Editorial

Um Governo a voar muito baixinho

A demissão da secretária de Estado que saiu da TAP com meio milhão de euros não é o fim de um caso, é o princípio do fim de outra coisa.

Alexandra Reis já não é secretária de Estado do Tesouro, não poderia ser depois de se saber que pediu 1,5 milhões de euros de indemnização para sair voluntariamente da TAP e de ter recebido, no final, 500 mil euros brutos sem ter em conta os cortes salariais que a próprio impôs a milhares de trabalhadores de companhia área. O céu não poderia ser o limite para a governante nem para o Governo, mas isto é mais do que uma trapalhada para entreter assessores, como nos explicava o primeiro-ministro António Costa, é um desgoverno.

A resposta da TAP ao despacho dos ministros Fernando Medina e Pedro Nuno Santos é, no mínimo, uma peça jurídica criativa sobre a forma como a TAP chegou aos 500 mil euros de indemnização e ao respetivo enquadramento jurídico, um puzzle de números que até passou pelo pagamento de 107 mil euros por férias não gozadas. Pode ler aqui uma síntese, em 17 pontos, das explicações da TAP, o que acabou por ser uma espécie de guia de marcha de Alexandra Reis. A legalidade da indemnização vai ser apurada pela Inspeção Geral de Finanças, mas o ministro das Finanças demorou quatro dias para tomar uma decisão que era óbvia e comunicou-a ao país pela noite dentro (isto está a tornar-se um hábito, não é?). O caso terminou com a demissão da secretária de Estado? Não. Isto não é o fim de um caso, é o princípio do fim de outras coisas.

Em primeiro lugar, se a secretária de Estado não tem condições morais para se manter em funções, como é que fica a presidente da TAP, Christine Ourmiére-Widener, que é gestora da coisa pública e pagou indevidamente meio milhão de euros para dispensar uma colega de administração quando impôs cortes de salários aos trabalhadores da companhia e quando tem de se sentar à mesa das negociações com os sindicatos para renegociar um acordo de empresa? E qual é o papel do chairman da TAP, Manuel Beja, uma inexistência desde que assumiu funções? Nenhum dos dois tem condições para exercer os cargos que lhe estão confiados ou, nas palavras de Medina sobre Alexandra Reis, para serem “um referencial de estabilidade, de autoridade e de confiança dos cidadãos”.

Ainda assim, a demissão da CEO da TAP teria um custo, a substituição da gestora no meio do processo de reestruturação da companhia. Além de outro custo, sim, outra vez, o de uma indemnização. Christine Ourmiére-Widener e a equipa de gestão vão ter provavelmente nos próximos dias uma última oportunidade, com a apresentação das contas de 2022. Se os resultados operacionais forem cumpridos ou até ultrapassados, a presidente executiva da TAP poderá agarrar-se a esta boia de salvação, mas esgotou as vidas disponíveis para ficar à frente da companhia.

Já do ponto de vista político, o desfecho deste caso é mais complexo. Os dois ministros mais relevantes do Governo — por razões diferentes — são aqueles que saem afetados por este processo. Pedro Nuno Santos validou a saída de Alexandra Reis naquelas condições da TAP e, passados quatro meses, levou-a para a presidência da NAV. Fernando Medina não era ministro das Finanças quando a TAP pagou 500 mil euros a Alexandra Reis, mas fica comprometido quando escolhe uma gestora para o seu ministério sem cuidar de saber quem estava a nomear, sem conhecer o seu passado e a relação com o Estado e as empresas públicas.

Nenhum dos dois sairá por causa deste episódio, mas isto é muito mais do que uma trapalhada. Em dez meses, com maioria absoluta, António Costa foi obrigado a mudar dez governantes, Alexandra Reis conseguiu estar ainda menos tempo em funções do que Miguel Alves, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro que saiu por ser arguido num processo judicial, e o Governo, na verdade, não é uma equipa, é um conjunto de ministros que se juntam à quinta-feira para uma reunião semanal, cada um por si e nenhum por todos. Não há iniciativa política, não há uma visão do país, há distribuição de fundos em função da lotaria fiscal que saiu em 2022 com a inflação, há empobrecimento relativo do país e um único objetivo político consistente e, pelo menos para já, efetivo, a redução da dívida pública. Habituem-se, porque o Governo tem ainda quatro anos de legislatura.

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