Será desta (o PRR e outras histórias)

As oportunidades existem e cabe ao Estado e às empresas organizarem-se para que esta história tenha um final (mais) feliz.

A ansiedade portuguesa quanto ao alívio económico que vem de fora não é nova, nem especialmente original. A espera pela chegada salvífica das naus da carreira da Índia parece ter-nos ficado gravada no inconsciente colectivo de uma forma que extravasa amplamente os regimes políticos e as principais tendências económicas de cada época.

Os ciclos da canela (cujo cheiro despovoava o Reino, nas palavras de Sá de Miranda) e do ouro deram lugar aos dos fundos europeus sem que a atitude maioritária subjacente tenha conhecido alterações de fundo. O tempo passou, mas continuamos metaforicamente a perscrutar o horizonte na expectativa angustiada de que nos venham libertar dos nossos males.

A crise que se abateu sobre as economias europeias por força da pandemia de COVID-19, e a resposta da União Europeia, reacendeu a representação do salvador externo no nosso imaginário, sem que déssemos conta que a configuração e materialização da solução não nos é alheia. Na verdade, não é possível entender as políticas europeias, neste caso o instrumento Next Generation EU e, em particular, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, como meras poções mágicas importadas: os seus ingredientes e a forma de os preparar têm mão portuguesa, a par das dos nossos parceiros. É assim desde 1986.

É, por isso, errónea ou, no mínimo, indutora em erro a perspectiva de que somos meros receptores de ajuda e, mais ainda, a de que esta não obedece a condicionalismos ou a critérios de alocação. Dito de outra forma, a “bazuca” ou a “vitamina” – conforme a nossa disposição seja bélica ou de índole mais curativa – também é made in Portugal e não servirá para tudo. O seu emprego está adstrito em boa medida ao cumprimento dos objectivos de transição climática e digital, inscritos no Pacto Ecológico Europeu, que a crise não conseguiu eliminar. O ritmo da mudança preconizada variou e por vezes diminuiu para acudir às emergências, mas não o seu rumo. Será por aí que iremos.

O Plano de Recuperação e Resiliência português, cuja versão final foi apresentada à Comissão Europeia a 22 de abril de 2021, não destoa quanto a este propósito, ainda que sejam legítimas as dúvidas (e as críticas) quando à justeza da divisão das verbas destinadas aos sectores público e privado e ao modo como são distribuídas entre componentes, reformas e investimentos. Fomo-lo conhecendo em diversas versões e os contributos parecem tê-lo enriquecido e tornado mais susceptível de ser avaliado a posteriori, sem que haja unanimidade quanto à sua bondade, adequação estratégica e impacto macroeconómico. Mas o PRR aqui está, apesar dos pesares, e não apenas para consulta, destinado a apoiar e mobilizar vontades e projectos com o propósito anunciado de “Recuperar Portugal, construindo o futuro”.

O próprio documento reconhece que na próxima década, em particular nos primeiros cinco anos, fluirão “meios numa dimensão sem precedentes para a modernização e o desenvolvimento económico e social do nosso país”: o seu sucesso dependerá do aproveitamento produtivo desse fluxo e da capacidade de execução dos meios disponibilizados que, como é sabido, não tem sido óptima. Mas as oportunidades existem e cabe ao Estado e às empresas organizarem-se para que esta história tenha um final (mais) feliz e que não passe pela reedição de considerações melancólicas sobre o que poderíamos ter sido.

O título deste texto foi propositadamente deixado sem pontuação. Cabe ao leitor mais ou menos optimista dar-lhe a tonalidade que entender e contribuir sempre que puder para que não fiquemos a ver navios.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

  • Consultor para os Assuntos Europeus da Abreu Advogados

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Será desta (o PRR e outras histórias)

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião