Afinal, o que muda nos preços da ADSE? Fizemos a radiografia

  • Marta Santos Silva
  • 28 Janeiro 2018

Os hospitais privados rejeitam as novas tabelas da ADSE, a direção do subsistema defende que a alteração é essencial para evitar abusos, os beneficiários ficam no meio. Mas quais são os números?

José Abraão não vê com surpresa a reação dos hospitais privados às novas tabelas propostas para os preços e pagamentos da ADSE às instituições com acordos de convenção. O dirigente do sindicato Fesap, que faz parte do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, diz ao ECO que considera “natural” que tenham surgido “reações com ameaças infundadas e injustificadas e até um apelo (…) no sentido de que médicos acabem com convenções”. No entanto, afirma, “há condições para se poder alterar as tabelas no sentido de melhorar para o lado dos prestadores e dos convencionados”.

Qual é, afinal de contas, o problema das novas tabelas? Desde logo, importa saber o que são. As tabelas de preços e regras da ADSE são distribuídas aos hospitais privados e médicos privados com instruções sobre os copagamentos dos beneficiários e o pagamento da ADSE por cada procedimento. Este ano, a ADSE liderada por Carlos Liberato Baptista propôs um conjunto de novas tabelas que introduzem reduções de preços de muitos atos clínicos e introduzem margens superiores de lucro em outros.

“Este documento da ADSE — de 250 páginas, entregue em papel e sem assinalar as alterações introduzidas — foi apresentado aos hospitais privados como um facto consumado no dia 18 de janeiro e constituiu uma surpresa”, afirmou a Associação Portuguesa da Hospitalização Privada. E continua: “A prestação de cuidados de saúde não pode ser instrumento para cortes cegos e administrativos de preços — neste caso com impacto de cerca de 42 milhões de euros — e, sobretudo, sem qualquer critério clínico subjacente.” Este sábado, a APHP viu validada uma providência cautelar que visa a suspensão de certas regras vigentes na ADSE, embora não diretamente as novas tabelas propostas.

Carlos Liberato Baptista já disse estar aberto para negociar, com cedências de parte a parte. Para José Abraão, é tudo “uma tempestade num copo de água”. Que mudanças foram, afinal, propostas?

? Quais são as mudanças?

O ECO foi comparar as tabelas atualmente em vigor com as propostas pelo Conselho Diretivo, que receberam parecer positivo do Conselho Geral e de Supervisão e que têm data de entrada em vigor estimada em 1 de março. Algumas coisas ficam na mesma, por exemplo os preços das consultas, que continuam ao mesmo custo para o beneficiário — 3,99 euros — após uma proposta inicial em que a direção propunha que os beneficiários passassem a pagar 5,00 euros por consulta, e que acabou por deixar cair.

As principais alterações acontecem para os prestadores de cuidados clínicos, que veem os preços tabelados dos atos e dos consumíveis descer ou sofrerem outras limitações. A tabela abaixo mostra algumas dessas alterações.

Fonte: Tabelas de preços e regras da ADSE, 2017, e proposta de Tabelas de preços e regras da ADSE para 2018.Infografia: Ana Raquel Moreira

O Conselho Geral de Supervisão da ADSE, no parecer que entregou ao Conselho Diretivo sobre a proposta de mudança de preços, louvou a descida de certos custos e a implementação de limites para outros, de forma a combater os “lucros excessivos dos grandes grupos privados da saúde”, nas palavras do economista Eugénio Rosa. O que muda, então?

No caso das cirurgias e do internamento, são introduzidos “preços compreensivos”, ou seja, o preço total dos procedimentos cirúrgicos ou do custo diário do internamento passa a ter um nível máximo. Na tabela atualmente em vigor, que seria substituída por esta, as cirurgias tinham uma faturação por item: tudo desde os algodões e pensos usados até ao aluguer da sala de operações tinha um custo separado que, tudo somado, poderia ascender a níveis muito altos. Para 350 tipos de cirurgia, a tabela de preços nova define limites.

As análises clínicas descerão de preços. Enquanto no SNS houve uma redução de preços de 3%, no caso das análises clínicas feitas com prestadores privados de serviços clínicos as análises desceriam 1,5%. O transporte de doentes também passa a ter um limite: é implementada a tabela de preços do Serviço Nacional de Saúde para este efeito. Anteriormente, a ADSE cobria 80% e o beneficiário 20% do preço independentemente do que ele fosse, havendo denúncias, segundo a ADSE, de preços faturados que excediam os cobrados ao SNS em duas ou três vezes.

? O caso dos medicamentos

O preço dos medicamentos e dos produtos medicamentosos é um dos que tem estado a ser mais falado. O presidente da ADSE, Carlos Liberato Batista, já mencionou várias vezes o exemplo, já conhecido, do paracetamol. Há casos em que um comprimido de paracetamol é faturado por 0,25 cêntimos e noutros por 10 euros”, disse. Ao Jornal Económico, referiu que vão ser reportadas à Procuradoria Geral da República várias situações fraudulentas, incluindo algumas relacionadas com medicamentos em certas entidades.

