Até que a crise os separe. Indústria dos casamentos luta para sobreviver ao Covid-19

O dia de sonho transformou-se num pesadelo. É todo um setor que está completamente parado sem perspectivas de abrir. O prejuízo é avultado, apoios são insuficientes e o setor reclama medidas urgentes.

São milhares de casamentos adiados, empresas estagnadas, postos de trabalho em risco, num setor complemente devastado que movimenta mais de quatro mil milhões de euros por ano. Vestidos de noiva, quintas, fotógrafos, cabeleireiros, floristas, é todo um setor que está completamente parado sem perspetiva de retomar.

“Vai ser um ano perdido.” “É um setor que está a ser muito castigado.” “O cenário não é nada promissor.” “É um momento de incerteza e preocupação.” “Para tudo voltar à normalidade dependemos de uma vacina.” “80% das luas-de-mel foram adiadas.” O setor expressa a sua preocupação face a um ano de incertezas.

Segundo dados do INE, no ano passado, foram realizados 32.595 matrimónios em Portugal, este ano a quebra poderá ser absoluta. Só este ano, nas três quintas do grupo Solar do Burguês foram adiados 180 eventos, sendo que 154 eram casamentos. “A partir de dia 13 de março os eventos começaram a ser cancelados”, conta ao ECO o proprietário do grupo.

Pedro Ferreira, que detém a Quinta do Burguês, a Quinta da Ferreirinha e a Quinta da Lage, explica que “a maioria dos noivos não estão dispostos a fazer o casamento com as restrições que existem de momento“, mas revela que ainda existem alguns noivos que querem fazer o casamento este ano. Apesar de “tudo ser uma incógnita”, destaca.

 

Quinta da Ferreirinha, localizada em Santo Tirso. Quinta da Ferreirinha

Micaela Oliveira, estilista portuguesa, corrobora a ideia do proprietários das quintas e explica que “o cenário não é nada promissor” uma vez que “todas as encomendas” que tinham relativas a festas “foram adiadas sem qualquer tipo de previsão”.

Das mãos das estilistas iriam sair mais de cem vestidos de noiva este ano. Perante o adiar do sonho, a estilista diz que as reações das noivas são diferentes. “Cada noiva tem a sua forma de reagir e o sentimento entre elas é completamente diferente”. Em relação aos vestidos, ficarão guardados até que o Governo tenha uma resposta para o setor.

“Não temos cancelamentos de vestidos, mas sim adiamentos para 2021 e 2022. Claro que há quem cancele o vestido até ter uma nova data assertiva. Mas outras já fizeram reserva de uma data, na esperança que as coisas corram bem”, conta a estilista que desenhou o vestido de Andrea Salas, a noiva de Keylor Navas, antigo guarda-redes do Real Madrid.

No dia mais feliz da vida dos noivos, o fotógrafo é essencial para registar memórias para a posteridade. Pedro Cruz, fotógrafo conhecido pela famosa fotografia na Nazaré, ao surfista Garrett McNamara, adianta ao ECO que vai ser “um ano perdido” e que os 30 casamentos que tinha agendados foram adiados ou até mesmo cancelados.

“Acho que não vou trabalhar este ano e que não vão existir casamentos em 2020. As coisas vão melhorar até setembro, mas estou convencido que em outubro vamos ter outro surto“, explica Pedro Cruz. Para o fotógrafo, o medo é um dos maiores inimigos: “As pessoas estão com algum medo, para além de adiar existem pessoas a cancelar porque não têm a certeza do que vai acontecer para o próximo ano e quais serão os seus rendimentos”, conta Pedro Cruz.

Perante a incerteza em tempos de pandemia, o fotógrafo destaca que teve cinco casamentos cancelamentos para este ano. A última celebração que fotografou foi em novembro do ano passado e está convicto que este ano não vai trabalhar neste segmento. “Toda a minha agenda andou para a frente e tenho a agenda do ano que vem praticamente fechada, mas é um ano de farsa, de mentira porque todos esses casamentos são os que foram adiados para o próximo ano”, explica o fotógrafo da Figueira da Foz.

