Quando começa o futuro?
Nelson Machado, Presidente da Comissão Técnica Vida – Associação Portuguesa de Seguradores e Membro do Board e da Comissão Executiva da Ageas Portugal, explica novas soluções para poupar.
“Poupar é fácil, é só querer.” “Cortar no café” ou “jantar menos vezes fora,” dizem alguns. A resposta é curta. Poupar diz-se de muitas maneiras. Poupar para a Reforma, um carro novo ou uma TV na Black Friday não é igual, e talvez esta última não seja poupar. O carro e a TV podem ser objetivos imediatos (talvez bastem os tais ajustes ao orçamento mensal), mas poupar para a Reforma, a poupança a longo prazo, essa sim é urgente.
Muitas pessoas vivem na expectativa da reforma, como uma fase da vida onde poderão relaxar, o dever do trabalho cumprido, os filhos crescidos (se for o caso). Recolhemos frutos, perseguimos paixões. Se pensamos hoje assim sobre a reforma, é porque vivemos mais tempo e melhor. Pelo menos, face a gerações anteriores. Este aumento da longevidade, aliado ao declínio da natalidade, leva ao envelhecimento da população, no presente e no futuro. Portugal tem a segunda média de idades mais elevada da UE (Eurostat).
Este cenário, e a instabilidade no plano económico, colocam desafios sem precedentes ao nosso sistema de pensões. A sustentabilidade ou não da Segurança Social é incerta, mas é um tema que preocupa, isso é certo. Devemos estar preparados.
Num futuro não muito distante, a pensão da Segurança Social representará menos de 50% do último salário. É imprescindível o bom planeamento da reforma. Mas não se pense que é um desafio individual, ou das famílias. Não, o desafio é de todos, Estado e governo, empresas e companhias de seguros. Todos têm um papel.
Falámos do presente e do futuro, em como é urgente poupar a longo prazo. Falemos do passado. O Cristiano Ronaldo costuma dizer que o seu melhor golo é o próximo. O melhor dia para começar, para quem não poupa, foi ontem.
Se poupar é fácil, se é urgente, porque não poupamos então? A resposta é mais longa.
Muitos portugueses não têm poupanças substanciais reservadas para a reforma, e esta falta de poupanças pode levar à insegurança e à perda de autonomia financeira durante a reforma.
A taxa de poupança em Portugal é historicamente baixa. Existe uma disparidade notável na cultura de poupança para a reforma na UE. Países como a Alemanha e os Países Baixos têm uma forte tradição de poupanças privadas para a reforma e de regimes de pensões profissionais. Portugal não a tem, as poupanças privadas e de planos de pensões patrocinados pelos empregadores são baixas.
Outro fator resulta dos sucessivos abalos nos sistemas financeiros: subprime em 2008, BES em 2014, Covid, a guerra na Ucrânia, …. Estas crises provocam instabilidade económica e social, perdas de riqueza, rendimento e emprego, gerando um clima de incerteza que em nada melhora a nossa falta de cultura de poupança.
Porém, também encontramos o movimento inverso: muitos portugueses poupam mais em momentos de crise. Quando o cenário é mais otimista, a poupança baixa, “tudo se há de arranjar.”
Portugal tem um sistema de pensões assente no pilar Estado. Já no norte da Europa o 2.º e 3.º pilares complementam, por vezes de forma obrigatória, o 1.º pilar. O Estado português pode trabalhar a partir dessas boas práticas: implementar várias respostas políticas e vantagens fiscais para poupanças de longo prazo, promover planos de pensões privados e os programas de literacia financeira, contribuindo para a sustentabilidade do seu sistema público de pensões.
Mas falemos também do elefante na sala de jantar, a instabilidade regulamentar e as exceções às regras de liquidez dos produtos de poupança de longo prazo. O quadro legal/fiscal dos produtos de poupança tem sofrido frequentes alterações. Veja-se a variação nas taxas de tributação dos rendimentos dos produtos de poupança ou os benefícios fiscais associados aos PPR e seguros de capitalização. Em situações de crise, o legislador tem aberto exceções às regras de liquidez destes produtos, permitindo o seu resgate antecipado com penalizações reduzidas ou nulas. Estaremos a poupar de crise em crise, hipotecando o longo prazo?
O Estado tem capacitado os portugueses na tarefa difícil calcular o valor futuro das suas pensões. São passos na direção certa, serão suficientes? Entendemos o tom comedido, não gerar o alarme face à necessidade de poupar, mas há que encontrar o tom certo, o equilíbrio entre o consumo e poupança. O Estado deve promover a poupança através de benefícios fiscais. As regras de acesso devem ser rigorosas, apenas premiar a verdadeira poupança – de longo prazo, para a reforma.
Gerar o alerta, mas não o alarme, passa pelo 2.º pilar, as empresas. Trata-se de uma partilha de esforços: com o Estado, em promover a poupança e literacia financeira; com as famílias, na constituição de poupanças a longo prazo. É imperativo o incentivar os fundos de pensões para colaboradores nas empresas, que chamem à contribuição dos mesmos. Por exemplo: o colaborador contribui com 1%, a empresa duplica. Não se trata de poupar pela pessoa mas com ela.
