Orçamento: Os dossiês prioritários dos novos governantes
A reforma do IRS, o descongelamento das carreiras na Administração Pública, e outras pastas volumosas que vão cair nas secretárias dos oito novos membros do Governo.
Tomaram posse esta sexta-feira mas o tempo escasseia para se inteirarem dos seus novos deveres. A poucos meses de ter pronto o esboço do Orçamento do Estado para 2018, o Governo vê-se remodelado, com oito novos secretários de Estado, uma delas a inaugurar um pelouro que não existia há mais de uma década. Enquanto em algumas áreas está tudo encaminhado para uma transição suave, noutras os projetos estão menos avançados e vão requerer uma mão cuidadosa dos novos secretários de Estado. Conheça aqui os principais dossiês que os membros do Governo vão ter de estudar com atenção.
Assuntos Fiscais: A “máquina” está pronta
Fernando Rocha Andrade saiu e, para a pasta do Fisco, entra um advogado sem passado conhecido na fiscalidade. António Mendonça Mendes, líder da Federação de Setúbal do PS e irmão da secretária-geral adjunta do partido Ana Catarina Mendes, é advogado com experiência nas áreas da Administração Pública e também da Saúde. No entanto, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças Mourinho Félix está confiante: o trabalho será continuado, graças ao que Rocha Andrade deixou feito.
“O trabalho é feito por uma máquina, que é liderada obviamente politicamente pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas essa máquina, também pelo trabalho que o secretário de Estado Fernando Rocha Andrade fez, é uma máquina que funciona e que tem condições perfeitamente de continuar a preparar o Orçamento”, afirmou Mourinho Félix.
E há muito para preparar. O Governo já assumiu vários compromissos para o Orçamento do Estado para 2018 na área do Fisco. Numa entrevista ao Expresso, Rocha Andrade comprometeu-se com o alívio do IRS no próximo ano, em princípio através de mudanças nos escalões, nomeadamente entre o primeiro e o segundo. Essa descida, garantiu o secretário de Estado, não precisará de ser compensada com o aumento de mais nenhum imposto.
Essa máquina, também pelo trabalho que o secretário de Estado Fernando Rocha Andrade fez, é uma máquina que funciona e que tem condições perfeitamente de continuar a preparar o Orçamento.
Vai ser preciso negociar estas alterações com o Bloco de Esquerda e o PCP, que têm posições diferentes em relação ao IRS. Enquanto Catarina Martins pretende 600 milhões em 2018 e “outro tanto” em 2019 para baixar o IRS, a serem gastos na “criação de escalões”, o PCP aborda o assunto por outra perspetiva: quer uma duplicação dos escalões para dez, mais ainda do que os que existiam antes das alterações feitas por Vítor Gaspar há cinco anos. É certo que ambas as exigências custariam mais ao Estado mais do que os 200 milhões previstos inicialmente para gastar nesta área no Programa de Estabilidade. Problemas para António Mendonça Mendes — e a “máquina” — resolverem nos próximos meses.
Administração e Emprego Público: Como descongelar?
Carolina Ferra já pedira para sair e o Governo acedeu nesta pequena remodelação. Quem vem para o lugar de secretária de Estado da Administração Pública é Maria de Fátima Fonseca, experiente nesta área, que vai sair do cargo de diretora dos Recursos Humanos na Câmara Municipal de Lisboa. A sua secretária vai estar desde logo cheia de dossiers, com destaque para dois: a integração dos precários do Estado nos quadros, um processo que já vai avançado, e o descongelamento das carreiras da Função Pública, onde há ainda muito para decidir.
Já este sábado, a nova secretária de Estado pode ter algumas luzes acerca da segunda questão: o prazo para a elaboração de um relatório final sobre quem tem direito a ser objeto de promoções e progressões na Função Pública foi adiado para este sábado, segundo um despacho emitido esta quinta-feira pelo Ministério das Finanças. Até 22 de maio — prazo que foi já de si adiado após um prazo inicial de dia 15 — os dirigentes dos diferentes serviços da Administração Pública tiveram de enviar a informação sobre cada trabalhador, as suas últimas avaliações, os pontos que acumularam no tempo em que as carreiras estiveram congeladas, e sobre quais terão direito a progredir na carreira quando esta for descongelada. Depois disso, a informação seria sistematizada e tratada para ser sintetizada num relatório, que deveria ser entregue até 30 de junho, para saber quanto vão custar as progressões que, é certo, vão ser desbloqueadas no próximo ano.
A Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP) anunciou após uma reunião com Carolina Ferra que o Orçamento do Estado para o próximo ano não vai prever as restrições às progressões que hoje estão no terreno. “Nesta reunião, ficou claro que o artigo 19.º do OE2017 (prorrogação de efeitos) e o artigo 38.º do OE2015 (proibição de valorizações remuneratórias), que foi sucessivamente reproduzido nos orçamentos posteriores, não constarão do OE para 2018, o que permitirá aos trabalhadores recuperarem o direito à carreira, à sua progressão e à sua valorização remuneratória, ficando assim aberta a porta à reposição da normalidade nas carreiras da Administração Pública”, indica o comunicado enviado às redações pela FESAP. Mas se o mecanismo parece estar mais ou menos resolvido, ainda falta saber o impacto e os timings.
Do lado da integração dos precários, as candidaturas estão feitas, o mecanismo de integração criado, e as Comissões de Avaliação Bipartidas a funcionar, mas falta ainda decidir quando vão ser abertos os concursos, assim como limar a proposta de lei que está atualmente no Governo. Para o PCP, o mais importante é antecipar os prazos, para que as situações fiquem “resolvidas o mais breve quanto possível”, disse Rita Rato ao ECO. Para o Bloco, há quatro entraves: um deles é o prazo, outro o horário, que, seja completo ou parcial, não deveria ser usado como critério, outro ainda é a clarificação de que estão incluídos os estagiários e trabalhadores em falso outsourcing, e por fim, que os contratos vigentes atualmente devem ser prolongados até ao momento da vinculação. Tudo questões que serão resolvidas no Parlamento, pelo menos até 14 de setembro, quando termina o período de consultação pública.
Indústria: Tudo a postos para a Web Summit?
Ana Teresa Lehmann assume a tutela da pasta da Indústria, com especial atenção ao seu bebé, o Web Summit e as startups. De saída, João Vasconcelos avaliou positivamente o seu desempenho e o da sua equipa. “É com um sentimento de orgulho na minha equipa, nos industriais e empresários portugueses, no ecossistema de startups e incubadoras, nos parceiros de investimento, que avalio os resultados alcançados”, afirmou. E o principal sucesso? O Web Summit. “A Web Summit é uma montra para o país”, afirmou o responsável durante uma conferência de imprensa no Ministério da Economia, em Lisboa, após se ter reunido com elementos de várias das startups.
Ana Teresa Lehmann tem experiência na área, com uma carreira ligada à consultoria a grandes organizações internacionais, nomeadamente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e a Comissão Europeia, mas também a vários governos e Chefes de Estado. É embaixadora da InvestEU e do Plano Juncker. Mesmo assim, não precisa de temer: o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, já disse que vai assumir a pasta em conjunto com a nova secretária de Estado.
“É óbvio que será sempre o ministro a assumir todas as pastas do seu ministério, em conjugação com os secretários de Estado”, disse aos jornalistas. O governante acrescentou ainda: “Neste momento, o secretário de Estado ainda está em funções e está a trabalhar comigo nesse sentido”.
Se o Executivo quiser repetir, em 2018, o apoio que deu na primeira edição do Web Summit — 200 milhões do Estado para coinvestir nas empresas inovadoras que precisam de capital de risco — esse montante poderá ter de ser inscrito no Orçamento do Estado para 2018. O mesmo se passa com outros incentivos que o Governo queira dar e que não passem pelos fundos comunitários.
Habitação: Uma nova prioridade
É uma “nova área prioritária nas políticas públicas”. Foi assim que o primeiro-ministro António Costa apresentou, no debate do Estado da Nação desta quarta-feira no Parlamento, a sua decisão de abrir uma nova secretaria de Estado para a Habitação nesta remodelação. Para o lugar foi escolhida a arquiteta Ana Pinho, doutorada em planeamento urbanístico e ex-consultora da Câmara Municipal de Lisboa. A convite do atual Governo, Ana Pinho dirigia o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, que visa recuperar e rentabilizar edifícios de entidades públicas, incluindo municípios, mas também entidades do terceiro setor e privadas.
A nova secretaria de Estado, que já não existia desde o último Governo de Durão Barroso, deve ser “dirigida agora às classes médias e em especial às novas gerações, não as condenando ao endividamento ou ao abandono do centro das cidades, promovendo a oferta de habitação para arrendamento acessível”, continuou António Costa no Estado da Nação.
O programa de Governo já antevia várias mudanças na área da habitação. As prioridades são quatro: a reabilitação dos centros urbanos, a promoção de “arrendamento acessível”, a proteção das famílias em risco de ser despejadas e a habitação social. Para concretizar estes objetivos a partir deste Orçamento do Estado, Ana Pinho terá para gerir cinco mil milhões de euros para os próximos cinco a seis anos, que servirão para financiar Planos de Ação Locais e habitação acessível. Falta saber quais serão as prioridades para o primeiro ano de Governo desta nova secretaria de Estado.
