Quando a riqueza empobrece: o que a história de Portugal ensina sobre recursos naturais

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 14 Novembro 2025

Maldição dos recursos versus “Dutch disease”. O ouro do Brasil evidenciou cabalmente, no século XVIII, como Portugal conheceu ambos os fenómenos muito antes de a ciência económica os teorizar.

Há fenómenos económicos que, à primeira vista, parecem contraintuitivos. Um deles é o de que os países ricos em recursos naturais nem sempre são os que mais prosperam. Muitos crescem pouco, não investem no conhecimento e na saúde da sua população, não diversificam a economia e acabam dependentes de uma única fonte de rendimento. A ciência económica designa este paradoxo como “maldição dos recursos”.

Embora o conceito seja moderno, o fenómeno acompanha a humanidade desde o início da civilização, e Portugal viveu-o ao longo do século XVIII, quando as entradas significativas de ouro do Brasil pareciam anunciar prosperidade, mas acabaram por expor fragilidades profundas, ditadas pela valorização do câmbio real efetivo, que tornou a produção interna mais cara e facilitou as importações, com efeitos duradouros na competitividade do país. Como referia o economista francês Frédéric Bastiat, há aquilo que se vê e aquilo que não se vê, e no caso do ouro a riqueza que se via escondia efeitos silenciosos e nefastos que, juntamente com outros fatores, acabariam por travar o desenvolvimento de Portugal nos séculos seguintes.

A literatura económica distingue dois conceitos que frequentemente se confundem. O primeiro, mais amplo, é precisamente a “maldição dos recursos”, caracterizada pela abundância de recursos naturais — petróleo, gás, minérios ou metais preciosos — que acabam por redundar em resultados económicos dececionantes.

Os mecanismos variam, mas as causas mais frequentes incluem dependência excessiva de um único setor, corrupção, captura política dos rendimentos, inexistência de verdadeiras elites capazes de promover o desenvolvimento de toda a população, instituições frágeis e falta de diversificação produtiva. Em vez de serem uma plataforma para o desenvolvimento, os recursos tornam-se um travão estrutural.

O segundo conceito é mais técnico e preciso, designando-se por “Dutch disease”. O termo foi popularizado pela revista The Economist em 1977, ao analisar o efeito da descoberta de gás natural em Groningen, na Holanda, nos anos 1960, que levou à valorização do florim e à perda de competitividade da indústria deste país. A Holanda, contudo, acabou por ultrapassar esse período de desequilíbrio, graças à diversificação económica e a instituições sólidas, pelo que não chegou a sofrer uma verdadeira “maldição dos recursos”.

Na “Dutch disease”, o foco está no mecanismo cambial. Quando um país exporta muitos recursos naturais, entram muitas divisas, ou seja, muito dinheiro estrangeiro entra na economia. Essa entrada dita uma apreciação da moeda, tornando as importações baratas e a produção interna, sobretudo da indústria, mais cara e menos competitiva. Em suma, o país fica mais rico no curto prazo, mas perde base produtiva no médio e longo prazo. A “doença holandesa” é, portanto, uma das possíveis causas da “maldição dos recursos”, mas não a única. Isto é, a “maldição dos recursos” é o resultado, enquanto a “Dutch disease” é um dos caminhos que o pode desencadear.

Portugal conheceu ambas. Entre o início do século XVIII e as invasões francesas, chegaram à metrópole portuguesa cerca de 800 toneladas de ouro do Brasil, segundo estimativas de historiadores como Vitorino Magalhães Godinho, Kenneth Maxwell e Celso Furtado. Apesar de tanta riqueza, em vez de modernizar o país, Portugal mergulhou numa dependência confortável. O ouro financiou consumo, luxo e importações, sobretudo de Inglaterra. Pouco foi investido na indústria, na agricultura ou no conhecimento. E esse fluxo constante de metal precioso ditou uma apreciação real da economia portuguesa. Produzir cá tornou-se caro e importar tornou-se irresistivelmente barato. Portugal viveu, antes de a teoria existir, um episódio clássico de “Dutch disease”, com as consequências desfavoráveis típicas como desindustrialização, enfraquecimento da base produtiva e dependência externa.

Este caso contrasta com outras situações contemporâneas. Angola e Nigéria, por exemplo, sofrem da “maldição dos recursos”, mas não propriamente da “doença holandesa”. O petróleo é abundante, mas o problema central reside nas instituições frágeis, nos sistemas cambiais artificiais, na dolarização da economia e na captura das receitas petrolíferas pelo Estado e pelos grupos que o controlam. O câmbio da moeda local raramente valoriza face às principais moedas globais, e na maioria das vezes tende mesmo a depreciar-se de forma contínua, mas o resultado acaba por ser semelhante, com crescimento abaixo do potencial e fraca diversificação económica.

No extremo oposto está a Noruega, que enfrentou precisamente o mesmo risco que Portugal, Angola ou Nigéria, mas o neutralizou com políticas sólidas. Criou um dos maiores fundos soberanos do mundo, canalizou as receitas do petróleo para investimento intergeracional, estabilizou o câmbio, protegeu a competitividade da economia e reforçou instituições já robustas. Resultado: petróleo sim, maldição não.

 

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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