IVA é devolvido ao PS? Ex-presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos duvida
Margarida Salema, ex-presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, explica ao ECO que as alterações não mudaram a interpretação: o IVA das campanhas não deve ser devolvido ao PS.
A ex-presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) considera que as alterações introduzidas pelo PSD, PS, BE, PCP e PEV não dão razão ao Partido Socialista nos processos judiciais que tem em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Lisboa. Ao Público [acesso parcial], o responsável financeiro do PS, Luís Patrão, tinha dito que “[a redação] não foi feita para os [processos] que estão no TAF. Se puder aplicar-se, melhor”. Mas para Margarida Salema as alterações não permitem a devolução do IVA aos socialistas, uma vez que a mudança aplica-se apenas aos partidos e não às campanhas eleitorais.
“A matéria do IVA — que foi alargada a toda e qualquer atividade partidária — não se aplica à matéria de aquisição de bens e serviços durante a campanha por razões do princípio de igualdade das candidaturas”, afirmou esta quarta-feira Margarida Salema, em declarações ao ECO, assegurando que esta “é uma garantia constitucional”. O novo projeto de lei isenta na “totalidade” os partidos de IVA, mas há um artigo (inalterado) que nada diz sobre a isenção do IVA para as campanhas eleitorais — e é sobre este ponto que o PS discorda do fisco.
Já existia uma isenção do IVA, mas era limitada. Esta incidia sobre a “aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte”. Contudo, a alteração aprovada na Assembleia da República elimina essa delimitação, passando a isenção aplicar-se à “totalidade de aquisições de bens e serviços para a sua [dos partidos] atividade”.
A matéria do IVA não se aplica à matéria de aquisição de bens e serviços durante a campanha por razões do princípio de igualdade das candidaturas.
Mas essa “totalidade” não deve abranger às campanhas eleitorais. O financiamento das campanhas eleitorais tem os seus próprios artigos onde nada se diz (ou se mudou) sobre a isenção de IVA para as atividades de campanha eleitoral. A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos tem defendido desde 2005 que os partidos políticos não têm isenção de IVA nas campanhas eleitorais. A interpretação da ECFP é que a isenção do IVA incide na atividade partidária e não na atividade eleitoral.
Porquê? Se essa isenção incluísse as campanhas eleitorais, então os artigos relativos ao seu financiamento teriam de prever essa isenção. Caso contrário, os partidos teriam um tratamento privilegiado face a grupos independentes de cidadãos (autárquicas) ou candidatos à Presidência da República. Ou seja, os partidos teriam uma isenção de IVA em campanhas eleitorais que outros participantes na corrida não teriam. Já no sábado passado, em declarações ao Expresso [acesso pago], Margarida Salema apontava o dedo ao conluio entre PSD, PS, BE, PCP e PEV. “Os partidos resolveram uns aos outros os problemas de cada um”, diz.
A decisão continua, no entanto, nas mãos do Tribunal Administrativo e Fiscal que está a avaliar o conflito do Partido Socialista com a Autoridade Tributária e Aduaneira. Estão em curso sete ações contra a Autoridade Tributária para que o fisco devolva o IVA cobrado durante campanhas eleitorais. O valor total em litígio, segundo a Sábado, supera, pelo menos, os dois milhões de euros. Neste momento, o PS tem um passivo de 20,7 milhões de euros.
Resolve-se um problema, cria-se outro?
Se o novo projeto de lei veio resolver um problema constitucional levantado por iniciativa do próprio Tribunal Constitucional (TC) — e em que houve unanimidade entre os partidos com assento parlamentar –, há uma norma transitória que pode trazer um novo problema constitucional à legislação do financiamento dos partidos políticos. A questão passa pelo âmbito de atuação da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que, até agora, emitia pareceres para o TC sobre os casos em apreciação. Contudo, com a nova legislação, a ECFP deverá decidir sobre esses mesmos processos.
Não se levantaria a questão caso se aplicasse apenas a partir da data em que entrasse em vigor. Contudo, a norma transitória faz uma aplicação retroativa: “A presente lei aplica-se aos processos novos e aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor que se encontrem a aguardar julgamento, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior”, lê-se no projeto de lei aprovado na passada quinta-feira.
Para Margarida Salema — que estranha alterações feitas “em tão curto espaço de tempo e sem ser publicitadas” — esta retroatividade cria problemas jurídicos uma vez que a Entidade não pode converter o parecer em decisão. Ou seja, esta norma transitória levaria a ECFP a fazer decisões sobre processos para os quais já emitiu um parecer. “Esta aplicação retroativa em que uma entidade que tinha o poder de dar parecer tem agora o poder de dar decisão atenta contra os princípios gerais do direito em que o mesmo órgão não pode transformar um parecer em decisão”, argumenta a ex-presidente da ECFP ao ECO.
Além dos que correm nos tribunais tributários, existem ainda muitos processos em julgamento dentro da órbita do Tribunal Constitucional e agora da ECFP. Serão, pelo menos, nove processos relativos às contas e mais de dez processos de contraordenação, ou seja, de coimas. Já os processos de queixa-crime sobre a utilização de espaços públicos por parte dos partidos devem cair uma vez que é dado enquadramento legislativo à cedência gratuita de espaços — desde que não exista discriminação entre partidos ou candidaturas.
Três não fazem o trabalho de 13 do TC
Mas os problemas não acabam aqui. Acresce que a composição da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos não foi alterada, mantendo-se a estrutura de um presidente e dois vogais que terão dificuldade em absorver a carga de trabalho do Tribunal Constitucional, dado que não há um reforço da sua equipa. O TC conta com 13 juízes.
Em outubro, quando tomou posse, o novo presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que sucedeu a Margarida Salema, disse esperar mais meios para fiscalizar os financiamentos partidários. Segundo a Lusa, José Figueiredo Dias alertou para a “escassez de meios qualificados em face do crescente volume de trabalho” e a “exiguidade dos prazos legais cujo cumprimento rigoroso se revela irrealista”.
Anteriormente, num documento que deu origem ao polémico grupo de trabalho, Manuel da Costa Andrade, presidente do Tribunal Constitucional, afirmava que era urgente reforçar os recursos humanos da ECFP, de acordo com a Lusa, para evitar a “paralisia” e os “atrasos crónicos” na avaliação das contas dos partidos.
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