Os cabeleireiros não estão completamente parados, mas estão a sentir também os efeitos da pandemia. Estiveram de portas fechadas cerca de dois meses e com toda a indústria dos casamentos estagnada vão perder uma grande área de negócio. Gisela Pinho, sócia-gerente do cabeleireiro Espelho dos Sentidos, diz ao ECO que este ano tinha imensos penteados de noivas e convidadas.

Acho que não vou trabalhar este ano e que não vão existir casamentos em 2020. As coisas vão melhorar até setembro, mas estou convencido que em outubro vamos ter outro surto.

Pedro Cruz

Fotógrafo

A cabeleireira ia pentear quatro noivas e mais de vinte convidadas. Explica que no caso das noivas não é apenas o penteado do dia, são várias semanas ou até meses de tratamento capilar. “Com uma noiva não faturamos apenas no dia. Com uma noiva andamos várias semanas a trabalhar o cabelo, na cor, brilho, hidratação, extensões. É um trabalho que vai sendo desenvolvido para que no dia o cabelo da noiva esteja perfeito”, refere Gisela Pinho.

Todo setor está a sofrer efeitos da pandemia e nem as igrejas escaparam. As missas retomam dia 30 de maio, mas a cerimónia religiosa dos casamentos ainda não têm data marcada, apenas estão autorizados casamentos no registo civil. O padre Ricardo Ferreira, pároco na Igreja de São Vicente em Lisboa, destaca que, este ano, tem muito poucos casamentos. “Em Alfama, este ano, não está marcado nenhum e em S. Vicente temos três agendados em julho e agosto que, até agora, não foram desmarcados”, explica ao ECO o padre Ricardo Ferreira.

Agências de viagens de portas fechadas. 80% das lua-de-mel canceladas

Sem casamentos, este ano as luas-de-mel ficam por terra. Nas quatro agências do Mercado das Descobertas, 80% das luas-de-mel foram adiadas, 10% canceladas e 10% ainda aguardam resposta das quintas para casamentos agendados ainda para este ano. Perante o cenário, proprietário do Mercado das Descobertas, Nuno Castro, considera que 2020 será um ano perdido.

“Desde que foi decretado o estado de emergência em Portugal os clientes não efetuaram qualquer reserva, quer de negócios ou lazer e as reservas que estavam feitas anteriormente acabaram por ser todas canceladas”, explica ao ECO o proprietário das agências de viagens.

Tailândia

Em relação a todos estes constrangimentos refere que a maior dificuldade “tem sido gerir vales e reembolsos com as companhias aéreas e operadores turísticos”. Explica ainda que ao abrigo da lei, o cliente tem o direito de optar pela emissão de um voucher da agência que pode descontar em qualquer viagem até 31 de dezembro de 2021 ou optar pelo reagendamento da viagem até 31 de dezembro de 2021. Face a toda esta incerteza, Nuno Castro destaca que a maioria dos clientes tem optado por um voucher.

Setor dos casamentos reclama “medidas urgentes”

Face a um contexto de pandemia e de incertezas quanto à reabertura, toda a indústria reclama medidas urgentes, uma vez que o Governo ainda não apresentou nada em concreto para o setor. “Não há, por parte do Governo, nenhuma referência ao setor dos casamentos. É fundamental que nos revelem o protocolo sanitário e nos transmitam em que condições o setor pode voltar a trabalhar, da mesma forma que comunicaram as orientações para as outras celebrações e para a área da hotelaria e restauração afirma ao ECO, Jorge Ferreira, da BestEvents, empresa responsável pela organização de feiras nacionais e internacionais dedicadas ao casamento.

Segundo um estudo realizado pela BestEvent, são sete mil empresas neste setor que vão ficar paradas um ano e meio, numa indústria movimenta 4 mil milhões de euros num ano. Para Jorge Ferreira, as quintas têm capacidade e condições para fazer eventos com todas as restrições. Sugere fazer os casamentos na área exterior das quintas o que evita o risco de contágio. “O problema é a indústria estar às escuras e não existir um planeamento”, evidencia o empresário.

