Empresa que produz biocombustível a partir de casca da palma, prepara-se para investir 17 milhões umas novas instalações. Com a recente aposta no caroço de açaí prevê faturar 40 milhões em 2025.
Da fábrica da Steam Power em Vila do Conde saem todos os meses 240 camiões com biocombustível produzido a partir de resíduos da casa de palma proveniente da Nigéria e da Indonésia para clientes como as têxteis Lameirinho e J.F Almeida, a gigante agroalimentar Lactogal ou a Corticeira Amorim. Mas a inovação não fica por aqui: a empresa liderada por Tiago Andrade já está a testar a utilização do caroço do açaí para aquecer as caldeiras das indústrias cimenteira e da cerâmica.
As matérias-primas são transformadas numas instalações com mais de 8.000 metros quadrados próximas do Porto de Leixões. A localização é “estratégica”, já que os principais clientes estão no Norte e os resíduos, como a casca de palma e o caroço do açaí, são transportados por via marítima até Matosinhos.
Em média, chegam às instalações da empresa 300 camiões de casca de palma, que vêm essencialmente na Nigéria e da Indonésia, o que representa um fornecimento mensal de 7,5 mil toneladas. A matéria-prima oriunda da Indonésia tem uma qualidade superior (menos impurezas e mais seca), mas um maior custo de aquisição na ordem dos 40%, descreve a produtora.
Por volta das onze da manhã da passada quinta-feira chegou um camião para carregar 30 toneladas de casca de palma para a Dinorações. A fabricante de rações para animais, localizada na Lourinhã, queima a casca de palma em vez de queimar gás natural. Minutos depois chegou mais um camião às instalações da Steam Power para descarregar 30 toneladas, que corresponde a um contentor, de casca de palma da Nigéria. Em apenas dez minutos, dois funcionários da empresa especializada no fornecimento de biocombustíveis descarregaram o contentor.
Os resíduos são amontoados ao ar livre até passarem por um processo industrial que consiste na filtragem (que retira as pedras e as principais impurezas), depois o produto é transportado para a linha de secagem. A casca de palma é exposta a temperaturas entre 100 a 130 graus, com este processo de secagem a demorar cerca de oito minutos. E a caldeira da própria empresa, claro, também é alimentada com casca de palma.
Depois de secar, a casca de palma passa pela crivagem / limpeza, que é uma espécie de peneira que retira as últimas impurezas. A empresa vai apostar muito em breve no processo de lavagem e, em alguns casos, na moagem. A Steam Power, que emprega 13 pessoas, assume-se como a “única no país e na Europa que utiliza este processo com a casca de palma certificada”.
Formado em Gestão de Empresas pela Universidade Lusíada do Porto, ao longo do percurso profissional ligado à consultoria financeira, Paulo Silva percebeu que as empresas — principalmente do Norte e com necessidade de calor – tinham um uso intensivo do gás. Uma dependência que trazia problemas relacionados com o custo e com a sustentabilidade.
Consciente deste problema, o gestor fundou em 2013 a Steam Power, dedicada ao fornecimento de biocombustíveis. Em fevereiro de 2016, Paulo Silva uniu-se à Norbidel, produtor de caldeiras de biomassa industriais. Quatro meses depois entrou um novo acionista ligado à distribuição de combustíveis em Portugal, Daniel Cepa Carvalho. Finalmente, em 2019 juntou-se a Quinta & Santos à lista de acionistas.
A empresa começou por comercializar pellets, mas “rapidamente apercebeu-se que esse não era o caminho, por não ser o produto adequado para a necessidade dos clientes”, conta Paulo Silva, fundador e diretor geral da Steam Power. Olhou para outros agro produtos, até que em 2014 descobriu o potencial da casca de palma.
Numa fase inicial, começou a operação em instalações provisórias na Trofa, até se mudar em 2019 para Vila do Conde, num investimento de dois milhões de euros. Até ao ano passado, a empresa tinha quatro acionistas, mas em fevereiro deste ano, Tiago Andrade, que está ligado ao setor da biomassa há duas décadas, comprou a totalidade da empresa.
