Resiliência e Vigilância do Setor: Binómio Risco e Impacto
Helena Chaves Anjos revê a estratégia europeia e nacional perante a avaliação do binómio risco-impacto como fator central para a estabilidade financeira do setor segurador e de pensões.
Na recente cerimónia de tomada de posse do novo Presidente da ASF, sublinharam-se os desafios de uma supervisão independente e estratégica, bem como a importância de uma governação que não se limite a uma análise difusa de matrizes de risco, mas que integre de forma robusta a avaliação do binómio risco-impacto como fator central para a estabilidade financeira do setor segurador nacional.
Riscos e vulnerabilidades do sistema financeiro
Em linha com esta orientação, o Relatório de Riscos de Outono 2025, recentemente publicado pelas Autoridades Europeias de Supervisão (ESAs)1, evidencia a crescente complexidade dos riscos e os impactos potenciais decorrentes da volatilidade do sistema financeiro europeu. Em particular, a combinação de tensões geopolíticas, instabilidade nos mercados de energia e alterações súbitas nas cadeias de comércio global apresenta riscos significativos para a estabilidade financeira. A avaliação realizada por estas autoridades fornece um quadro consolidado sobre vulnerabilidades, alertando supervisores, instituições financeiras e participantes de mercado para a necessidade de integração destes riscos na sua gestão diária.
O documento destaca ainda a robustez do sistema financeiro europeu, mas sublinha que a resiliência demonstrada não dispensa vigilância contínua e medidas preventivas, tanto no setor segurador como nos fundos de pensões ocupacionais.
Impacto no setor segurador e dos fundos de pensões
No setor segurador, os dados até final de 2024 revelam uma recuperação consistente. Os prémios de Vida retomaram crescimento, enquanto o negócio unit-linked inverteu a queda verificada desde 2022. Esta evolução foi acompanhada de melhoria nos fluxos de caixa e da rentabilidade reforçada, apoiada em fortes retornos de investimento. Adicionalmente, a estabilização das taxas de juro sugere que as taxas de resgate podem ter atingido o pico, contribuindo para a solidez financeira das carteiras. O exercício de esforço de 2024, centrado nos efeitos económicos de uma reintensificação das tensões geopolíticas, confirmou que, apesar da sensibilidade do setor a choques externos, a capitalização adequada no quadro de Solvência II garante capacidade de absorção destes impactos. Este caso concreto demonstra como os modelos de riscos, os instrumentos de avaliação e quadros regulatórios estruturados, permitem antecipar riscos e proteger na prática os consumidores e todo o sistema financeiro.
Paralelamente, os fundos de pensões ocupacionais (IORP – Institutions for Occupational Retirement Provision) mantiveram resiliência perante um contexto de taxas de juro dinâmicas. Os ativos cresceram acima das responsabilidades, impulsionados pela valorização das ações e das obrigações, enquanto as responsabilidades aumentaram devido à indexação à inflação, evolução das taxas de juro e alterações regulatórias.
A transição em curso de regimes de benefício definido (BD) para contribuição definida (CD) representa um desafio operacional significativo, exigindo atenção redobrada aos impactos da volatilidade do mercado acionista e do risco de longevidade, em especial, em segmentos da população mais expostos, como as mulheres. Estes exemplos reforçam a importância de testes de esforço regulares, monitorização contínua de liquidez e uma abordagem prudencial orientada por evidência técnica, permitindo identificar riscos e vulnerabilidades antes da materialização do seu impacto.
Risco estrutural e impacto estratégico
Numa perspetiva de contributo futuro, o setor financeiro europeu enfrenta desafios estruturais que exigem respostas estratégicas. No setor segurador, a manutenção da resiliência dependerá não apenas do nível de capitalização, mas também da capacidade de ajustar a oferta de produtos e serviços, aos cenários macroeconómicos e geopolíticos em rápida evolução. A inovação de produtos, incluindo soluções unit-linked e seguros de Vida integradas obedecendo aos critérios de sustentabilidade, poderá conciliar, o binómio entre risco suportado pelas seguradoras, rentabilidade e proteção ao consumidor, reforçando, em simultâneo, o impacto positivo na estabilidade financeira do sistema.
Nos fundos de pensões, o dilema é mais profundo. A transição de planos de BD para CD altera a exposição ao risco de longevidade e à volatilidade de mercados, exigindo estratégias de investimento mais sofisticadas e a implementação de soluções que mitiguem as lacunas de proteção na reforma. Um sistema de três pilares robusto, combinando regimes públicos, ocupacionais e individuais, é essencial para reduzir vulnerabilidades estruturais e potenciar a poupança de longo prazo. A integração destes fatores na estratégia do setor pode apoiar a União de Poupança e Investimento, aumentando a contribuição dos fundos de pensões para o financiamento sustentável da economia.
Na Europa, segundo outro estudo recente da autoridade de supervisão europeia deste sector, em 20242, os fundos de pensões ocupacionais (IORP) abrangiam cerca de 74 milhões de participantes e geriam 2,7 triliões de euros em ativos, equivalentes a 14,4% do PIB da UE/EEE. O setor regista crescimento em membros e ativos, acompanhado por consolidação de fundos e pela transição de planos de benefício definido para contribuição definida. As carteiras concentram-se em fundos de investimento, ações e obrigações, enquanto a Diretiva IORP II reforça transparência, governação e gestão prudencial.
Em Portugal, existiam 239 fundos ocupacionais supervisionados pela ASF, no final de 2024 como noticiado3, com cerca de 506 mil participantes (5,1% da população) e volume de ativos acumulados de 19,3 mil milhões de euros (6,8% do PIB). A baixa taxa de participação face à média europeia contrasta, contudo, com a tendência de migração para esquemas de BD para CD, e com consolidação dos fundos de menor dimensão.
Recomendações de resiliência e vigilância
Em síntese, a análise evidencia que os setores segurador e de fundos de pensões são resilientes, mas não deixam de ser vulneráveis. Reforçar modelos de governação e supervisão de riscos, através de mecanismos robustos, testes de esforço e integração sistemática de riscos geopolíticos e macroeconómicos, em linha com o quadro regulatório da supervisão prudencial, é determinante para antecipar impactos e aumentar a resiliência do setor, assegurando a vigilância dos operadores e supervisores. Além disso, o setor deve assumir um papel ativo na proteção do consumidor, na adaptação dos produtos à evolução dos mercados e na promoção de soluções de poupança de longo prazo, contribuindo para a estabilidade e confiança no sistema financeiro europeu.
A conjugação de resiliência financeira, inovação prudencial e orientação estratégica, aliada a uma governação e supervisão efetiva do binómio risco e impacto, transforma estas instituições em ativos fundamentais perante um cenário global incerto. Este não é apenas um alerta: é uma convocatória para que o setor continue a integrar rigor, visão e antecipação na sua prática diária, consolidando o seu contributo para um sistema financeiro sólido, resiliente e sustentável.
1 EIOPA, News, 19 September 2025 – Supervisors advise financial institutions to stay alert to stability risks.
2 EIOPA, IORPs in Focus Report 2024, September 2025 – Official data on occupational pension funds in the EU and EEA.
3 Empresas europeias contribuem o dobro do trabalhador para fundos de pensões, Eco seguros, 22 setembro 2025.
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