Irlanda alivia austeridade no OE. E Portugal, vai atrás?

  • Marta Santos Silva
  • 11 Outubro 2016

O orçamento irlandês prevê uma redução da sua 'sobretaxa' e introduz um incentivo para a compra da primeira casa. Veja os contrastes e semelhanças com o que se prevê para o OE/17.

Enquanto em Portugal é impossível escapar à especulação e antecipação do que o Governo reserva para o país no Orçamento do Estado para 2017, o orçamento da Irlanda para o próximo ano foi apresentado esta terça-feira em Dublin pelo ministro das Finanças Michael Noonan e pelo ministro das Despesas Públicas Paschal Donohoe.

As medidas que constam do documento apresentado pelo governo minoritário irlandês, composto pelo partido de direita Fine Gael e por deputados independentes, foram discutidas e apoiadas pelo aliado à esquerda Fianna Fáil.

Num orçamento que prevê um grande aumento da despesa, incluindo aquele que é o maior aumento de sempre na despesa na saúde, há apenas um aumento de impostos: sobre o tabaco. Como se comparam as medidas dos irlandeses, que também passaram por um período de recessão e por um programa de ajustamento, com as previstas para o OE português?

Irlanda não acaba ainda com a sua versão da sobretaxa

O ministro das Finanças irlandês anunciou que a Universal Social Charge — um imposto sobre os rendimentos brutos que foi instituído em 2011 — vai ser reduzida em 2017. Este imposto, que se assemelha à sobretaxa portuguesa, vai diminuir 0,5% para os três escalões mais baixos, que são os únicos aplicados atualmente, segundo o Irish Times.

Quem recebe um rendimento anual inferior a 13 mil euros está isento do pagamento do imposto. Para os restantes, os rendimentos até aos 12012 euros anuais passam a ser taxados a 0,5%, entre os 12012 e os 18772 euros a taxação é de 2,5%, e daí para cima o rendimento será taxado a 5%. Michael Noonan disse que o governo se compromete a vir a eliminar completamente esta taxa, mas sem mencionar datas limite.

Em Portugal, o fim da sobretaxa está previsto para 1 de janeiro de 2017 numa lei aprovada em dezembro do ano passado, e o ministro das Finanças Mário Centeno já reforçou que “será mantido” o compromisso. No entanto, o jornal Público escrevia este sábado que a eliminação da sobretaxa poderá acontecer de forma faseada ao longo do ano.

Pensões aumentam 5 euros semanais

Os pagamentos da Segurança Social e a pensão estatal vão aumentar 5 euros por semana, com a exceção do subsídio de desemprego para pessoas com menos de 25 anos, que só aumenta 2,70 euros semanais.

Também em Portugal se prevê um aumento das pensões. O mecanismo automático de atualização, que está ligado ao crescimento económico e à inflação, deverá ser usado para aumentar as pensões, embora o Bloco e o PCP proponham aumentos de 10 euros líquidos, o primeiro nas pensões mais baixas e o segundo em todas as pensões.

OE inclui medidas de proteção contra efeitos do Brexit

A ligação privilegiada da Irlanda com o Reino Unido deixa agora a sua economia exposta a riscos com as mudanças que se preveem para 2017 quando os britânicos saírem da União Europeia. Como medidas de proteção dos setores mais vulneráveis, o orçamento prevê benefícios fiscais para negócios do setor do turismo, da alimentação e da agricultura que sejam mais afetados pelo Brexit.

“Seja qual for o acordo final, o que sabemos com certeza é que o Brexit aumentou a ameaça para a economia irlandesa e, além de introduzirmos medidas específicas para ajudar certos setores da economia, devemos também criar sistemas de segurança que nos protejam de choques futuros”, disse o ministro das Finanças, Michael Noonan. Noonan aproveitou para apresentar um esquema em que, a partir de 2018, mil milhões de euros serão poupados todos os anos para um fundo de segurança em alturas de crise.

Ajuda à compra da primeira casa divide a opinião pública

O orçamento irlandês também introduz um mecanismo de apoio às pessoas que estejam a comprar a sua primeira casa. O incentivo concretiza-se num desconto fiscal de 5% até 20 mil euros ao longo de quatro anos em casas recém-construídas que custem entre 400 mil e 600 mil euros. Mas a medida não está a ser aclamada por todos.

“Quem é que compra a primeira casa por 400 mil euros, muito menos por 300 mil euros?”, perguntava no Twitter o ativista político e deputado do partido da oposição Sinn Fein, Eoin O Broin. O jornalista Tom Lyons sublinhava, por sua vez, que um apoio deste género não ajudaria tanto os compradores como os construtores civis, visto o incentivo se aplicar apenas a casas novas. Algumas imobiliárias irlandesas argumentam mesmo, questionadas pelo Irish Times, que a medida deverá fazer subir os preços das casas novas para compensar o valor do desconto.

Imposto sobre o açúcar chega em 2018

Um imposto sobre os refrigerantes açucarados, alcunhado “sugar tax”, será implementado em abril de 2018 na Irlanda, ao mesmo tempo que um imposto equivalente entra em vigor no Reino Unido.

O Jornal de Negócios escreveu recentemente que a ideia de um fat tax, ou um imposto sobre alimentos com elevadas quantidades de açúcares e gorduras, poderá estar nas cartas para o OE 2017, já tendo entretanto sugerido que este se possa aplicar apenas aos refrigerantes, com dois escalões até um máximo de 16,44 cêntimos por litro, e com exceções para o leite e os sumos naturais.

Imposto sobre o tabaco duplica

Um maço de tabaco de uma das marcas mais populares vai passar a custar cerca de 11 euros na Irlanda quando for aplicado o novo imposto sobre o tabaco, 50% mais elevado do que em 2016.

Também António Costa tem indicado que os “impostos especiais sobre o consumo que dependem de escolhas individuais”, nos quais inclui o tabaco, os produtos de luxo e o álcool, poderão aumentar em 2017. “Não estou a fazer qualquer moral fiscal, mas dependem da escolha”, disse o primeiro-ministro.

Irlanda prevê crescer 3,5% em 2017

Michael Noonan aunciou que devido à incerteza acerca da conjuntura do próximo ano, ligada às condições do Brexit, a previsão de crescimento do PIB para 2017 foi reduzida para 3,5%. Este ano, a Irlanda cresceu 4,2%, acrescentou o ministro. A Irlanda completou com sucesso o programa de ajustamento após o seu resgate financeiro em dezembro de 2013, e tal como Portugal está sujeita agora a uma vigilância pós-programa para se confirmar que continua no caminho da recuperação financeira. O orçamento apresentado esta terça-feira revela uma aposta no aumento da despesa — incluindo a contratação de novos funcionários públicos e um grande investimento na saúde — no sentido de tentar fomentar o consumo e o crescimento.

Em Portugal, as previsões de crescimento para o próximo ano também já foram revistas em baixa. Segundo adianta o Observador, o Governo prevê um crescimento de 1,5% para 2017. Em entrevista ao Jornal Público, o próprio António Costa afirmou que o crescimento para este ano deverá ficar “pouco acima de 1%”, aquém da meta do governo no início do ano, que era de 1,8%, e possivelmente também aquém da meta entregue à Comissão Europeia em julho, de 1,4%.

Editado por Mariana de Araújo Barbosa.

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