Um dicionário para as metáforas de Carlos Costa

São várias as ocasiões em que o governador do Banco de Portugal utiliza metáforas. Ao lidar com um tema tão complexo como a da supervisão financeira, Carlos Costa recorre ao uso desta figura de estilo para explicar os seus argumentos. Isso aconteceu diversas vezes quando foi à Assembleia da República explicar a queda do Grupo Espírito Santo, mas também acontece frequentemente para decifrar os problemas da economia portuguesa ou identificar as limitações do Banco de Portugal. Ainda na passada quinta-feira chegou mais uma metáfora: a floresta e as suas árvores.

• Um incêndio na floresta

O tema era supervisão financeira e o governador até queria fugir ao tema do crédito malparado, mas não conseguiu. “Temos de retirar os ramos secos para não se acumular uma carga térmica que pode ser difícil de controlar”, afirmou o governador do Banco de Portugal, fazendo uma metáfora entre a supervisão bancária, uma floresta e um incêndio. A ideia é que os bancos passem a acelerar a absorção do malparado para não o acumularem e provocar um incêndio.

"Temos de retirar os ramos secos para não se acumular uma carga térmica que pode ser difícil de controlar.”

Ao mesmo tempo, Carlos Costa diz ser necessário haver “válvulas de escape periódicas”. Regressando à metáfora da floresta, o governador do Banco de Portugal disse que para evitar “grandes incêndios” é preciso “cuidar da floresta e periodicamente aceitar que tem de haver carga térmica” para evitar que esta se acumule. Para Carlos Costa, o Banco de Portugal deve conservar a floresta, mas não cada uma das árvores, porque isso “limitaria a capacidade de conservar a floresta”.

• A economia é um avião

“Vou utilizar uma imagem, e vão-me perdoar a imagem, mas é a única forma de tornar simples o que às vezes é complicado”, começou por dizer, numa conferência de imprensa em 2010, já enquanto governador do Banco de Portugal. Em discussão estava o Orçamento do Estado para 2011 e as perspetivas económicas de Portugal para o futuro: “A economia portuguesa é como um avião com quatro motores – o consumo privado, o consumo público, as exportações e o investimento (público e privado). Um avião vive no regime dos seus quatro motores”, respondeu quando questionado sobre as estimativas.

"A tendência é para que este aeroplano não perca muita altitude e consiga ter uma trajetória aceitável.”

“Há dois motores que vão desacelerar — o consumo público porque teve um comportamento passado que exige hoje uma correção”, disse, acrescentando que “naturalmente que o motor do consumo privado vai refletir a maior restrição de combustível e, portanto, vai trabalhar num regime mais baixo”. O governador referia-se às três componentes da procura interna: consumo privado, público e investimento. A previsão de Costa verificou-se no final de 2011, altura em que estas três variáveis baixaram de tal forma que o contributo da procura interna para a variação do PIB nesse ano foi de -6,2%, face a 0,9% em 2010.

“A grande questão é como é que vai trabalhar o motor das exportações, que até agora tem trabalhado num regime relativamente bom e promissor”, acrescentou, prevendo à data que “a tendência é para que este aeroplano não perca muita altitude e consiga ter uma trajetória aceitável”. A recessão da economia portuguesa não foi ainda pior por causa deste motor: as importações travaram, as exportações continuaram a aumentar e a procura externa líquida (o resultado dessas duas componentes) passou de um contributo positivo de 0,5% para 4,6%. Recorde-se que, em 2009, a economia portuguesa contraiu 3% e — mesmo com a recuperação de 2010 (1,9%) — a recessão continuou de 2011 (-1,8%), 2012 (-4%) e 2013 (-1,1%).

• O automóvel e a linha de produção

Mais uma comparação, desta vez entre uma linha de montagem automóvel e um banco, argumentação usada perante os tribunais quanto foi testemunha nos processos judiciais relativos ao BCP. “Um banco é como uma cadeia de produção. Se quiserem, comparem um banco à Autoeuropa“, disse. “Estamos num ponto da linha a fazer uma tarefa específica; não podemos parar a cadeia de produção para ir ao início da linha verificar se tudo foi bem feito”, justificou, acrescentando que “ninguém para a linha de produção para ver se os parafusos estão bem apertados”.

