Domingues obrigado a retificar declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional

  • Margarida Peixoto
  • 16 Março 2017

O ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos não identificou o número das contas bancárias e deixou dúvidas sobre se os saldos declarados se referem a contas à ordem, ou a prazo.

António Domingues, ex-presidente da Caixa, queria que os seus rendimentos e património não tivessem sido tornados públicos. Mas o Tribunal Constitucional recusou o pedido.Paula Nunes / ECO

António Domingues, o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos, tem de retificar a declaração de rendimentos e património que entregou ao Tribunal Constitucional. O gestor não completou todos os campos corretamente e omitiu dados importantes, mostra o documento que está guardado na 4ª secção do Palácio Ratton, consultado esta quinta-feira pelo ECO.

Domingues entregou a sua declaração de rendimentos e património a contragosto: fê-la chegar ao Tribunal Constitucional no dia 28 de novembro de 2016, precisamente o dia em que apresentou a demissão por discordar com a obrigação de ter de preenchê-la. O gestor também pediu sigilo sobre os dados, mas o Tribunal negou o pedido.

E apesar de ter acrescentado informação que não é pedida no formulário em causa — como os quase 6,4 milhões de euros de impostos pagos sobre os rendimentos que auferiu entre 1990 e 2015 — deixou dados por referenciar e preencheu campos sem que a informação ficasse clara. Nestes casos, o Tribunal notifica os declarantes para que completem ou esclareçam a informação em causa, confirmou o ECO, não tendo sido possível, contudo, saber se a notificação já foi efetivamente enviada a António Domingues.

E o que falta na declaração de Domingues? Faltam desde logo os números das contas bancárias, um elemento fundamental para confirmar a evolução patrimonial do gestor público durante o período em que exerceu o mandato. É suposto o gestor apresentar uma nova declaração de rendimentos e património com dados atualizados à data da sua saída de funções, que se concretizou a 31 de dezembro de 2016.

A segunda declaração estava ainda em falta esta quinta-feira à tarde, apesar de o prazo (60 dias a contar do termo do mandato, o que significa 1 de março) já ter expirado. Nestes casos, tal como noticiou hoje a Lusa, o faltoso é notificado pelo Tribunal e tem mais 30 dias para entregar o formulário preenchido. Se Domingues não entregar a declaração relativa ao fim das suas funções, o Tribunal envia o processo para o Ministério Público, culminando o caso com a aplicação de sanções. Para estes casos está prevista a inibição do exercício de cargos públicos durante um período de um a cinco anos.

António Domingues

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Mas voltando à declaração que o ex-presidente da Caixa entregou. Domingues não deixou apenas informação por detalhar: também preencheu dois campos de forma dúbia. Explicando: o formulário tem um campo (o capítulo II-D) onde se pede que sejam declaradas as carteiras de títulos, contas bancárias a prazo e aplicações financeiras equivalentes. De seguida, tem outro campo (capítulo II-E) onde se pede a identificação das contas bancárias à ordem e direitos de crédito com valor total superior a 50 salários mínimos (à data, o montante de referência era de 26.500 euros).

Ora, o ex-presidente da CGD declarou no primeiro campo em causa 56.042 ações do Banco BPI, depositadas no BPI, e quatro contas bancárias, sem detalhar os respetivos números de conta nem datas de constituição:

  1. Uma conta no BPI, com um saldo de quase 3,8 milhões de euros;
  2. Outra na CGD, com 80 mil euros;
  3. Outra no Novo Banco, com 27,8 mil euros;
  4. E uma última no Deutsche Bank, com 185 mil euros.

Mas no campo seguinte, onde se pede a identificação das contas à ordem, Domingues declarou os saldos totais das conta indicadas em cima. Ou seja, fica sem se perceber se as contas em causa são, afinal, à ordem ou a prazo.

Além das contas bancárias, tal como já noticiaram o Público, o Correio da Manhã e a Lusa, António Domingues declarou 539,5 mil euros de rendimentos brutos de trabalho dependente e 48 mil euros de rendimentos prediais, em 2015. Declarou duas casas, uma em Lisboa com valor patrimonial tributário de 1,2 milhões de euros e outra em Arcos de Valdevez, em co-propriedade, com valor patrimonial tributário de 16 mil euros.

O ex-gestor da Caixa tem ainda um veleiro, adquirido em leasing, pelo qual paga uma renda mensal de 3.270 euros e três automóveis: um Volkswagen Golf de 2010 e dois Porsches 911, um de 1972 e outro de 1995. Não declarou qualquer outro empréstimo, seja para habitação ou para consumo.

Das seis declarações entregues, nenhuma está completa

Nenhum dos seis gestores que entregaram declarações de rendimentos até agora preencheu o formulário completo. Em todos faltam dados, mas a omissão mais comum é o valor patrimonial tributário dos imóveis declarados. Já João Tudela Martins, por exemplo, declarou estes valores patrimoniais mas não declarou os saldos das quatro contas que identificou como tendo valor total superior a 50 salários mínimos. Todos os gestores deverão por isso ser contactados pelo Tribunal para que completem a informação, antes de esta ser enviada para análise do Ministério Público — um procedimento obrigatório desde 2010.

Além de António Domingues, entregaram a declaração de rendimentos e património João Tudela Martins, Tiago Oliveira Marques, Pedro Durão Leitão, Pedro Norton de Matos e Emílio Vilar. Tudela Martins declarou rendimentos de trabalho dependente de 152,9 mil euros; Oliveira Marques de 208,1 mil euros e Pedro Leitão de quase 4,1 milhões de euros. Sim, leu bem: 4.056.913,50 euros de rendimentos de trabalho dependente, em apenas um ano (2015).

Tudela Martins e Oliveira Marques não entregaram ainda as declarações referentes à cessação de funções, contudo, ao contrário de António Domingues, estão dentro do prazo: como saíram a 31 de janeiro de 2017, têm até ao final de março para cumprir esta obrigação.

Pedro Leitão, Norton de Matos e Vilar já entregaram as segundas declarações com rendimentos e património à data de saída da Caixa. Emílio Rui Vilar, e João Tudela Martins terão ainda de entregar uma terceira declaração, atualizada à data da entrada na nova administração da Caixa, liderada por Paulo Macedo. Mas também estão dentro do prazo.

Em falta continuam cinco ex-administradores da Caixa que ainda não tinham entregado qualquer declaração de rendimentos e património, esta quinta-feira à tarde. São eles Emídio Pinheiro, Henrique Noronha e Menezes e Paulo Rodrigues da Silva (ex-administradores executivos) e Angel Corcóstegui Guraya e Herbert Walter (ex-administradores não executivos).

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