Guerra comercial leva OCDE a cortar crescimento mundial para 2,9% este ano
A OCDE alerta que a economia global está presa entre tarifas, inflação e dívida, e aponta para que o investimento seja peça essencial para os países contornarem o abrandamento económico.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) reviu em baixa as suas previsões para a economia mundial, antecipando um crescimento do PIB global de apenas 2,9% em 2025 e 2026, uma quebra face aos 3,3% registados em 2024. Mas também abaixo das projeções publicadas em março, que apontavam para um crescimento do PIB de 3,1% em 2025 e de 3% em 2026.
O cenário traçado pelos analistas da organização sediada em Paris é marcado pelo aumento das barreiras comerciais, pela incerteza política e por condições financeiras mais restritivas que ameaçam travar o crescimento e alimentar a inflação.
“Nos últimos meses, assistimos a um aumento significativo das barreiras comerciais, bem como da incerteza das políticas económicas e comerciais. Este forte aumento da incerteza teve um impacto negativo na confiança das empresas e dos consumidores e vai travar o comércio e o investimento”, alerta Álvaro Pereira, economista-chefe da OCDE, no editorial do relatório Economic Outlook divulgado esta terça-feira.
O principal fator por trás desta revisão em baixa reside no aumento substancial das tarifas comerciais, especialmente por parte dos EUA. Para os analistas da OCDE, a escalada das tensões comerciais estende-se agora para lá da rivalidade sino-americana, com Washington a impor uma tarifa adicional de 10 pontos percentuais a todos os outros parceiros comerciais.
“As novas tarifas introduzidas pelos EUA elevaram a taxa tarifária efetiva sobre as importações americanas para 15,4%, comparando com pouco mais de 2% em 2024”, refere a OCDE, sublinhando que isso levou inclusive a atingir-se o nível mais alto desde 1938.
Embora a inflação tenha diminuído na maioria dos países, a OCDE alerta que “a inflação dos preços dos serviços mantém-se persistentemente rígida, e a inflação dos preços dos bens aumentou ligeiramente em muitos países devido ao aumento dos preços dos alimentos”.
“O comércio equivalente a mais de 2% do PIB mundial está agora diretamente sujeito a tarifas mais elevadas”, referem os analistas da OCDE, apontando ainda para uma disrupção muito maior do que a verificada durante as tensões comerciais EUA-China de 2018-19.
Para Álvaro Santos Pereira, este ambiente comercial hostil provocou um enfraquecimento das perspetivas económicas da OCDE que “são sentidas em todo o mundo, quase sem exceção”, por via de um menor crescimento e de menos comércio a afetarem os rendimentos e a abrandarem a criação de emprego.
“Os riscos também aumentaram significativamente”, adverte ainda o ex-ministro de Economia, identificando três grandes ameaças: o risco de o protecionismo e a incerteza das políticas comerciais aumentarem ainda mais; a possibilidade de pressões orçamentais crescentes em países com níveis de dívida já elevados; e as avaliações historicamente elevadas dos mercados acionistas que aumentam a vulnerabilidade a choques negativos nos mercados financeiros.
Inflação resistente e políticas monetárias divergentes
Embora a inflação tenha diminuído na maioria dos países, a OCDE alerta que “a inflação dos preços dos serviços mantém-se persistentemente rígida, e a inflação dos preços dos bens aumentou ligeiramente em muitos países devido ao aumento dos preços dos alimentos”. O protecionismo está a adicionar pressões inflacionistas, com as expectativas de inflação a subirem substancialmente em vários países, alertam os analistas.
A organização internacional prevê que a inflação anual nos países do G20 modere de 6,2% para 3,6% em 2025 e 3,2% em 2026, mas os EUA constituem uma exceção importante, com a inflação anual esperada a subir para pouco menos de 4% no final de 2025 e a manter-se acima do objetivo em 2026.
Esta divergência inflacionista complica as decisões de política monetária por parte dos principais bancos centrais. Enquanto das instituições monetárias das economias avançadas deverá continuar a reduzir as taxas de juro, nos EUA, este movimento deverá ser mais moroso em virtude das pressões inflacionistas criadas pelas tarifas, refere a OCDE.