"Um banco é como uma cadeia de produção.”

• O extintor de incêndio

Em 2012, o Expresso revelava mais um discurso do governador, desta vez com empresários no Porto. “O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, gosta de colorir as suas intervenções com metáforas e imagens para tornar claras as suas mensagens“, escrevia nessa altura o semanário. Nesse encontro falou-se da dotação do Programa de Ajustamento dedicada aos bancos — cerca de 12 mil milhões de euros — que Carlos Costa comparou a “extintores de incêndios”. Além disso, o Expresso escreveu que o governador disse que a fotografia do setor bancário não foi melhorada com recurso a Photoshop.

• Os sapatos

As metáforas chegam também ao setor do calçado, um dos que mais recuperou durante a crise. “Uma sapataria na Rua Augusta não calça todos os descalços que lhe passam à frente da porta“, afirmou o governador em 2013, referindo que só calça “aqueles que podem pagar”. O que é que isto tem a ver com banca? Para Carlos Costa, um banco segue a mesma lógica. “Um banco é a mesma coisa”, concluiu, referindo que “só dá crédito a quem tem possibilidade de reembolsar”.

• A boa condução

Em novembro do ano passado, sobre a possibilidade de haver um ministro das Finanças da Zona Euro, questão que voltou recentemente a estar em cima da mesa como proposta da Comissão Europeia. A ideia de Carlos Costa era que o líder do Eurogrupo fosse o reflexo de uma maioria parlamentar dos países que partilham a moeda única. “Não é por pôr mais cronómetros no automóvel que ele vai ganhar mais corridas, precisamos é de um bom condutor“, afirmou, concluindo que “se não se colocar alguém com poder para os usar, apenas se está a neutralizar.

• A resolução do BES: um bombeiro, uma granada e um médico

Das situações em que mais usou metáforas foi na comissão de inquérito sobre a resolução do Banco Espírito Santo. O próprio começou por referir-se, tal como o da semana passada, à temática do fogo: “Se um bombeiro tem de pedir uma licença para sair do carro quando se declara o fogo, obviamente chega tarde“, afirmou, referindo que “a mesma coisa se passa aqui”. Esta metáfora foi utilizada para justificar o porquê de o supervisor não ter sabido mais cedo do que se passava no Grupo Espírito Santo. “Há problemas que se colocam fora de balanço, que não têm expressão, nem são capturados pela exposição” da área financeira à não financeira, justificou nas audições parlamentares.

 

"É um pouco como alguém que descobre que tem uma granada e tenta desarmá-la.”

O governador foi mais longe, argumentando que raramente o supervisor identifica o problema antes de este explodir. “É um pouco como alguém que descobre que tem uma granada e tenta desarmá-la”, metaforizou. Esta foi a linha de argumentação seguida por Carlos Costa, defendendo que o Banco de Portugal “está muito limitado” nos seus poderes e pedindo uma alteração legislativa. “Não foi o Banco de Portugal quem criou o problema, confrontou-se com o problema”, justificou-se na altura.

Insistindo na mesma ideia de que o Banco de Portugal não soube do colapso com antecedência, Carlos Costa recorreu ao mundo da medicina: “É o mesmo quando vai ao médico e ele lhe diz que hoje está são e daqui a um ano está doente“. “A menos que consiga provar que o médico devia ter sabido, não significa que o diagnóstico daquela altura estava incorreto”, concluiu.

Ou seja, o governador alega que “ninguém podia antecipar a 11 de julho factos que ocorreram depois dessa data”. “No espaço de uma semana evidenciou-se uma quebra de capital quanto às perdas estimadas para as quais havia almofada (1,7 mil milhões para 3,6 mil milhões)”, justificou, o que obrigaria a um aumento de capital.