersão de partidos sem rumo ou sentido. Sobra o sentido de sobrevivência do Governo, o princípio e o fim de todo o Executivo pragmático que pretende durar sobre o vazio. E como é fundo o vazio em Portugal.
Mas o assunto do momento são as Presidenciais. São as Presidenciais que abrem uma avenida política para as aventuras do futuro. Os Presidentes que se multiplicam pelo país em debates que oferecem aos portugueses a liderança heróica do progresso ou a liderança estóica da estabilidade. Ainda não se percebe se os debates trazem à superfície o que há de mais negativo nos candidatos ou que há de mais positivo nos candidatos. Os debates trazem certamente ao olhar do português médio modelos de Presidente sem visão política, mas como uma enorme presunção política. Os candidatos podem ser cépticos, radicais, reformistas, libertários, inconformistas, mas parecem estar sempre ao ataque e sempre à defesa, o que espelha um excesso de cautela e de calculismo que é o primeiro recurso do imobilismo. Os candidatos institucionalistas estão à deriva, os patriotas exaltados estão ao ataque. A via média é uma ideia fora de tempo num tempo sem tempo político.
No intervalo do impasse, desprende-se a retórica da nova República e o discurso clássico da República. Com o índice médio de felicidade como programa político, os Proto Presidentes falam para um país imaginário que não frequenta os estúdios de televisão. O sonho comum aos Proto Presidentes é um voto de confiança com a duração de cinco anos baseado na descrição imprecisa de um país que é abandonado à imaginação de cada espectador. Os debates são espectáculos políticos onde a espectacularidade está ausente. Os debates reflectem as neurodivergências políticas dos candidatos que anunciam um futuro maior no tom menor de um discurso político previsível, pré-fabricado, preocupado. Falta o génio da espontaneidade e falta o rigor de uma visão de país.
Os Proto Presidentes não pretendem a devoção pois estão apenas preocupados com a rejeição. Um lapso psicanalítico ao encontro do inconsciente colectivo.
Os Proto Presidentes estão apenas centrados no ego político em permanente expansão e esquecem liminarmente uma comunidade de destino que é um país politicamente organizado. Talvez porque os debates sejam a consequência de uma primeira volta que mais parece o teste legislativo que dá o verdadeiro acesso ao teste presidencial. A primeira volta é uma ficção da segunda volta. Neste ponto nascem todos os equívocos e todas as distracções. Neste ponto surge a trajectória errática dos temas e das conjecturas que marcam a sequência dos argumentos. Neste ponto rasga-se nos debates a tentação de um Proto Presidente activista ou a revelação de um Proto Presidente inactivista. Entre o activismo e o inactivismo vai-se afirmando uma espécie de ideologia da impotência apresentada como solução para o progresso e para o desenvolvimento. O mito urbano das Presidenciais é o valor supremo e absoluto de uma magistratura de influência Independente. E o país segue dentro de momentos.
Nesta nova era da Inteligência Artificial, o dispositivo mediático dos debates merece a ousadia de uma proposta. Todos os Proto Presidentes defendem a Inteligência Artificial como solução para alguma dimensão da grande ciência social que governa um país. A Inteligência Artificial é rápida e eficaz, para além de conseguir reunir e processar todos os registos do passado. Estariam os Proto Presidentes disponíveis para uma entrevista ou para um debate liderado por um pivot chatbot? Imaginam os portugueses a resposta, mas que sejam bem-vindos ao século do jornalismo que substitui a realidade física pela realidade virtual.
Subitamente ocorre-me uma entrevista de Zohran Mamdani, o herói feliz da esquerda pós-Trump. Durante a campanha, e dada a sua enorme popularidade, era impossível gravar um vídeo para uma rede social numa rua ou num parque de Nova Iorque. A solução foi o candidato passar a fazer os vídeos, os telefonemas, até mesmo algumas reuniões de campanha em cemitérios da cidade. O silêncio e a reflexão que Mamdani encontrou talvez lhe tenham dado a oportunidade de mudar a eleição e transformar a esquerda na América com ecos na esquerda da Europa.
Fica a ironia de um exemplo político para edificação do pensamento de todos os Proto Presidentes Independentes.
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