Responsabilidade civil por acto médico: a obrigação médica é uma obrigação de meios?
A negligência resulta de uma ofensa ao padrão de conduta profissional de um médico satisfatoriamente competente, prudente e informado. As rotinas médicas e as leges artis auxiliam à concretização.
Num processo que decorreu nos Juízos Cíveis do Porto, relativo à responsabilidade civil por acto médico, no qual foi examinada a questão de uma mulher que, à data dos factos, tinha 45 anos e que foi submetida a uma intervenção cirúrgica que tinha como objectivo uma revisão da prótese da anca esquerda, com substituição do componente acetabular, em que ocorreram diversos problemas na fase pós-operatória. A Autora ficou afectada de paralisia na perna esquerda, situação que acabou por comprometer irremediavelmente a sua vida diária. A decisão tomada pelo Tribunal de 1ª instância e confirmada pelo T. R. P. culminou com a condenação do médico. A forma inteligente e frontal como o tribunal de 1ª instância analisou os factos e tomou a decisão, o enquadramento e a análise aprofundada dada pelo T. R. P. a esta problemática, com particular enfoque nos conceitos de obrigação médica, aporta contributos importantes, dissipando alguns “mitos” que este tema sempre suscita.
Sobre o Acórdão do TRP, damos aqui um resumido eco: Nesta base, a obrigação médica envolve em primeira linha o dever de prestar os melhores cuidados no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde ao paciente, suavizar-lhe o sofrimento e prolongar-lhe a vida. Tradicionalmente qualifica-se esta obrigação como uma obrigação de meios no sentido de que o médico estará obrigado a desenvolver a sua actividade, prudentemente e com diligência, visando um determinado objectivo, mas sem que lhe seja exigível a obtenção de um concreto resultado. Giramos assim à volta do conceito de “diligência exigível”, o qual, segundo C. da Frada, constitui “pedra de toque da responsabilidade por acto médico, que é, essencialmente uma responsabilidade subjectiva, pela violação de deveres de meios”.
A negligência resulta de uma ofensa ao padrão de conduta profissional de um médico satisfatoriamente competente, prudente e informado. As rotinas médicas e as leges artis auxiliam à concretização. Além de não ser uma ciência exata, a medicina está sujeita a um processo de evolução e aperfeiçoamento permanentes. Esta questão de estarmos diante de uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultados é também um dos pontos clássicos de abordagem desta matéria e pode ajudar no seu enquadramento (embora se possa concluir que a distinção acaba por não ter grande utilidade prática).
Com efeito, a contraposição entre prestações de conduta e de resultado acaba, assim, por ser linguística: segundo Luís M. Leitão, “em ambos os casos aquilo a que o devedor se obriga é sempre a uma conduta (a prestação), e o credor visa sempre um resultado, que corresponde ao seu interesse (artº 498., n.º 2). Por outro lado, ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação (artº 342., n.º 2) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artº 799), sem o que será sujeito a responsabilidade. Não parece haver base no nosso direito para distinguir entre obrigações de meios e obrigações de resultado”. Carlos F. de Almeida, escreveu mesmo que a “distinção acaba por ser fonte das confusões ou imprecisões que pretenderia evitar, pelo que é preferível renunciar a ela e estabelecer o elenco adequado dos deveres, principais e acessórios, que incidem sobre o médico ou a unidade privada de saúde. O conceito de ‘obrigação de meios’ poderá gerar afinal uma ideia injustificada de responsabilidade diminuída. Colocada no âmbito adequado, como consequência da violação da obrigação de tratar, a responsabilidade contratual do médico não deve ser colocada em plano de exigência menor do que o correspondente a qualquer outra obrigação”.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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