Se o cowork tivesse um livro sagrado, pregava à interação humana e venerava a comunidade
O cowork é um organismo vivo, dinâmico, que entende o quão importante é a interação humana num mundo cada vez mais apegado ao digital. Hoje, 9 de agosto, é Dia Internacional do Coworking.
Já não é possível afirmar com certeza o número de espaços de cowork disponíveis em Portugal. Em 2019 os dados indicavam a existência de 42 espaços no país; contudo, dois confinamentos depois — e ao contrário do que muitos chegaram a sugerir — os coworks multiplicaram-se em quantidade e em abordagens, provando que não era apenas uma tendência. Se entre 2010 — altura em que foi fundado o primeiro cowork em território nacional — e 2019 surgiram estas impressionantes dezenas de coworks, em apenas três anos (entre 2020 e 2023) cresceram para as centenas, espalhando-se por todo o território nacional.
Historicamente, o primeiro registo do conceito remonta a 2005, quando foi pela primeira vez enunciado por um engenheiro norte-americano, sob a premissa de que “cowork” seria um espaço de trabalho partilhado por profissionais de diferentes áreas e empresas. Hoje, já não é apenas isso. Mas também o é, ao mesmo tempo que é igualmente uma fusão de muitas outras coisas. Há coworks que se especializam em indústrias — como o ImpactHUB, ou a FintechHouse –, há espaços em supermercados e bancos — como os da Auchan e Santander –, ou até dentro de outras empresas, juntas de freguesia e municípios, incubadoras e aceleradoras. São híbridos, diria. Uma evolução natural, que só prova que o conceito ressoa em todos, de norte a sul, do litoral ao interior, do privado ao público, de estrangeiros a nacionais.
Mas como em tudo o que ganha rapidamente escala, surge um verso. E aquilo que sempre foi apenas um local de trabalho, agora também enuncia a palavra “cowork” na sua porta, vendendo o mesmo de sempre, usando apenas um novo embrulho, mais bonito e cintilante.
“Cowork” ou “co-work”, surge da junção do prefixo “co”, de “collaboration”, “cooperation” e “co-creation” (colaboração, cooperação e co-criação), com “work” (trabalho). E o que quer isto dizer? Quer dizer em primeiro lugar que “it takes two to co”. Não é possível ter um espaço de cowork onde não há interação entre os seus utilizadores. É nessa interação, com a colaboração constante, que passamos a poder falar de “comunidade” e de tudo o que com ela se pode alcançar.
Parece simples, mas de simples a fácil vai o duro caminho de uma aposta genuína na construção de uma comunidade. Como dizia o Fernando Mendes — pioneiro do cowork em Portugal, fundador do Cowork Lisboa e cofundador do NOW Beato — na sua entrevista à Remote Portugal em 2022, “se for só para trabalhar, não preciso do espaço de cowork. Tudo o resto é que faz as pessoas ficarem” e se não ficarem, não vão conhecer o valor da comunidade.
Espaços bonitos, com design “instagramável”, acolhedores e com todas as comodidades, são uma questão financeira; já a comunidade, é uma questão de dom e muita dedicação humana. Não há IA que salve, nem há como não estar presente. Comentava o Fernando na mesma entrevista que “gerir comunidade tem de se fazer a partir de dentro; a comunidade só te aceita se fizeres parte dela”. O que faz com que a simbiose entre o espaço e os seus gestores tenha de ser uma prioridade. Significa que, ao invés de vendas, a primeira tarefa do dia seja dizer “bom dia” a todos os membros; ao invés de ir almoçar à hora marcada se fique a conversar com alguém que precisa de ajuda; ao invés de se responder com os valores de tabela se questione quais as dificuldades e se sugiram alternativas sem custos; ao invés de enumerar problemas e obstáculos se celebrem as conquistas profissionais e pessoais. Assim como significa que cada espaço vai ser sempre diferente; porque o que faz o espaço são as pessoas que nele circulam.
Mas nada disto se vê no letreiro que está do lado de fora de um espaço. A essência de um espaço só se percebe quando lá se entra e se sente o seu ambiente. Dá para sentir nos corredores quando é cowork, e quando não o é. Mas é mesmo preciso lá entrar.
Poderia dissertar sobre como o ambiente de cowork produz resultados na produtividade e satisfação (felicidade até) dos seus utilizadores, mas já todos temos a lição estudada. As empresas — independente do seu tamanho e estágio de maturidade –, além dos trabalhadores remotos, freelancers e nómadas digitais, estão várias vezes a optar pelo cowork em detrimento do arrendamento tradicional, procurando esse estímulo e resultados (além dos seus benefícios económicos). Mas — como dizia — a comunidade começa por dentro, e para sentirmos os efeitos positivos deste ambiente, as nossas ações individuais — enquanto fundadores, sócios, gerentes, funcionários e colegas — são o caminho para lá chegar. Porque — apanhando boleia dos eventos recentes — ter a Bíblia não faz de nós católicos.
O cowork é um organismo vivo, dinâmico, que entende o quão importante (urgente, diria) é a interação humana num mundo cada vez mais apegado ao digital. E é isso que devemos praticar e transmitir quando hasteamos a bandeira do “cowork”.
Pode-se dizer que, enquanto gestores de uma comunidade e espaços de cowork, aquilo que temos tentado fazer no Idea Spaces é garantir que se tem um espaço à disposição de toda a comunidade, mas acima de tudo sugerir, incentivar e promover ativamente a interação entre membros, procurando as ligações que existem mas ainda não se tinham descoberto. Porque se assim não for, talvez fossemos um moderno centro de escritórios ou outra coisa, mas não seríamos certamente um espaço de cowork.
Hoje, no Dia Internacional do Coworking, não é sobre tentar que o conceito se mantenha estanque e “puro”, mas sim sobre tentar manter a integridade do valor que o fez ter tamanha relevância nos dias que correm. É sobre celebrar e dar a conhecer este “workstyle” (ps: o Idea oferece sempre o primeiro dia grátis e sem compromisso), lembrar que a interação e colaboração não são apenas uma tendência nem uma moda passageira, e que tudo o que aspiramos acontece quando as nossas crenças se convertem em ações, no seio de uma comunidade que age de igual modo. O cowork não é uma religião. Mas sustenta-se em valores que só preservam o sentido de humanidade.
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