E as seguradoras, o que estão a fazer bem e o que podem fazer melhor?
Primeiro, para incentivos claros, produtos claros. “Se não conseguimos comunicar de uma forma simples, é porque não está claro para nós.” Mas “simples” não é o mesmo que “básica.” Será tão mais simples a comunicação, quanto maior for a literacia financeira, ao aproximar os produtos das pessoas e vice-versa: produtos mais claros para um público mais esclarecido. Porém, o público nunca se tornará especialista, pelo que deve procurar produtos de poupança e investimento geridos profissionalmente por entidades financeiras.
Mais, importa ampliar a oferta. O setor tem hoje uma oferta forte para ajudar as pessoas na poupança – e menos forte na utilização da mesma, em soluções de desacumulação, um sucesso considerável em Espanha e UE. Os produtos devem ser claros nas suas componentes, mas também a forma de contribuir deve ser fácil. Só assim incentivamos a consistência e periodicidade necessária à criação de um hábito de poupança.
Sabemos o que é poupar? Como é que os portugueses poupam e como poderiam poupar. Comecemos com as seguradoras, onde o PPR é rei desde 1989. Porém, este sofreu a desvirtuação regulamentar de que falámos acima.
O PEPP (Pan-European Personal Pension Product) é uma resposta europeia para impulsionar a poupança, já lançada em alguns países da UE. Em Portugal aguarda regulamentação. Temos uma solução na fronteira mas falta-lhe o passaporte.
Sendo um produto europeu e transfronteiriço, é pioneiro a responder às necessidades de mobilidade atuais, nas fases de acumulação/poupança e de desacumulação/pagamento. Porém, o PEPP por si não promove a poupança. Para tal, importa criar incentivos fiscais, premiar a poupança de longo-prazo. Novamente, tais benefícios exigem regras apertadas, menos liquidez durante a fase de acumulação, um compromisso com o objetivo único, exclusivo: poupar para a reforma, não duplicar o PPR.
Por fim, outros países têm seguros não-financeiros que também contribuem para a independência financeira na reforma. Veja-se o caso das soluções de Long-term care.
Não nos cabe elencar aqui todas as formas de poupar, mas vale a pena dizer algumas que claramente não são.
Comprar produtos em promoção. Isso não é poupar e pode dar azo a comprar mais coisas, porque já se “poupou.” Poupar é não comprar o que não se precisa. Mais, a promoção apresenta-se como oportunidade, “agora ou nunca,” não possui a consistência necessária ao verdadeiro hábito de poupança.
Também não é poupar guardar o dinheiro em contas à ordem ou depósitos a prazo, cujo retorno não cobre sequer a inflação. Ter aí uma “almofada” é tão seguro como guardar notas no colchão.
Se insistirem no tema dos cafés para poupar no final do mês, ao menos inverta-se a lógica: poupemos logo ao início do mês para gerir o orçamento a partir daí, tomando mais ou menos cafés, a gosto, como o açúcar.
O que é crítico então para poupar?
Primeiro, tempo. Temos de pôr o dinheiro a trabalhar para nós. Quanto mais cedo começarmos a poupança, mais tempo ela terá para crescer no futuro. O melhor dia para começar é sempre no passado. Começar a poupar aos 40, e não aos 30, pode implicar contribuir 50% mais em cada mês para atingir o mesmo valor final. Contribuições regulares, entregas automáticas, mesmo pequenas, fazem a diferença no final.
Às crianças perguntamos “como cresceste?!” ou “o que queres ser quando fores mais velho?” A resposta “astronauta” não é séria, mas a pergunta é, e a dada altura deixamos de a fazer. Porquê? Devemos fazê-la sempre, aos 30, “o que queres ser quando fores mais velho?” — aos 40 aos 50, “o que queres ser quando fores mais velho?”, aos 60 e aos 70. “Quando for grande, quero ser independente.”
Segundo, diversificar: distribuir investimentos por diferentes classes de ativos (ações, títulos, imóveis, …) e geografias, reduzindo o risco. Não há uma alocação correta de ativos, depende da tolerância ao risco de cada um ou do horizonte temporal do investimento. Para pessoas mais jovens, o horizonte temporal é maior e a alocação mais elevada em ações oferece maior potencial de retorno.
A expressão “o futuro é agora” é banal, mas não nos iludamos, é verdade. A poupança não é um valor numa aplicação, a carta uma vez por ano. Boa poupança é qualidade de vida futura. E o benefício não é apenas para o próprio e família. É para a sociedade, empresas e Estado. Um país que não poupa, não investe – ou depende da poupança estrangeira, do endividamento — e corremos o risco de termos crises recorrentes. A poupança não é apenas um tema das seguradoras, da Caixa Geral de Aposentações ou da Segurança Social. É de todos e é do país. Temos de pensar e fazer diferente, e vamos com atraso.
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