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Se o gigante não acordar, vamos passar fome daqui a 50 anos

Cortar o desperdício e otimizar a produção. São esses os conselhos centrais para evitar que aumentar a população signifique expandir a fome. O ECO apresenta cinco startups que estão a tratar disso.

Há um gigante a dormir no chão. “Temos de nos unir, gritar-lhe, saltar-lhe em cima, fazer uma festa”, explica Tristam Stuart. Nesta metáfora, o gigante são os cidadãos de todo o mundo, o sono é o consumo inconsciente e a urgência é a diferença entre a fome e o conforto, em 2067. No palco do i-Danha Food Lab, na vila histórica do distrito de Castelo Branco, o ativista britânico acrescenta: “Não temos de dobrar a produção de alimentos, temos é de tornar esse sistema mais eficiente e resiliente”.

“Quando eu andava na faculdade, estava na moda o lema ‘pense globalmente, faça localmente’. Parece-me que desapareceu, mas hoje é mais importante do que nunca”, deixa a nota João Mil-Homens, companheiro de Tristam no painel sobre como alimentar a humanidade nos próximos 50 anos. O representante português do Horizon 2020 (o maior programa de investigação e inovação promovido pela Comissão Europeia) tem uma certeza: a mudança virá, não só através da regulação prescritiva como também (e sobretudo) pela implementação de um escrutínio próprio”.

“Companheirismo”, responde Tristam. “Existe essa palavra em português? Em inglês, pelo menos, significa aqueles com quem se divide o pão e, portanto, se virmos alguém desperdiçar esse pão, cabe-nos a nós chamá-lo à atenção“. O que pode ser feito para evitar esse desperdício alimentar e garantir a potencialização dos recursos, num mundo cujo número de bocas a alimentar não para de crescer? O ECO foi conversar com cinco das startups presentes no evento deste fim de semana e que estão a fazer parte deste esforço.

O que fazer com um terraço? Um viveiro!

A junção das duas culturas permite a produção conjunta de vegetais, como alface, e peixes.Fish n Greens

Transformar os terraços dos prédios dos grandes centros urbanos em hortas ou jardins está demodé. O sonho é agora, pela visão de João Cotter, da Fish n’ Greens, fazer deles verdadeiros viveiros, onde se pratica de forma combinada aquacultura e hidrocultura. “Nos nossos sistemas, os peixes geram fertilizantes — considerados poluentes em técnicas isoladas de aquacultura — que são consumidos pelas plantas”, descreve o empreendedor.

Num mesmo viveiro são, assim, produzidos peixes e plantas como ervas aromáticas, alfaces, tomates… “E sem pesticidas, nem desperdício de água. Muito mais natural”, realça Cotter. O sistema da Fish n’ Greens é, segundo o representante, ideal para zonas urbanas, onde há um défice de água. “É uma produção intensiva com alta rentabilidade”, enfatiza. Um problema ao seu alargamento? A legislação.

Agricultura inteligente com um ajudante improvável

Os drones fazem um mapeamento inteligente dos terrenos.Agrodrone

Ana Prata e Pedro Santos trabalhavam há 20 anos, na agricultura, quando decidiram revolucioná-la. A sua arma secreta? Drones. “Fazemos um diagnóstico ao terreno para atingir uma maior rentabilização”, começa. O trabalho da Agrodrone (a startup de Ana e Pedro) divide-se em quatro fases: mapeamento inteligente com identificação das zonas mais e menos saudáveis do solo; análise; emissão de um relatório sobre o real estado da cultura; aplicação de um “remédio” fermentado que equilibra o solo.

A empresa portuguesa permite assim, ao produtor, uma melhor gestão da água e evita o uso de pesticidas, potencializando a produtividade do terreno. A Agrodrone tem seis meses de vida e está sedeada em Idanha-a-Nova.

Como evitar o desperdício alimentar? Uma palavra: sensibilidade

Usar sensores para monitorizar o estado dos alimentos? Não é o futuro, é o trabalho da Sensefinity.Sensefinity

Um terço do desperdício alimentar atual pode ser evitado. Como? “Se se percebesse tudo o que se passa com esses alimentos durante o transporte e armazenamento”. A certeza é de Orlando Remédios, líder executivo e fundador da Sensefinity. A startup que fornece pacotes fechados de sensores e software para gestão de alimentos venceu, em 2015, o concurso da EIT Digital (iniciativa europeia ligada à educação e tecnologia) na categoria da Internet das Coisas.

Mas o que faz exatamente a Sensefinity? Trata-se da gestão das condições de armazenamento e transporte, bem como do estado do alimento em questão através de sensores monitorizados por uma plataforma. “Permitimos assim o melhoramento do tempo de vida dos alimentos ou, pelo menos, o seu uso prioritário, quando alguma das condições fez aumentar a sua perecibilidade”, sublinha o fundador. Beneficiam os consumidores, mas também os supermercados. Em Portugal, a Sensefinity trabalha com as empresas que integram o i-Danha Food Lab. Na Europa, a sua presença é mais forte sobretudo nos mercados alemão e suíço.

Criar laços afetivos com o seu agricultor? Sim, queremos

Evitar o desperdício que acontece ainda nos campos de produção é um dos objetivos da SmartFarmer.Pixabay

De camisa às riscas e barba, João Fernandes garante: “Temos de criar consumidores mais conscientes e fazer renascer os laços afetivos com os agricultores. Já há quem o queira, mas não havia oferta”. Desta reflexão e da conclusão de que há um grande desperdício da produção alimentar ainda nos campos (porque muitos produtores não têm capacidade de a colocar no mercado), surgiu a SmartFarmer, uma plataforma de comercialização de produtos agroalimentares.

O modelo tradicional privilegia cadeias longas cheias de desperdício de recursos e sem escoamento suficiente para o mercado“, assinala o empreendedor. A startup de João — ainda em fase de testes mas já em contacto com organizações de agricultores em 21 localidades portuguesas — quer, portanto, estimular o aproveitamento dos recursos presentes no interior do país e, por outro lado, incentivar a produção periurbana, para encurtar a cadeia e catalisar a consciencialização dos consumidores.

O uso da plataforma, para quem produz e quem compra, é gratuito. A SmartFarmer sobreviverá das comissões que aplicará sobre cada venda e os agricultores receberão em três dias os montantes acumulados (contrariando, mais uma vez, as práticas das grandes cadeias de retalho, que pagam os fornecedores vários meses depois da entrega dos produtos).

Do Canadá para i-Danha com amor

Francine está em Idanha-a-Nova para assegurar refeições equilibradas nas escolas e lares.Pixabay

O seu sotaque não a deixa passar despercebida. “A minha língua mãe é o francês, sim”, confirma Francine Rodet com um sorriso, nos olhos. “Durante 20 anos, tivemos [Francine e o seu marido, Jean-Claude] uma escola, no Canadá, que ensinava o modo correto de fazer a alimentação”, explica. “Agora fomos convidados pelo Presidente da Câmara [de Idanha-a-Nova] para fazer o mesmo aqui”.

Francine e Jean-Claude fizeram, assim, nascer o Centro Documental Raiano e a Associação de Recursos Ambientais Alternativos de Portugal. Nos próximos meses, os canadianos a viver em Portugal vão dar uma mãozinha na construção das ementas de escolas e lares, para que as necessidades nutritivas sejam corretamente satisfeitas. “Esta é uma grande dificuldade, por aqui, e portanto estamos prontos para avançar”, enfatiza, com entusiasmo.

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