Das ondas da rádio para o plano B do empreendedorismo
É na rádio que se faz ouvir. Após uma mudança de percurso, optou por criar um negócio. Já atingiu o break even, emprega seis pessoas e dá formação a atletas que também querem vencer no palco.
“A Carla a comunicar é fantástica”. A frase é de Naide Gomes, uma das alunas da radialista. Quem está naquele momento a comunicar é a ex-atleta olímpica que, depois das pistas, quer vencer no palco. Está de pé a testar uma palestra que preparou ao pormenor com a formadora. Habituada a ter um treinador físico, Naide Gomes vê no treino com Carla Rocha a chave para ganhar confiança, ser mais cativante e passar a mensagem de forma interessante.
Do outro lado da mesa, Carla Rocha ouve atentamente. Aponta numa folha as correções que quer fazer e, quando necessário, interrompe para dar indicações precisas. Está de mente aberta a apurar as necessidades da apresentação de Naide Gomes para lhe dar as ferramentas. “Saber ouvir é essencial. O melhor suporte é o que já está dentro de nós“, diz ao ECO. Depois do teste da atleta estar completo, é altura de afinar os pormenores: a agora empresária recomenda à atleta que redimensione os tempos dos vários momentos, faça paralelismos com a realidade da plateia e dê mais espontaneidade ao discurso.
“É como um filme“, exemplifica a formadora, “tem de haver um desvanecer no final”. Carla Rocha aconselha Naide Gomes a personalizar ainda mais, dá ideias de encadeamentos da história e pede-lhe para responder à pergunta de quem ouve: “O que ganham em ouvir-me?” A formanda atira uma resposta, concorda e vai dando sugestões, lembrando-se ainda do que falta: o nome da palestra. “Vencer na adversidade“, sugere a atleta, após algumas tentativas. Está dado o nome da palestra que reflete o pior momento da carreira de Naide Gomes, mas também a sua superação na capacidade de contar a sua história, passando a mensagem de forma eficaz.
“Se amanhã a rádio falhar tu tens de ter um plano B”
Durante 10 anos Carla Rocha foi a voz do Café da Manhã da RFM. Foi o fim da dupla com José Coimbra que a levou a criar um negócio onde a formação em comunicação é o serviço a prestar. “O meu mundo tinha balançado”, confessa ao ECO. Depois de uma década de estabilidade, o mundo da radialista já não era o mesmo: “Houve ali qualquer coisa em mim que deu o clique: tu tens que encontrar uma solução por ti”. Desse momento até criar a empresa “Carla Rocha, Comunicação, Formação e Criação Artística” passaram dois anos.
Ainda antes deste período, a então licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa decide, em 2010, fazer uma pós-graduação em Gestão de Marketing, Comunicação e Multimédia no ISEG. Foi o primeiro passo quando decidiu que tinha de investigar mais sobre a área da comunicação. “Tive melhores notas na pós-graduação, foi o primeiro 16 e 17 que tive na vida“, refere ao ECO. Mas porquê? “Porque quando o tema nos apaixona, conseguimos resultados mais facilmente”.
Seguiu-se uma certificação em coaching e formações nos EUA: “Continuo a ir lá todos os anos desde 2012. São oradores das mais variadas áreas que partilham técnicas de comunicação universais”, explica. Ao mesmo tempo, começa a sair da gaveta a ideia de compilar os seus conhecimentos num livro e ainda a entrada em 2013 no Business Network International (BNI), onde aprendeu a ser empresária com outros empresários. “De repente, estava a trabalhar no plano B quase 24h por dia“, recorda.
“Na altura senti mesmo que precisava de dar o salto e parti com essa convicção de ‘qualquer dia isto pode falhar'”, afirma Carla Rocha, admitindo, no entanto, que quando decidiu que tinha de ser “empresária”, de repente “não tinha ferramentas”. O início foi um desafio, até por uma questão tão prática como ter cartões de visita. Além disso, até então já tinha dado formação mas a recibos verdes e, por isso, nunca tinha criado uma empresa. É no “grupo de confiança” do BNI que adquire estas competências.
“É um grupo de ajuda onde se partilha as vitórias, mas também os fracassos”
O empurrão de um grupo heterogéneo foi o motor de arranque que Carla Rocha precisava: “Foi a minha universidade enquanto empresária“. Semanalmente, reuniam-se num hotel para partilhar referências de forma sistematizada, dado que a reunião tem uma estrutura e existe um acompanhamento pormenorizado. Nessa altura começou a pensar em questões mais filosóficos, como a missão e os valores que queria para o seu negócio, mas também questões muito práticas: “Eu adiei anos e anos sucessivos a criação da empresa por achar que só criava uma empresa quem tivesse um volume de vendas brutal e não é assim. A partir de certa altura começa a compensar“.
Fazia-me confusão vender os meus serviços.
A palavra “risco” começou a fazer cada vez mais parte do vocabulário da radialista, mas existia uma forma de pensar que a impedia de avançar. “Fazia-me confusão vender os meus serviços”, admite ao ECO, referindo que “abordar alguém era quase violação da privacidade daquela pessoa”. Até então Carla Rocha estava habituada a que as pessoas fossem ter com ela a pedir os seus serviços, mas isso estava prestes a mudar. “Tive de mudar o mindset: eu não sou uma fraude, não estou a impingir nada, estou a ajudar”, analisa ao ECO, referindo que essa transição mental foi difícil para alguém que “no início, não é assim tão segura de si própria e das suas capacidades”.
