
Uma remodelação ‘poucochinha’
Um Governo é reformista se o primeiro-ministro assim o quiser. Montenegro sinaliza o caminho certo com Gonçalo Saraiva Matias e o caminho errado com Manuel Castro Almeida.
O mundo mudou, mas Luís Montenegro continua mais ou menos no mesmo sítio, o sistema político sofreu um abalo, mas o primeiro-ministro optou por uma remodelação ‘poucochinha’, sem sinais que antecipem um novo ciclo político, um novo impulso, uma resposta ao que disseram os eleitores no voto. O “novo” Governo tem uma excelente notícia, um conjunto de más e péssimas notícias, e o melhor que se pode ver é a permanência de três ou quatro governantes que não saíram do sítio.
Comecemos pelo início, e pela excelente notícia (que é mesmo a única) deste Governo remendado: O primeiro-ministro convocou Gonçalo Saraiva Matias para a reforma do Estado, e deu-lhe peso político, com o estatuto de ministro-adjunto. O nome do novo ministério talvez não seja o mais adequado, porque cria expectativas, talvez inantingíveis, e acaba por funcionar como fator de pressão, mas se há coisa de que o país, e a economia, precisa é mesmo de uma reforma do Estado. Daquelas que começam por simplificar, por desburocratizar, por olhar com confiança para os agentes económicos, daqueles que fazem contratos de confiança e não partem do pressuposto de que é preciso criar barreiras e suspeitas à priori que travam a economia e o investimento.
Reforma do Estado pode querer dizer tudo e não dizer nada. Veremos o que quer mesmo o primeiro-ministro, mas o ministro escolhido é, ele próprio, um conforto de segurança. Gonçalo Saraiva Matias não tem propriamente experiência política executiva, mas tem as competências e qualificações e o percurso para conduzir uma estratégia que signifique menos Estado e melhor Estado. Mas também recairão sobre si as maiores expectativas deste Governo, todos os olhos estarão sobre si, e como já se percebeu das reações, é fácil ‘atirar’ com o papão Millei — já viram mesmo os números da economia e da pobreza na Argentina, para lá da retórica? — para descredibilizar uma estratégia.
Se na reforma do Estado está a boa notícia, a má notícia está do lado da economia. Pedro Reis merecia ter continuado, pelo trabalho que fez nestes 11 meses, na reorganização de um ministério perdido, desde logo no Banco de Fomento, na diplomacia económica e na captação de investimento estrangeiro. Mas pior do que a substituição de um governante, é mesmo o novo modelo orgânico, e aquilo que está por detrás desta opção.
O primeiro-ministro poderia ter optado por reforçar os instrumentos financeiros do ministro da Economia, no fundo, poderia dar mais condições para Pedro Reis fazer melhor. Mas o que fez foi o contrário, foi reduzir a economia portuguesa a fundos comunitários. Se as empresas já estavam viciadas em fundos — e os resultados, como se sabe, estão longe de ser os melhores, medidos por exemplo em produtividade –, a lógica de Luís Montenegro é mesmo aprofundar a ideia de subsidiodependência. E não sejamos ingénuos: Terá o objetivo de gastar o que nos chega de Bruxelas — e não necessariamente investir –, mas também de criar uma rede de dependências de que a economia portuguesa já tem de sobra.
Manuel Castro Almeida vai ser um super-ministro, com um super-ministério, soma à coesão territorial, autarquias e fundos um ministério da economia que já não é pequeno (mesmo sem o Mar, que foi engavetado na pasta da Agricultura)… É pragmático, conhece o país, vai fazer exatamente o que Montenegro lhe pediu, mas a economia e as empresas precisavam, e precisam, é de outra coisa. Depois de Pedro Reis, é uma espécie de reversão do que o próprio Governo iniciou há 11 meses.
Na economia, as outras boas notícias vêm de onde ficou tudo na mesma. Joaquim Sarmento, Miguel Pinto Luz, Maria da Graça Carvalho, Palma Ramalho e Fernando Alexandre (sim, a educação e ciência é mesmo mais economia a prazo) ficam onde estão e não deixa de ser uma ironia que mesmo o melhor de um novo Governo num novo contexto político seja o que não muda. Do lado político, emerge António Leitão Amaro, na prática o número dois do Governo, por mérito e função (e no novo Governo com a tutela da comunicação social).
Um Governo é reformista se o primeiro-ministro assim o quiser. Montenegro sinaliza o caminho certo com Gonçalo Saraiva Matias e o caminho errado com Manuel Castro Almeida. E até aqui o que menos temos visto de Montenegro é a vontade de reformar. Veremos qual sairá vencedor.
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