Recessão nos EUA em 2020?
Se a taxa de desemprego nos EUA superar os 4% em janeiro do próximo ano, cometerei a imprudência profissional de prever uma recessão na maior economia do mundo para 2020.
Os economistas raramente preveem recessões porque elas são… raras. No caso dos EUA, por exemplo, um economista temerário que anuncie a vinda de uma recessão enfrenta um binómio probabilístico 30/70 a seu desfavor [1]. Perante tamanho risco, o curso de ação mais prudente para o previsor consiste em vaticinar apenas um abrandamento, pois mesmo em caso de recessão tal estratégia permite clamar sucesso na antecipação da dinâmica da economia.
Acontece que do ponto de vista da utilidade da previsão, abrandamento e recessão são duas realidades muito distintas, por estarem em causa efeitos altamente não-lineares. De facto, a passagem de uma situação de baixo crescimento económico para uma de recessão tipicamente implica saltos discretos em variáveis cruciais, como a taxa de desemprego, os preços do imobiliário ou o nível de incumprimento no crédito. Portanto, saber se uma economia entra (ou não) em recessão é da maior relevância. Por maioria de razão, a questão é ainda mais sensível em se tratando dos EUA, por serem a maior economia do mundo.
Quando a recessão global se iniciou no setor industrial no final de 2018, muitos analistas abraçaram a tese de que os EUA estariam imunes porque, ao contrário da Alemanha ou do Japão, há muito haviam deslocalizado grande parte da produção industrial para outras geografias. Desse modo, apesar do setor transformador americano também estar em contração, o crescimento agregado da economia é pouco afetado porque continua a beneficiar da voracidade gastadora do consumidor americano, o qual está e continuará a estar em grande forma em virtude do fulgor do mercado de trabalho.
Esta tese, pela qual o desempenho de um grande bloco (neste caso os EUA) não é afetado pela debilidade do resto da economia global, é conhecida pela designação de decoupling geográfico e infalivelmente emerge pela voz de vários analistas no início de cada fase descendente do ciclo global para infalivelmente ser (posteriormente) invalidada pela realidade dos factos.
No caso vertente, como a maleita global reside no setor industrial, a confirmação da tese do decoupling geográfico passa por demonstrar que existe decoupling setorial entre indústria e serviços no seio da economia americana, apesar da manifesta reduzida dimensão do primeiro setor face ao segundo. E… voilá! A perda de vigor na indústria já começou a contaminar os serviços (gráfico 1).
Os proponentes da tese de decoupling não desanimam perante a evidência sugerida pelo gráfico 1 e justificam a súbita perda de dinamismo do setor dos serviços nos EUA com as guerras comerciais promovidas pela Casa Branca, o que não deixa de ser curioso, pois se o setor industrial – aquele produz os bens transacionáveis – é irrelevante no cômputo geral da economia americana, tensões de comércio internacional deveriam ser igualmente irrelevantes na evolução da atividade económica. Daí que o argumento de que os recentes progressos nas negociações entre os presidentes Trump e Xi em matéria comercial rapidamente restabelecerão o vigor do crescimento nos EUA dificilmente encaixa na tese do decoupling.
Posto isto, apesar de a tendência expressa no gráfico 1 ser clara e preocupante, o sentimento dos serviços ainda não está em níveis indicativos de recessão, o que só acontece quando o indicador desce abaixo de 50, pelo que a dúvida persiste: recessão, sim ou não?
O enfraquecimento da economia global e a normalização da política monetária da Reserva Federal (Fed) que se verificava à entrada deste ano formavam uma combinação que historicamente implicava uma elevadíssima probabilidade de recessão nos EUA. Acontece que ao longo deste ano a Fed tem vindo a operar uma das mais dramáticas inversões no sentido da política monetária de que há memória, tendo já cortado as taxas diretoras por três vezes e reiniciado os programas de compra de títulos de dívida.
Tal intensidade na acomodação das condições monetárias está a manifestar-se eficaz na recuperação dos segmentos mais sensíveis ao ciclo da economia, como a compra de automóveis e, sobretudo, o setor imobiliário, o qual se encontrava em retração desde 2018 (gráfico 2). Será a inflexão destes indicadores o prenúncio de que a economia norte-americana está já a recuperar sem nunca ter chegado a regredir?
Pessoalmente, acho que o veredicto de recessão depende da evolução da taxa de desemprego, a qual se tem mostrado o indicador mais certeiro na identificação de recessões ao longo do tempo. Como o gráfico 3 ilustra, taxas de desemprego muito baixas são frequentemente presságio de más notícias, sobretudo quando posteriormente sofrem um rápido agravamento. Sempre que tal ocorreu, houve recessão. A razão é óbvia: uma súbita queda do emprego traduz quebra (ou intenção de redução) da produção por parte das empresas, o que equivale à materialização de uma recessão.
Em conclusão, e repescando a temática das probabilidades do início do artigo, se a taxa de desemprego nos EUA superar os 4% em janeiro do próximo ano, eu cometerei a imprudência profissional de prever uma recessão na maior economia do mundo para 2020.
[1] Esta afirmação é de certa forma hiperbólica, pois o binómio 30/70 é uma probabilidade incondicional, quando na realidade as previsões dos economistas se baseiam em probabilidades condicionais.
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