Com as novas tabelas, os hospitais passariam a só poder cobrar, no máximo, o preço de venda ao público (PVP) do medicamento, com uma margem de lucro nunca superior a 40%, e com um preço total que, por unidade, não pode ultrapassar os 50 euros por unidade.

O mesmo acontece com as próteses intraoperatórias, que só vão ser comparticipadas pela ADSE se mantiverem margens máximas de lucro que podem ir de 25%, para as mais baratas (de custo inferior a 500 euros) e de 5% para as mais caras (de custo superior a 10 mil euros).

? Que poder negocial tem a ADSE?

A ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos, abrange grande parte dos trabalhadores do Estado e os seus filhos menores, assim como os pensionistas do Estado e, nalguns casos, os cônjuges e os filhos que continuem a estudar até aos 25 anos. Segundo o Conselho Geral e de Supervisão do subsistema, “o universo de beneficiários da ADSE corresponde a mais de metade da totalidade de pessoas com seguros de saúde em Portugal o que lhe confere um poder negocial que não pode ser negligenciado na celebração de novas convenções e na revisão das atuais”.

Estas convenções referem-se aos acordos com médicos e hospitais privados que determinam os preços pagos por atos clínicos. As tabelas que têm levantado polémica são essas mesmas. Se um beneficiário da ADSE preferir ou não tiver opção que não ir a um médico ou hospital sem acordo com a ADSE, deve recorrer ao regime livre. As tabelas de preços do regime livre não sofreram alteração: o beneficiário vai à consulta ou faz o procedimento e paga o seu valor total, recebendo posteriormente uma comparticipação da ADSE. No entanto, este regime costuma ser menos vantajoso para o doente.

A subsistência dos hospitais privados dependendo da ADSE será superior aos 40%, uma fatia muito significativa. Não faz sentido os privados dizerem que querem perder isso.

José Abraão

Dirigente da FESAP

O Conselho Geral e de Supervisão considerou ainda, no parecer relativo às novas tabelas, que “paralelamente ao definhamento do SNS devido à suborçamentação de que tem vindo a ser alvo, o setor privado lucrativo cresceu, principalmente nos grandes centros, a grande ritmo, patenteado na construção de grandes Hospitais/Clínicas, para cuja existência muito tem contribuído a ADSE, tal como o próprio SNS”.

José Abraão, o representante do sindicato FESAP que pertence a este conselho, disse que este poder negocial é fundamental. “Estamos perfeitamente convencidos de que no final será possível acomodar uma solução que não ponha em causa a sustentabilidade da ADSE e que vá corrigindo aquilo que eram desequilíbrios. A subsistência dos hospitais privados dependendo da ADSE será superior aos 40%, uma fatia muito significativa. Não faz sentido os privados dizerem que querem perder isso“, acrescentou.

No entanto, a relação é interdependente. O atual presidente do Conselho Económico e Social e ex-ministro da Saúde, Correia de Campos, considerou ema entrevista ao programa ECO24 que baixar os preços sem falar antecipadamente com os prestadores era uma má decisão. Isto porque os prestadores de serviços através das convenções costumavam ser médicos particulares, mas agora são grandes hospitais e clínicas privadas na sua maioria. “São fortíssimos” na negociação, disse Correia de Campos.

? A ADSE arrisca-se a acabar?

A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) está ciente da importância dos seus serviços para os beneficiários da ADSE, que recorrem a eles com frequência devido às convenções existentes. Assim, em declarações recentes do seu dirigente, Óscar Gaspar, tem sido possível entrever a hipótese de a APHP rescindir as convenções, o que seria um forte golpe à ADSE, podendo levar a que os funcionários públicos beneficiários, que para ela contribuem 3,5% do seu salário todos os meses, desistissem do subsistema por não verem nele vantagem sobre o Serviço Nacional de Saúde.

Questionado a possibilidade do fim da ADSE, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, rejeitou comentar o que considerou um “disparate”. À margem das XXI Jornadas de Infecciologia, citado pela Lusa, o ministro afirmou: “Francamente, parece-me que se trata de tática negocial. Só poderemos avaliar o que acontece no final de fevereiro e ver o que está em cima da mesa em termos de negociação”, disse. E ainda acrescentou: “Alguns agentes, incompreensivelmente, procuram fazer a negociação pelos jornais. Não é correto, não faz sentido, mas é um direito que lhes assiste”.

Óscar Gaspar, da APHP, disse à Lusa: “Estamos a procurar soluções que permitem que os beneficiários da ADSE continuem a poder ter acesso, nas mesmas condições, aos nossos hospitais”, sublinhou. Segundo Óscar Gaspar, “pode haver soluções que permitam, ainda que não no regime convencionado, que os mesmos beneficiários tenham acesso à rede”. Sobre estas declarações, João Proença, dirigente do Conselho Geral e de Supervisão não escolheu palavras delicadas. “É completamente ridículo”, afirmou, falar da possibilidade de uma alternativa aos regimes convencionado e livre.

Falta saber se as tabelas, tal como estão neste momento, serão publicadas. Neste momento, a publicação cabe ao Conselho Diretivo, liderado por Carlos Liberato Baptista. A entrada em vigor estava prevista para 1 de março.

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