Tendências legislativas nos Produtos de Investimento com base em Seguros
O impacto das novidades legislativas no mercado e respetivos operadores está ainda por avaliar, são normas exigentes que constituem um grande desafio
No Seventh Consumer Trends Report publicado em dezembro de 2018 pela EIOPA (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma) surgiu como primeiro facto destacável do ano um aumento de 11% no valor bruto dos prémios de seguro cobrados na União Europeia no ramo vida, crescimento motivado primordialmente por um aumento de 42% na subscrição de produtos de seguro index-linked e unit-linked, que tomaram, pela primeira vez desde que este relatório anual começou a ser produzido, o primeiro lugar entre os produtos do ramo vida.
Esta evolução é particularmente importante se tivermos em conta o caminho que está a ser entretanto trilhado pela legislação europeia no sentido de clarificar a regulamentação e supervisão dos produtos de investimento com base em seguros (PIBS ou IBIP, na terminologia anglo-saxónica), nos quais aqueles se inserem. Com efeito, o facto de tais produtos reunirem em si mesmos uma componente de seguro e uma componente de produto de investimento determinou uma certa hesitação inicial quanto ao respetivo enquadramento, que parece estar agora a ser ultrapassada.
Em Portugal, esta hesitação conduziu a, em 2007, o legislador nacional aproveitar a lei de transposição da primeira Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF I[1]) e o alargamento por esta promovido do conceito de instrumentos financeiros, para incluir também neste âmbito os contratos de seguro ligados a fundos de investimento e sujeitá-los em grande medida a supervisão e regulamentação da CMVM. Visava-se, nas palavras da própria lei, promover a coerência do sistema, “atenta a proximidade da função que desempenham com a categoria dos instrumentos financeiros, em geral, e dos fundos de investimento, em particular”, e eliminar “assimetrias na regulação e supervisão de instrumentos que exibem nítidas semelhanças do ponto de vista substancial”, designadamente quanto aos deveres informativos e de conduta na respetiva distribuição.
A tomada de posição do legislador europeu a este respeito veio a ser feita por uma tríade de documentos, todos implementados no último ano em Portugal, e que determinaram uma reavaliação do posicionamento anteriormente adotado no âmbito nacional: a DMIF II[2], o Regulamento europeu PRIIPS[3] e a nova diretiva da distribuição de seguros (IDD)[4].
Em primeiro lugar, e logo em 2014, a DMIF II veio clarificar que, embora fosse necessário para garantir a proteção dos consumidores e a concorrência entre produtos semelhantes que os PIBS estivessem sujeitos a exigências de proteção dos investidores semelhantes às desta diretiva, as diferentes estruturas de mercado e características dos produtos de seguro aconselhariam que a regulamentação detalhada a esse respeito se fizesse no âmbito da legislação relativa a distribuição de seguros.
Também em 2014, e sem prejuízo da referida necessidade de estabelecer regras de comercialização específicas para seguros, o legislador europeu deu um sinal quanto ao que entendia ser essencial regular da mesma forma, ao uniformizar os requisitos dos documentos de informação fundamental aplicáveis aos PIBS e aos produtos de investimento de retalho, através do Regulamento PRIIPs, complementado em Portugal pela Lei n.º 35/2018, de 20 de julho.
A peça final deste puzzle foi a publicação, em 2016, da IDD, transposta em Portugal no início deste ano pela Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro, aplicável a mediadores e a empresas de seguros, que passou a incluir um conjunto de normas específicas adicionais aplicáveis à distribuição de PIBS, tratando, entre outros, aspetos como a avaliação da adequação do produto ao cliente e os conflitos de interesses dos distribuidores, densificados em regulamentos delegados da Comissão Europeia.
O impacto destas novidades legislativas no mercado e respetivos operadores está ainda por avaliar, ainda que a interpretação e a adaptação a novas normas – exigentes do ponto de vista documental e procedimental, e com impacto na relação com consumidores – constitua um grande desafio. Em particular, será interessante perceber em que medida os distribuidores se irão socorrer das práticas regulatórias adquiridas em ambiente de intermediação financeira, aplicando-as, na medida em que forem compatíveis, à distribuição de PIBS, especialmente no caso de distribuidores de seguros que sejam simultaneamente intermediários financeiros e em áreas em que a IDD e as normas que a desenvolveram não sejam tão detalhadas como as normas análogas do pacote normativo da DMIF II, como é o caso da categorização de investidores – e tudo isto, agora, sob a supervisão da ASF.
[1] Diretiva 2004/39/CE.
[2] Diretiva 2014/65/UE.
[3] Regulamento (EU) 1286/2014.
[4] Diretiva (UE) 2016/97.
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