Quinta do Burguês

O fotógrafo Pedro Cruz não concorda com Jorge Ferreira. O motivo que dá ao ECO é simples. “É um dia que se trabalha muito com emoções, sentimentos e as pessoas vão ficar todas desconfiadas umas das outras. Eu preciso apanhar emoções, vou estar a fotografar pessoas com máscaras sem expressão? Preciso de pessoas a sorrir, a chorar e a máscara é muito limitadora”, justifica o fotógrafo.

Prejuízos avultados. Apoios não são suficientes

Os prejuízos são enormes e os apoios não são suficientes para fazer face às despesas. Todos os intervenientes concordam e dizem que é “um setor que está a ser muito castigado”. A estilista Micaela Oliveira esteve com as portas fechadas quase dois meses, 18 trabalhadores e um prejuízo que ronda os 20 mil euros mensais só para pagar salários.

“Temos 18 trabalhadores e são custos muito elevados para uma empresa, não tendo qualquer tipo de faturação. O prejuízo ronda os 20 mil euros mensais só para ordenados. Se tivermos dez meses sem trabalhar são duzentos mil euros só para não despedir colaboradores”, explica a estilista Micaela Oliveira.

Todas as encomendas que tínhamos relativos a festas foram adiados sem qualquer tipo de previsão.

Micaela Oliveira

Estilista

Adianta que a empresa entrou em lay-off e ainda não recebeu qualquer apoio por parte do Estado “O Governo prometeu aos nossos funcionários e a nós uma coisa e não cumpriu. Tivemos de pagar os vencimentos sem qualquer tipo de apoio”, lamenta Micaela Oliveira.

O fotógrafo Pedro Cruz, ao contrário de Micaela Oliveira já recebeu o apoio do Estado, mas considera-o insuficiente. “O apoio nunca é suficiente comparado com aquilo que vamos perder e com aquilo que descontamos”, destaca Pedro Cruz. Adianta ainda que está a receber cerca de 300 euros mensais de apoio, o “que é, claramente, insuficiente”.

Pedro Cruz explica que com toda uma indústria parada e com todos as sessões adiadas ou até mesmo canceladas vai ter um prejuízo que ronda os 30 a 40 mil euros por ano.

Fotografia Pedro Cruz

Gisela Pinho, sócia-gerente do cabeleireiro Espelho dos Sentidos, localizado em Santa Maria da Feira, concorda com Pedro Cruz e Micaela Oliveira e diz que os apoios do Estado para o sócios-gerentes “fica muito aquém” face aquilo que descontam e a perda absoluta das receitas. Considera que “vai ser um ano muito duro”.

No grupo Quinta do Burguês o cenário é parecido. Três meses sem qualquer tipo de receita e os 25 trabalhadores contratados em lay-off parcial. Já nas quatro agências do Mercado das Descobertas todos os trabalhadores estão em lay-off. Para o proprietário, Nuno Castro, o setor está a ser penalizado e explica o porquê. “Enquanto nesta fase, a maioria das empresas já conseguiu retomar a sua atividade, as agências de viagens não o podem fazer. As fronteiras continuam fechadas e os aviões em terra”, destaca o proprietário do Mercado das Descobertas.

Nuno Castro considera que o lay-off foi muito importante, mas as linhas de crédito atribuídas ao setor, acabam por incentivar o endividamento das empresas. “No nosso entendimento esta não é a melhor solução, já que a recuperação no turismo será a longo prazo”.

Indústria de portas fechadas por tempo indeterminado tenta reinventar-se

Enquanto persiste a incerteza, tentam reinventar-se. Pedro Ferreira conta ao ECO que estão a tentar arranjar soluções para que não seja um ano perdido. “Estamos a construir um hotel de turismo rural e prevemos que esteja aberto no verão, simultaneamente estamos a pensar noutras alternativas de negócio. Estamos a ponderar transformar a Quinta do Burguês num restaurante”. O proprietário quer arranjar alternativas e explica que devido ao espaço que têm podem garantir o distanciamento social. “Temos imenso espaço ao ar livre e isto é uma forma de manter postos de trabalho”, destaca.

O proprietário das Agências de viagens Mercado das Descobertas corrobora a ideia de Pedro Ferreira e destaca que, “face a toda a conjuntura pandémica e económica, é altura de parar, repensar o futuro”. “E ajustarmo-nos a uma nova realidade“, conclui.

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