A confiança foi ganha à medida que avançou no negócio até à criação oficial da empresa em abril de 2015. Antes disso, era preciso encontrar uma entidade e um lugar no mercado. “Tive esta ideia, até acho que pode funcionar e até é rentável, mas o mercado precisa disto?”, questionou-se na altura, mas admite que “só no terreno é que temos essa confirmação, não há testes fora do terreno”. Tal como muitas empresas nos primeiros anos de existência, Carla Rocha ainda não tem um plano de negócios clássico, mas não tem dúvidas de que está tudo na sua cabeça. “Gostava de fazer um plano de negócios um dia. Eu sei exatamente onde quero estar daqui a cinco anos“, confessa.
Com uma visão de futuro na mira — até porque “a vida tem mais piada se soubermos para onde queremos ir” –, Carla Rocha avançou para a criação da empresa: a metodologia de ensino estava definida, as áreas de negócio também, já havia logótipo, cartões de visita em abundância e uma marca para apresentar ao mercado. Quase simultaneamente começou o programa Atletas Speakers para o Comité Olímpico de Portugal, projeto que a levou a conhecer, por exemplo, a atual aluna Naide Gomes. O investimento inicial, para além das formações que fez, “foi reduzido”, classifica a agora empreendedora, traduzindo-se num “computador e mais tarde a colaboração de uma designer que ainda hoje é responsável por todo o design da empresa”.
Além disso, fez uma parceria com o centro de negócios Regus, onde atualmente recebe os clientes, como é o caso de Naide Gomes. No verão de 2016 aumentou a equipa na parte administrativa e comercial, assim como nas formações. A radialista já não é a única formadora, mas o método é igual. “Neste momento trabalham seis pessoas comigo, quatro numa base regular e dois quando os projetos nas empresas o justificam”, esclarece ao ECO. Os preços variam consoante a duração, número de participantes e o próprio programa, mas para grupos pode ir dos 1500 aos 2400 euros.
Ter um plano só nunca é uma boa escolha.
Quase dois anos depois, a “Carla Rocha, Comunicação, Formação e Criação Artística” já atingiu o break even. Contudo, até o atingir houve (e continua a haver) um percurso de monitorização mensal: “É importante salientar que desde o início tenho tido o apoio de um coach de negócios, o Ken Gielen da Action Coach Portugal“, revela, explicando que é a ele que “presta contas” todos os meses sobre os resultados operacionais. Já o investimento é para continuar: “Hoje continuo a investir em livros e viagens a conferências e formações. É o meu ‘luxo’ enquanto empresária”.
“Sempre tive a necessidade de ter um plano B”
Não se auto rotula de empreendedora, mas tem a certeza que “ter um plano só nunca é uma boa escolha”. Carla Rocha prefere “ter os ovos em vários cestos”, daí a necessidade de ir à procura de um plano B. Hoje já é mais um “plano A e A”, confessa ao ECO, dado o tempo que tem de dedicar ao trabalho na rádio — agora nas manhãs da Renascença — mas também à evolução diária da empresa. Para contrariar a falta de tempo a nível familiar, a empresária tenta incluir a família nos seus compromissos profissionais, quando possível. “Não é um projeto só meu, é um projeto nosso“, diz. Espera que sirva também de inspiração para os filhos, para que não tenham o mindset inicial que fez a radialista adiar o seu objetivo.
É injusto que a comunicação boicote o nosso verdadeiro potencial.
Por vezes, é o seu filho mais novo que acaba por ser o vendedor dos seus livros em algumas palestras que faz pelo país. “Fale Menos, Comunique Mais”, editado pela Manuscrito, já vai na terceira edição, mas inicialmente era apenas um “resumo” ou “compilação” do material que usava nas formações. “Não imaginei que o livro tivesse o alcance que está a ter”, confessa a autora, recordando uma frase que ouviu de um leitor: “Isto é um misto de romance e um manual de formação“, o melhor elogio que lhe podiam ter dado.
O objetivo, tal como na empresa ou na vertente Academia homónima do livro, era traduzir por escrito o método que usa para comunicar de forma mais eficaz. Carla Rocha foi, ao longo da sua vida profissional, identificando um problema que quer resolver: os especialistas numa área ou pessoas com histórias extraordinárias, se não souberem passar a mensagem sentem desconforto e, em última análise, “boicotam-se”.”Por uma questão de falta de competência de comunicação ou falta de treino acabamos por passar uma mensagem de insegurança”, argumenta, referindo que essa imagem não faz jus à pessoa: “É injusto que a comunicação boicote o nosso verdadeiro potencial“.
Já passaram muitos empresários, atletas ou profissionais de diferentes áreas pelas suas mãos, mas houve uma pessoa que lhe deu o “clique”. “Fez-me encontrar a minha missão“, revela. Foi o caso de uma autarca que todos elogiavam, com provas dadas no que faz, mas que consumida pela insegurança decidiu fazer um discurso lendo totalmente do papel. Carla Rocha estava a assistir e pensou logo para si que isto não pode acontecer. A história “está dentro dela e devia ser usado para inspirar outros”, pensou na altura. Não é um caso que tenha passado pelas suas mãos, mas inspirou-a. “Um dia vamos bater-lhe à porta do gabinete a oferecer os nossos serviços, se ela ainda quiser…”
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