“Pioneiros” no caroço de açaí
Além da casca de palma, a empresa está agora a testar 20 mil toneladas de caroço de açaí, proveniente do Brasil. A Steam Power tem contratos estabelecidos com operadores brasileiros que lhe garantem o fornecimento de até 200 mil toneladas anuais. Em 2025 prevê começar a fornecer biocombustível baseado em caroço de açaí como fonte de energia limpa às cimenteiras e fábricas de cerâmicas. “Vamos ser a única empresa do mundo a importar e a distribuir caroço de açaí. Somos pioneiros em transformar esta matéria-prima num biocombustível sólido”, assegura o administrador.
Vamos ser a única empresa do mundo a importar e a distribuir caroço de açaí. Somos pioneiros em transformar esta matéria-prima num biocombustível sólido.
O caroço do açaí é colhido duas vezes ao ano e apodrece em 48 horas. É esse período de tempo que os produtores têm para extrair a polpa, que depois tem de ser congelada. “O caroço é um resíduo e até passou a ser um problema ambiental porque era depositado nos leitos dos rios, o que causava problemas enormes. Até que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis proibiu essa prática – e isso tornou-se uma oportunidade para nós. Os produtores valorizam o resíduo e não têm de pagar as multas ambientais”, afirma Tiago Andrade.
Em estudo estão igualmente a casca de amêndoa e o caroço de azeitona, que podem vir a ser usados na produção de biocombustíveis já no próximo ano. “Qualquer um consegue arranjar casca de amêndoa; o que nos diferencia é o processo. O segredo está em tratá-la e transformá-la no estado ideal para ser consumida sem trazer problemas para o cliente final”, realça o fundador.
Paulo Silva, que agora ocupa o cargo de diretor geral desta produtora nortenha, ressalva que “como saem dos processos agrícolas, os produtos não estão com os parâmetros ideais para serem consumidos pelas caldeiras dos [seus] clientes”.
Com um volume de negócios anual de 6,8 milhões de euros, Tiago Andrade confia que a empresa vila-condense “pode crescer muito na faturação no próximo ano com grandes contratos associados ao caroço do açaí e com indústrias novas como as cimenteiras e as cerâmicas, entre outras “.
“Diria, sem exagerar, quepodemosapontar para 40 milhões de euros de faturação para o próximo ano. E o objetivo para o próximo triénio é chegar perto dos 100 milhões de euros [de vendas], com o comércio internacional associado”, relata o gestor. Nos planos da empresa está igualmente distribuir biocombustível para a indústria localizada na Galiza.
A Steam Power comercializa e distribui anualmente perto de 30 mil toneladas de pellets com certificado EN Plus, nos formatos a granel, em big bag e saco de 15 quilos. Este segmento é responsável por 10% a 15% da faturação. “Estamos no top 3 dos maiores distribuidores nacionais de pellets certificadas“, destaca o administrador, que diz ter lançado os primeiros dois projetos de fábricas de pellets em Portugal.
A Steam Power tem ainda armazenadas matérias-primas, por transformar, nas instalações da antiga Jomar em Matosinhos, que só lá vai buscar à medida que precisa. Com o negócio a crescer, o líder da Steam Power revela ao ECO que planeia em 2025 mudar de instalações dentro da área do Grande Porto, estimando um investimento de 17 milhões de euros. Inclui a aquisição de novas máquinas industriais. Depois dessa mudança, a ideia do empresário é concentrar todas as atividades no mesmo espaço.
Por outro lado, investiu recentemente 50 mil euros em painéis solares e conta com uma frota de cinco carros elétricos em regime de renting. Além da questão ambiental, realça que as componentes da sustentabilidade social e da governance são outras das preocupações da empresa, que ajuda duas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) da região, dedicadas à população sénior e infantil.
De acordo com o empresário, são ainda atribuídos bónus aos funcionários da parte industrial com base no desempenho. Já a equipa de gestão recebe uma percentagem dos resultados antes de impostos. “No que respeita ao ESG (Environmental, Social, Governance), infelizmente o S e o G são muito negligenciados e muitas empresas têm que evoluir nesse sentido”, conclui Tiago Andrade.
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Caroço de açaí dá combustível a cimenteiras e cerâmicas em fábrica de Vila do Conde
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