Como Super Mario salvou o euro (e Portugal) em cinco anos

Já passaram cinco anos desde que Draghi assumiu a função de presidente do BCE. Tem sido com muitas palavras (e algumas ações) que o italiano tem salvado o euro. E Portugal.

“O BCE está preparado para fazer o que for preciso para preservar o euro. E acreditem em mim, será suficiente”. Nenhuma frase de Mario Draghi, que completa esta terça-feira cinco anos à frente do Banco Central Europeu (BCE), teve tanto impacto nos mercados como esta que proferiu no pico da crise da dívida na Zona Euro, a 26 de julho de 2012. Foi o momento de revelação de Super Mario na sua missão de salvação da moeda única. Se antes disso tinha apenas utilizado a arma da taxa de juro, depois fez fez mira com a bazuca.

Foi logo ao terceiro dia do seu mandato, a 3 de novembro de 2011, que Mario Draghi liderou a sua primeira reunião do Conselho de Governadores. Nesse primeiro encontro, a primeira ação: corte na taxa de juro, depois de o seu antecessor, Jean-Claude Trichet, ter subido as taxas por duas vezes nos meses que antecederam a entrada do italiano. Era o início da era Draghi em Frankfurt.

Nessa altura, já a Zona Euro estava em estado de sítio. Grécia, Irlanda e Portugal já tinham pedido assistência financeira perante o corte no acesso aos mercados de financiamento. “Com uma resposta possível e inteligente”, segundo Miguel Beleza, antigo governador do Banco de Portugal, Draghi vestiu a pele de Super Mario e, como o personagem do videojogo salvou a princesa, não tem olhado a meios para resgatar a Zona Euro. “Draghi passou por um período histórico da moeda única. Fez aquilo que tinha de fazer mas creio que não tem muito mais margem”, sublinha João Duque, presidente do ISEG.

Juros de referência em mínimos históricos

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Fonte: BCE (Valores em percentagem)

Além de ter cortado os juros para mínimos históricos, colocando-os nos 0%, o BCE acompanhou os outros bancos centrais em todo o mundo na via menos tradicional de se fazer política monetária no sentido de puxar pela economia da Zona Euro — lançou-se diretamente para a compra de dívida dos governos da Zona Euro e também está a comprar títulos do setor privado.

"Draghi passou por um período histórico da moeda única. Fez aquilo que tinha de fazer mas creio que não tem muito mais margem.”

João Duque

Economista e presidente do ISEG

Embora Duque considere que a reação de Draghi à crise tem vindo tarde (comparativamente à Reserva Federal norte-americana), o BCE reagiu com estrondo. A agressividade com que implementou os seus planos de compras de ativos evidencia-se no ritmo alucinante com que o balanço de ativos do BCE engordou nos últimos anos.

São mais de de três biliões de euros em títulos de governos e empresas detidos atualmente pelo banco central. Um valor que deverá aumentar nos próximos meses, na medida em que programa de compra de ativos no setor público (PSPP, na sigla inglesa) terminar em março do próximo ano.

Balanço de ativos do BCE não para de engordar

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Fonte: BCE (Valores em milhares de milhões)

“Draghi está a atingir o limite da sua política de estímulos monetários. Acredito que vai dar agora um esticão no primeiro trimestre de 2017, antes de o programa terminar”, explica Duque.

Apesar de todos os esforços, os últimos dados económicos publicados sugerem que o trabalho ainda vai a meio. A economia da Zona Euro cresceu 0,3% no último trimestre, em linha com o esperado pelos analistas. A taxa de inflação fixou-se nos 0,5% em outubro, bem longe do objetivo de perto mas abaixo de 2%.

Para Miguel Beleza, que foi colega de Mario Draghi durante o doutoramento em Economia no MIT, ainda nos anos 70, o maior receio é de que a “excessiva liquidez provoque uma elevada inflação”. “O principal desafio que tem pela frente é incentivar a economia sem levantar demasiado a cabeça da inflação com uma eventual explosão da procura agregada“, resume o antigo ministro das Finanças.

"O principal desafio que tem pela frente é incentivar a economia sem levantar demasiado a cabeça da inflação com uma eventual explosão da procura agregada.”

Miguel Beleza

Antigo governador do Banco de Portugal

S. Draghi e os mercados

Em Portugal, Draghi pode representar um papel secundário para a maioria dos portugueses. Ainda assim, o impacto das suas decisões é indelével. Sabe por que razão está a pagar menos pelo seu crédito à habitação? E sabe por que os bancos estão a oferecer taxas de juro nos depósitos tão baixas que mais vale guardar o dinheiro no colchão? Foi na reunião de 5 de junho de 2014 que o BCE decidiu cortar a taxa de depósitos em valores negativos pela primeira vez na história. Ao tornar mais oneroso o depósito dos bancos junto do banco central, o BCE pretendia que o dinheiro dos bancos fosse direcionado à economia.

A transmissão da política monetária à economia também se verifica ao nível do Estado. Um estudo do Banco de Portugal do final do ano passado sugeria que as taxas da dívida portuguesa estariam 2,7 pontos mais altas se o BCE não estivesse a comprar dívida pública portuguesa. Em última instância, se os custos de financiamento de Portugal estão mais baixos — o último leilão de Portugal é exemplo disso — também se deve ao papel decisivo do banco central.

A evolução da taxa de juro da dívida portuguesa a 10 anos reflete a forma como as palavras e os atos de Draghi são encaradas pelo mercado. No pico da desconfiança em relação a Portugal, entre o final de 2011 e meados de 2012, já muitos investidores apostavam num destes cenários: perdão da dívida, novo resgate ou saída de Portugal do Euro. Quando Draghi disse que o BCE estava preparado para fazer o que fosse preciso para salvar a Zona Euro — o famoso “whatever it takes” –, o mercado descomprimiu com a perceção de uma rede de segurança fornecida pelo banco central em relação a Portugal (e a qualquer outro estado membro).

“Draghi transborda confiança para os investidores. A sua palavra é escutada com respeito”, afirma Miguel Beleza. Foi, à data, e continua a sê-lo.

Juros da dívida portuguesa em queda desde o “whatever it takes”

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Fonte: Bloomberg (Taxa das obrigações do Tesouro a 10 anos, em percentagem).

“É impossível discriminar o peso dos diferentes fatores na queda dos juros. Mas o compromisso do Governo da altura em cumprir as metas acordadas com a troika e o compromisso de Draghi… quando estas duas coisas convergiram, o resultado foi claro”, explica Duque. “Mas é São Mario Draghi que nos está a ajudar“.

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