INE e Eurostat: Uma guerra de 365 dias

O INE e o Eurostat trocaram argumentos sobre como devia ser registada a recapitalização da Caixa nas contas públicas. A discussão tem cerca de um ano e acabou por vencer a tese o Eurostat.

Tudo começou há cerca de um ano, quando a Comissão Europeia deu o aval à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD). De lá para cá, o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Eurostat trocaram argumentos sobre como a operação devia ser registada no défice.

Em causa estava a injeção de capital no banco público de 3.944 milhões de euros, o equivalente a 2% do PIB. As dúvidas surgiram desde o início. Como registar esta operação? Toda no mesmo ano? Distribuir o valor pelos anos a que respeitam os prejuízos da CGD?

Hoje quando publicou a decisão final que elevou o défice de 2017 para 3% do PIB, o INE explicou que argumentos foram trocados e o contexto em que a decisão aconteceu.

“O registo em Contas Nacionais da operação de recapitalização da CGD é particularmente complexo. Como é do conhecimento público, a Comissão Europeia (DGComp) considerou que a referida recapitalização não constitui ajuda de Estado. Nessa decisão, é referido que a recapitalização da CGD é efetuada em circunstâncias semelhantes ao que seria exigido por um investidor privado”.

Explicado o enquadramento em que a operação aconteceu, o INE parte para as explicações sobre os argumentos de um lado e do outro. “Esta decisão, que introduz um elemento singular não previsto no Manual do Défice e Dívida das Administrações Públicas, gerou dúvidas quanto ao registo (parcial ou total) da componente pública da recapitalização como transferência de capital, com impacto negativo no saldo das Administrações Públicas, atendendo a que a CGD registou prejuízos nos últimos anos. Com efeito, a decisão indica que, fundadamente se espera que a recapitalização tenha natureza de um investimento financeiro.”

As dúvidas geraram um processo de diálogo que durou até agora e que pelo meio do processo obrigou a adiar a decisão para este mês.

“Neste processo de diálogo foram pesados argumentos de sentido diverso tendo em conta as regras estabelecidas no Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC2010), nomeadamente na interpretação dos parágrafos 20.198 e 20.199 do respetivo manual”, diz o INE.

O parágrafo 20.198, a alínea a) refere que “um pagamento para cobrir perdas acumuladas, excecionais ou futuras, ou efetuado para fins de política pública, é registado como uma transferência de capital. Perdas excecionais são perdas importantes registadas num período contabilístico, na contabilidade de uma sociedade, que decorrem geralmente de reavaliações em baixa de ativos da conta de património, de tal forma que a sociedade está sob ameaça de grave crise financeira (fundos próprios negativos, insolvência, etc.)”, apontando para o registo como transferência de capital. Ou seja, olhando apenas para esta regra a operação devia ser registada no défice.

Mas a alínea b) do mesmo artigo refere que “um pagamento efetuado em casos em que as administrações públicas agem como um acionista, já que têm a expectativa válida de uma taxa de rentabilidade suficiente sob a forma de dividendos ou ganhos de detenção, é uma aquisição de participações. A sociedade tem de gozar de uma larga margem de liberdade relativamente à forma como utiliza os fundos atribuídos. Quando os investidores privados são parte da injeção de capital, e as condições para os investidores do setor privado e das administrações públicas são idênticas, tal é uma prova de que o pagamento deverá ser uma aquisição de participações”, aponta para o registo como operação financeira. Se fosse esta a leitura que vingasse, então a operação não pesaria no défice.

Na informação publicada esta segunda-feira, o INE especifica o que quer dizer cada uma daquelas leituras. “O primeiro caso (a) corresponde ao caso geral em que as empresas públicas registam prejuízos por não estarem a operar em condições de mercado, nomeadamente por não praticarem preços que reflitam o valor económico dos serviços prestados, atuando, na maioria dos casos, como instrumentos de políticas públicas específicas (hospitais, empresas de transporte, …). O segundo caso (b) corresponde à situação em que o governo atua como qualquer acionista privado, tendo a perspetiva de obter uma taxa de retorno suficiente (precisamente conforme a qualificação do plano de recapitalização da CGD na decisão da DGComp).”

No entanto, a história das regras a observar na análise deste caso teve ainda em conta outra norma. “Adicionalmente, o parágrafo 20.199 estabelece que “em muitos casos, os pagamentos efetuados pelas unidades das administrações públicas às sociedades públicas destinam-se a compensar perdas passadas ou futuras. Os pagamentos das administrações públicas são tratados como aquisição de participações apenas se existirem elementos de prova suficientes quanto à rendibilidade futura da sociedade e à sua capacidade de pagar dividendos”.

Foi com base na análise destas duas regras que o INE defendeu que a operação não devia ter impacto no défice, devendo ser “registada como operação financeira”. A instituição liderada por Francisco Lima argumentou que “considerando que:

  • i) os prejuízos ocorreram numa conjuntura fortemente adversa para o setor bancário, tendo atingido outros importantes competidores privados do mercado em que a CGD opera que igualmente apresentaram prejuízos, não se tratando, em consequência, de uma característica específica da CGD enquanto empresa pública;
  • ii) a decisão da Comissão Europeia (DGComp) indica que existem expectativas fundamentadas para que a injeção de capital na CGD venha a gerar lucros em condições semelhantes às requeridas por investidores privados”.

Por outro lado, o Eurostat esgrimiu razões diferentes. “O Eurostat considerou porém, na sua apreciação final, que esta operação deve ser registada como transferência de capital com impacto no saldo da Administração Pública tendo como argumentos:

  • i) a decisão da Comissão Europeia de que a recapitalização não constitui ajuda de Estado não constituir um elemento decisivo para a análise estatística;
  • ii) não se poder considerar que os investidores privados e governo participaram em condições semelhantes na injeção de capital; e
  • iii) as perdas acumuladas da CGD, no período 2011-2016, superarem o montante das injeções de capital do Estado.”

Acabou por vingar esta interpretação das normas para o registo de operações no défice, “sem prejuízo de manter a discussão deste assunto no fórum de discussão permanente, existente no Sistema Estatístico Europeu, que aborda assuntos metodológicos, o INE decidiu aceitar esta apreciação final, tendo em conta as responsabilidades que, no plano institucional, cabem à Comissão Europeia (Eurostat) no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos”.

Na conferência de imprensa para reagir aos números do défice de 2017, o ministro das Finanças foi direto ao ponto. A decisão do Eurostat está “errada”.

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