Querido mês de Agosto

  • Filomena Villas Raposo
  • 25 Agosto 2022

Entrevendo-se aqui um período auspicioso para os Cofres do Estado começaram a surgir as notificações da Administração Pública: Segurança Social, Finanças e tudo o que sejam contraordenações.

Já foram tempos em que o querido mês de Agosto decorria languidamente em dias que se sucediam longos e quentes, convidativos ao descanso e à recuperação do frenesim do trabalho dos 7 meses anteriores.

Já se esvaeceu até a memória do Agosto em que nada acontecia, em que o País praticamente parava. E em que os portugueses debandavam dos seus sítios para as tradicionais férias de Verão.

Entrevendo-se aqui um período auspicioso para os Cofres do Estado começaram a surgir as notificações da Administração Pública: Segurança Social, Finanças e tudo o que sejam contraordenações. Assim se foi instituindo por parte da Administração Pública a tradição de notificar os portugueses e os que aqui trabalham no querido mês de Agosto.

Curiosamente, tudo se passa como se as notificações de contraordenações estivessem prévia e automaticamente marcadas para o mês de Agosto! E enfim, como se os restantes 11 meses não existissem para o efeito, sendo que já se nota também, a preferência pelo envio destas notificações aos cidadãos nas férias do Natal e passagem de ano.

Ora, o prazo destas notificações começa a contar desde que são depositadas nas caixas do correio, correndo-se o risco de quando os cidadãos voltam às suas residências e tomam conhecimento das mesmas, já ter decorrido o prazo legal para a sua defesa, o que é impeditivo do exercerem o direito de contestar. Caso em que só- resta uma solução: pagar o que o Estado exige! e sem direito a resposta.

Em conclusão: ganham os Cofres e perdem os cidadãos, numa actuação manifestamente desigual, desproporcional, parcial, injusta e duvidosa boa-fé por parte da A.P.

É caso para nos perguntarmos se a Administração Pública continua subordinada aos princípios da Constituição da República Portuguesa e portanto, obrigada a prosseguir o interesse público, ou seja, dos cidadãos e não da máquina administrativa; no respeito pelos seus direitos e interesses legalmente protegidos e com observância dos princípios constitucionais da legalidade, da boa-fé, da justiça, da imparcialidade, entre outros.

Na prática, esta recente tradição das notificações da Administração Pública no mês de Agosto e nas férias de Natal e passagem de ano viola não só o preceito constitucional do direito à impugnação dos actos administrativos contemplado no art. 268º nº 5 como também, o Direito Fundamental de acesso ao direito e â tutela jurisdicional estatuído no art. 20º, ambos da nossa Constituição.

Não seria pois, caso de os cidadãos se fazerem ouvir para que as notificações da Administração Pública sigam o regime das notificações judiciais que em regra se suspendem em férias judiciais?! É a única forma de os cidadãos deixarem de receber estas “prendas” no retorno das festividades ou das férias do querido mês de Agosto e de assim, terem tempo e disponibilidade de pensar na defesa e de encontrarem advogado para os defender.

Nota: A autora escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Filomena Villas Raposo
  • Advogada

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