Marcelo veta diploma que levanta sigilo bancário

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 30 Setembro 2016

Projeto de decreto-lei é devolvido ao Governo. Marcelo Rebelo de Sousa aponta para a "patente inoportunidade política" do diploma.

O Presidente da República devolveu, sem promulgar, o projeto de decreto-lei que dá ao Fisco acesso aos saldos das contas bancárias acima de 50 mil euros.

Marcelo Rebelo de Sousa explica que o decreto “vai mais longe” do que o cumprimento de obrigações que resultam da transposição de regras europeias ou do acordo com os Estados Unidos e acrescenta que o regime de comunicação não exige “qualquer invocação” pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

“Simplesmente, o decreto vai mais longe e aplica o mesmo regime de comunicação automática às contas em Portugal de portugueses e outros residentes fiscais no nosso país, mesmo que não tenham residência fiscal nem contas bancárias no estrangeiro”, salienta o texto assinado por Marcelo Rebelo de Sousa e publicado no site da Presidência.

“Limita-a a saldos de mais de 50.000 euros, mas não exige, para sua aplicação, qualquer invocação, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, de indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património”, continua o texto.

É aqui que o projeto levanta várias questões e Marcelo aponta para “objeções de vária natureza, colocadas por variados quadrantes políticos e institucionais”. Mas independentemente da relevância destas objeções, “a decisão tomada quanto a este decreto baseia-se, antes do mais, na sua patente inoportunidade política”, vinca Marcelo.

“Vivemos num tempo em que dois problemas cruciais, entre si ligados, dominam a situação financeira e económica nacional”, defende o Presidente. “O primeiro é o de que se encontra ainda em curso uma muito sensível consolidação do nosso sistema bancário. O segundo, com ele intimamente associado, é o da confiança dos portugueses, depositantes, aforradores e investidores, essencial para o difícil arranque do investimento, sem o qual não haverá nem crescimento e emprego, nem sustentação para a estabilização financeira duradoura”, explica.

"Sem embargo da relevância que possa ser atribuída às diversas objeções enumeradas, a decisão tomada quanto a este decreto baseia-se, antes do mais, na sua patente inoportunidade política.”

Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente da República

Tendo em conta estas duas razões, o Presidente considera “ser um fator negativo e mesmo contraproducente, para a presente situação financeira e económica nacional, a adoção do novo regime legal, na parte em que não corresponde a compromissos europeus ou internacionais”. Isto “antes mesmo de se equacionar as obrigações da não vinculação externa, da necessidade, retroatividade e proporcionalidade do novo regime, do seu cabimento constitucional, da comparação internacional, ou de escasso debate público”.

As “objeções” de Marcelo

  1. O alargamento da medida “a portugueses ou outros residentes, incluindo sem qualquer atividade fiscal ou bancária fora de Portugal, não era imposto por nenhum compromisso externo”.
  2. Já existem “numerosas situações” em que o Fisco “pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, sem dependência de autorização judicial, nomeadamente quando existam indícios de prática de crime em matéria tributária, de falta de veracidade do declarado, de acréscimos de património não justificado”.
  3. No seu parecer de julho, a Comissão Nacional de Proteção de Dados já questionava “a conformidade do novo regime, na parte em causa, em especial com o princípio constitucional da proporcionalidade, ou seja, o uso de meios excessivos – por falta de regras especificadoras de indícios ou riscos justificativos – no sacrifício de direitos fundamentais, num contexto em que já existiam outros meios de atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, sem necessidade de decisão de juiz”. Uma questão que não foi ultrapassada “com os ajustamentos pontuais introduzidos na versão definitiva do diploma”.
  4. De acordo com dados de entidades que atuam no setor, “o novo regime para residentes em Portugal, sem residência fiscal ou qualquer conta bancária no estrangeiro, era, nos seus termos, mais irrestrito do que o vigente na maioria dos Estados-membros da União Europeia. Ou porque nestes Estados não há qualquer controlo automático, ou há de abertura de contas mas não de saldos, ou o limiar é mais elevado, ou se formulam exigências e regras de acesso e controlo inexistentes no presente decreto”.
  5. Por fim, esta alteração não foi “precedida do indispensável e aprofundado debate público, exigido por uma como que presunção de culpabilidade de infração fiscal de qualquer depositante abrangido pelo diploma, independentemente de suspeita ou indício”.

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