Rui Rio e os bancos (sem lucros, claro)
O líder do PSD apontou o dedo aos gestores bancários, quais abutres à espera que as suas presas morram à sede no deserto.
Na década de 70, Otelo Saraiva de Carvalho queria acabar com os ricos e ouviu Olof Palm dizer-lhe que na Suécia queriam acabar com os pobres, Em 2020, Rui Rio não quer ver os bancos com lucros em 2020 e 2021 (nos anos seguintes, já podem ter tal pretensão). Preferirá, portanto, bancos com prejuízos a somar a uma crise sem paralelo. Sim, foi Rui Rio, não foi Catarina Martins nem Jerónimo de Sousa (embora pensem exatamente o mesmo).
O ataque de Rui Rio à banca é errado na forma e na substância. Sim, seria intolerável que os bancos usassem as linhas de crédito com garantia de Estado para ‘limparem’ o balanço ou para reestruturarem ou diminuírem os créditos passados, e terá de haver penalizações duras para as administrações que promovam essas práticas. Há relatos de casos, não confirmados, que nos dizem que algumas práticas não serão as mais adequadas. Mas ao dizê-lo da forma que o fez, e no sítio que o fez, Rio disse aos portugueses para não confiarem nos bancos e sobretudo para desconfiarem dos seus gestores. Serão culpados até prova em contrário.
Os bancos têm contas a prestar aos portugueses, sim, e têm uma oportunidade única para recuperarem uma credibilidade perdida na crise de 2008 e, depois, de 2011 e anos seguintes. Em Portugal, somaram-se os casos como o do BES ou, antes, do BPN, que obrigaram os contribuintes a pagarem para salvar os seus depósitos (não confundir com os acionistas, que perderam quase tudo, uns por responsabilidade própria, e bem, outros sem responsabilidade nenhuma). Mas fazer bem, neste caos, não pode ser o contrário de fazer mal, leia-se de perder milhões, porque isso significará a sua própria falência. E lá terá o Estado de meter mais uns milhares de milhões.
O que Rui Rio disse é popular, até populista, mas exige-se mais qualquer coisa do líder do PSD. Rui Rio até trabalhou num banco entre a saída da Câmara do Porto e a liderança do PSD, portanto, não foi assim há tanto tempo. Foi membro do comité de investimentos do BCP Capital (entidade que entretanto já foi extinta), dava o seu parecer a projetos de investimento daquela capital de risco. Sabe, deveria saber, que não há economia saudável sem bancos saudáveis, e também não há bancos com lucros com clientes falidos. Quando as empresas entram em dificuldade, os bancos vão a seguir, mais cedo ou mais tarde.
Os gestores bancários não são uns santos, como não são os empresários, os trabalhadores… e os políticos. Agora, nesta crise, beneficiam de flexibilidade das autoridades europeias nas regras de concessão de crédito e têm linhas de crédito com garantia a 80% do Estado. Mas bancos não são a Santa Casa da Misericórdia, devem ser, sim, os primeiros a querer que os seus clientes tenham capacidade para liquidar as dívidas contraídas, a não pressionar uma empresa que está com a produção parada e não fatura. Ou a não exigir avales pessoais a um empresário na concessão do crédito, por exemplo, uma prática tão comum e que é a negação do risco. Estamos de acordo.
Outra coisa, bem diferente, é exigir que os bancos não tenham lucros, ou identificá-los com os abutres que estão à espera que as suas presas morram à sede no meio do deserto. Infelizmente, caro Rui Rio, não vão ter, nem muitos, nem poucos lucros, tendo em conta o choque que a economia portuguesa vai sofrer. E ainda o vamos ouvir a lamentar esse facto, porque a seguir vai ter de dizer se os quer deixar ir abaixo, e aos respetivos depositantes, ou se vai assinar mais uns resgates com dinheiro público.
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