Transformação digital nos seguros e o peso do legacy mental
Vincent Van de Winckel é um Facilitador para a Transformação Digital, fazendo o casamento de tecnologia e indústria para acrescentar valor aos negócios. É também consultor de start ups e seguradoras.
Vivemos numa era digital e as nossas aspirações e expectativas são determinadas pela conveniência e eficiência trazidas pelas novas tecnologias. Mesmo que existam processos, produtos e grupos populacionais com níveis de digitalização diferentes, quem se relaciona com a gerações Z, nascida nos anos 90 e depois, não tem dúvidas. Uma boa parte da população em geral e todos os consumidores de amanhã esperam das marcas um serviço rápido, adaptado e de fácil acesso, onde quer que estejam.
A experiência de consumo que a tecnologia trouxe para os setores audiovisuais, da diversão, do retalho e do e-commerce é também esperada nos serviços financeiros e nos seguros.
Desenvolveram-se nestes últimos anos uma panóplia de soluções tecnológicas insurtech e fintech que permitem aos intervenientes deste setor a prestação de um serviço à altura das novas expectativas dos consumidores. Muitas destas soluções são hoje “as a Service” (Software as a Service, Payment as a Service) disponibilizadas via plugins ou APIs, implementadas em poucas semanas e por uma fração do custo das soluções IT típicas. Isto explica a mudança que os clientes começam a sentir na sua relação com algumas seguradoras. Tais soluções, desenvolvidas por estruturas ágeis, sem o legacy mental ou tecnológico dos incumbentes tradicionais, têm ainda a vantagem de contar com equipas especializadas dedicadas que as atualiza e desenvolvem constantemente.
Soluções de chatbot permitem que cerca de 60% dos pedidos de clientes sejam respondidos de forma eficiente e imediata a qualquer hora. O processo de identificação, assinatura digital e KYC remoto torna possível a um novo cliente, de maneira célere e desmaterializada, subscrever um seguro financeiro, assinar ou proceder a alterações de contrato ou ainda abrir uma conta bancária, a partir do seu telemóvel ou computador. Outras aplicações disponibilizadas pelas seguradoras aos seus clientes permitem ainda que um sinistro seja participado e indemnizados no prazo de dias em vez de semana. Estas são algumas das soluções mais visíveis do exterior. Do ponto de vista das operações surgem hoje soluções de automação robótica que ajudam as empresas a otimizar os seus processos internos o que, por sua vez, traz maior rapidez e eficiência no tratamento de tarefas rotineiras, como por exemplo nas áreas de sinistros, back-office e finanças.
Esta fervilhante transformação começou em meados da década passada. O setor, tradicionalmente adverso ao risco e por conseguinte mais conservador, só recentemente começou a estar mais atento aos benefícios que as soluções e tecnologias emergentes podem trazer.
Esta atitude prudente da indústria seguradora não é inerentemente má, como me referia recentemente Oliver Werneyer, CEO e cofundador da Imburse. Os clientes precisam saber que as seguradoras, que com eles têm um compromisso e serviço de longo prazo, não se envolvem oportunisticamente em atividades de mercado, ameaçando o valor para o cliente ou a estabilidade da empresa. Por outro lado, a prudência e a aversão ao risco não podem ser fatores imobilizadores que impeçam toda e qualquer inovação.
Para evoluir e adaptar-se ao novo contexto digital, os agentes mais dinâmicos desta indústria têm explorado várias abordagens na adoção de soluções e processos inovadores. Alguns incumbentes internalizaram o desafio montando equipas de inovação com a missão de sensibilizar os públicos internos à temática de inovação e transformação (digital), identificar modelos e tecnologias apropriados cuja implementação fosse proposta e acompanhada. Outras companhias ligaram-se ao ecossistema empreendedor e criaram fundos de venture capital corporate encarregues em identificar e investir nas pérolas raras. Outras ainda se envolveram em programas de aceleração de start-ups. Em todos estes cenários, só se conseguem colher os benefícios destas iniciativas se a cultura da administração e da empresa estiver fundamentalmente aberta à inovação e à mudança, o que nem sempre acontece.
Finalmente, todas as organizações estão condicionadas pela própria cultura interna e pela atitude mental (mindset) dos colaboradores e da gestão. Uma cultura dinâmica, centrada na inovação e na eficiência, é essencial para que os esforços da transformação digital possam dar fruto e resultem numa eficaz e duradoura transformação.
E uma coisa é certa. Se não for o management da própria companhia a induzir a necessária conversão dos processos, será o mercado a fazê-lo.
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