Restaurar a disciplina orçamental é fundamental para que os países evitem problemas de sustentabilidade fiscal e construam reservas para choques futuros.
O relatório identifica também riscos orçamentais crescentes, com níveis de dívida pública já elevados em muitas economias avançadas e emergentes, e pressões de despesa em crescimento em áreas como defesa, transição verde e custos relacionados com o envelhecimento das sociedades.
“Num contexto de tensões geopolíticas acrescidas, muitos países estão a acelerar os investimentos na defesa para reforçar a segurança nacional”, lê-se no relatório, com os analistas da OCDE a sublinharem ainda que “estas despesas aumentarão o peso da dívida nalguns países na segunda metade da presente década.”
Os analistas alertam também para o contínuo aumento dos custos do serviço da dívida, intensificando ainda mais as pressões sobre as finanças públicas. Para a OCDE, “restaurar a disciplina orçamental é fundamental para que os países evitem problemas de sustentabilidade fiscal e construam reservas para choques futuros”.
É neste sentido que a equipa de analistas liderada por Álvaro Santos Pereira defende a necessidade de planos orçamentais credíveis de médio prazo que mostrem como os países pretendem enfrentar as pressões sobre as finanças públicas, reduzindo despesas não essenciais ou ineficientes e aumentando receitas através da reforma dos sistemas fiscais.
Investimento como motor de recuperação
Um dos aspetos centrais do relatório é o papel crucial do investimento para potenciar as economias. “Impulsionar o investimento será fundamental para revitalizar as nossas economias e melhorar as finanças públicas”, sublinha Álvaro Santos Pereira.
O economista-chefe da OCDE destaca que “o investimento tem sido demasiado baixo desde a crise financeira global” e que “o investimento lento reduziu o crescimento, a produtividade e os padrões de vida”.
O relatório dedica um capítulo especial a este tema, demonstrando que o investimento empresarial caiu não apenas devido à incerteza e ao enfraquecimento da procura, mas também devido a fatores estruturais, incluindo pressões competitivas em declínio e fricções de financiamento que se tornaram mais evidentes. Simultaneamente, o investimento habitacional tem sido demasiado fraco para evitar um declínio substancial na acessibilidade habitacional em muitos países, destaca o relatório da OCDE.
Perante este cenário desafiante, os analistas apresentam um conjunto abrangente de recomendações políticas. “Em primeiro lugar, e mais importante, é essencial evitar uma maior fragmentação comercial e barreiras comerciais”, defende Álvaro Pereira, considerando esta “de longe a prioridade política mais importante”.
Os governos devem trabalhar em conjunto para enfrentar a incerteza e prosseguir reformas para promover o crescimento e o emprego.
Para fomentar o investimento e o crescimento, a organização recomenda ainda reformas que reforcem a concorrência e reduzam os custos regulamentares, o aumento do investimento público em infraestruturas energéticas, digitais e críticas, a resolução da escassez e inadequação de competências, e a aceleração das autorizações e licenças de construção.
No setor habitacional, a OCDE defende a flexibilização das restrições de zonamento e planeamento, e dos regulamentos de arrendamento para estimular a oferta de habitação. “Todos estes são instrumentos políticos fundamentais para ajudar a garantir a sustentabilidade fiscal”, conclui o relatório.
Face aos desafios atuais, Álvaro Santos Pereira enfatiza que “os governos devem trabalhar em conjunto para enfrentar a incerteza e prosseguir reformas para promover o crescimento e o emprego”. Os acordos comerciais para resolver tensões existentes e reduzir ou eliminar barreiras devem ser acompanhados por mais esforços para melhorar a cooperação multilateral.
“A política tem um papel crucial a desempenhar nestes tempos desafiantes e incertos”, conclui o economista-chefe da OCDE, numa clara mensagem de que apenas através da coordenação internacional e de reformas domésticas ambiciosas será possível contrariar a atual trajetória de abrandamento económico global.
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