Além disso, este promete ser um tema quente do ponto de vista político — o alojamento local é apenas um exemplo das polémicas que vão marcar esta secretaria de Estado. Catarina Martins deixou claro, esta quarta-feira, que criar uma secretaria de Estado da Habitação “poderá ser um avanço, mas não chega”. “Precisamos de começar a compreender que não bastam incentivos à reabilitação, é preciso pôr as questões da habitação no centro das políticas da reabilitação e começarmos a utilizar esta exigência de regeneração urbana”, disse a coordenadora do Bloco de Esquerda.
“O passo mais importante que está por concretizar: é o do investimento público na habitação e isto significa reabilitação do parque público e mais habitação pública disponível a preços que sejam comportáveis face aos salários e as pensões em Portugal”, defendeu. Ou seja, verbas inscritas no Orçamento do Estado, ainda que seja para fazer face à componente nacional quando usados os fundos comunitários, ou complementar eventuais empréstimos do Banco Europeu de Investimento (BEI).
Internacionalização: Portugal estende a rede?
Eurico Brilhante Dias vai sentar-se na cadeira que era de Jorge Costa Oliveira, um dos três governantes que se demitiram no âmbito do caso Galpgate. O deputado socialista tinha sido apontado repetidamente para o lugar de Miguel Frasquilho na liderança da Aicep, mas acabou por ficar no Parlamento, onde é uma das vozes mais presentes do Partido Socialista na Comissão de Orçamento e Finanças.
Em termos de trabalho para o próximo Orçamento do Estado, Eurico Brilhante Dias poderá ter trabalho a fazer se for decidido, estrategicamente, que faz falta reforçar a rede externa portuguesa — seja através da abertura de novos escritórios consulares, seja de novas delegações da AICEP — algo que teria de estar previsto no Orçamento do Estado para o ano que vem. Portugal também poderá ver como vantajoso o reforço da sua posição acionista em instituições multilaterais como o Banco Mundial.
Florestas e Desenvolvimento Rural: Sob olhar atento
Num período marcado por escrutínio apertado à política do Governo em relação aos incêndios e à Proteção Civil, após a tragédia de Pedrógão Grande em que 64 pessoas foram mortas pelas chamas, Miguel João de Freitas entra para o lugar de Amândio Torres como secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Engenheiro agrícola, Miguel João de Freitas vai ter que tomar as rédeas de uma reforma das florestas em curso e que já está a ser criticada por estar atrasada.
O PS pediu ontem, quinta-feira, o adiamento potestativo da votação na especialidade, na comissão de Agricultura, justificado pela coordenadora socialista dessa comissão, Júlia Rodrigues, com as propostas de alteração “que foram bastantes e de grande qualidade, de todos os grupos parlamentares”. Assim, para o novo secretário de Estado, a preparação do próximo Orçamento de Estado vai depender do resultado deste processo legislativo.
“Chegámos à conclusão de que era melhor pedir o adiamento para que consigamos chegar a um texto bom, um texto conjunto“, afirmou a deputada do PS aos jornalistas, sublinhando que há empenhamento de todos para que seja alcançado um consenso e os diplomas possam ser votados no dia 19 de julho, dia de plenário quase exclusivamente dedicado a votações.
Já para o PCP, por exemplo, o prazo não é um problema: “Há partidos que colocam a ênfase no prazo, o PCP coloca a ênfase dos conteúdos”, afirmou o deputado Paulo Ramos, citado pela Lusa, numa conferência de imprensa, no Parlamento, em que apresentou dois projetos de resolução, um deles a propor a criação de um programa para reduzir e controlar a biomassa florestal.
Assuntos Europeus: Perante uma nova Europa
No caso dos Assuntos Europeus, a diplomata Ana Paula Zacarias substitui Margarida Marques e enfrenta a imagem de uma Europa radicalmente diferente. Entre as negociações do Brexit, a hipótese muito clara de uma Europa a duas velocidades, relações em mudança com os Estados Unidos e tensões internas na própria União Europeia, Ana Paula Zacarias terá de saber navegar ainda as reivindicações do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português que tantas vezes esbarram com as exigências de Bruxelas. Mesmo que não seja uma agente decisiva no Orçamento do Estado para 2018, a nova secretária de Estado tem, certamente, o prato cheio com o ano que vem.
Presidência do Conselho de Ministros
Pela Presidência do Conselho de Ministros, secretaria de Estado que vai passar agora a ser dirigida pelo jurista Tiago Antunes, pode parecer que não passa muito do trabalho de desenvolvimento de um novo Orçamento do Estado. No entanto, a Tiago Antunes vai caber toda a parte processual — os envios, assinaturas e confirmações atempadas, o processo jurídico de desenvolvimento deste plano orçamental para o ano que vem, e o próprio procedimento de promulgação.
Preparado enquanto professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e um passado como advogado na PLMJ, Tiago Antunes foi ainda secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro de José Sócrates.
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