Ministro da Saúde diz que problemas no setor são impossíveis de resolver em dois anos. Bastonário critica falta de investimento
O relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde diz que os hospitais estão “à beira de um ataque de nervos”.
O ministro da Saúde considerou esta terça-feira ser impossível resolver em dois anos os problemas acumulados no setor e questionou como se sentiriam os hospitais em 2012 se agora estão “à beira de um ataque de nervos”.
Adalberto Campos Fernandes falava aos jornalistas no final da apresentação, em Lisboa, do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que indica que os hospitais públicos ainda não saíram da crise económica e estão “à beira de um ataque de nervos”.
"Os cidadãos sabem que não passámos de dificuldades para o país das maravilhas. Há ainda dificuldades. Mas imagine o que seria em 2012, com menos oito mil profissionais, menos 700 milhões de euros de transferências correntes, menos mil milhões de euros de capital estatutário [de reforço nos hospitais públicos].”
O ministro vincou que o Governo “sempre tem dito” que está a trabalhar “ao ritmo que o país permite”. “Nós gostaríamos de resolver em dois anos os problemas acumulados há oito ou nove anos, mas não conseguimos, é impossível. Estamos a fazê-lo, com prudência”, declarou.
Campos Fernandes recordou, durante a apresentação do relatório, que Portugal viveu “quatro a cinco anos de privação extrema e humilhante para a soberania nacional” e considerou “insensato” julgar-se que em dois anos era possível “repor os défices de investimento que se acumularam” durante vários anos, estimando que sejam precisos entre seis ou sete anos de trabalho no setor da Saúde.
Questionado pela Lusa, o ministro admitiu que as críticas feitas sobre o setor estejam relacionadas com a expectativa que se criou com o atual Governo, em funções há mais de dois anos.
"Quando se faz política pensando no curto prazo não se serve o país. É preferível que os governos tenham ciclos de menos popularidade e até de alguma incompreensão, mas que fixem o seu pensamento no médio e longo prazo.”
O ministro aludiu ainda ao relatório sobre o acesso ao Serviço Nacional de Saúde em 2017 para sublinhar que “o SNS estava melhor em 2017 do que em 2016 e 2015”. Mais profissionais, mais acesso ao medicamento, mais cirurgias e consultas ou “a maior vaga de investimento em curso” é o cenário traçado por Campos Ferreira em relação aos dois anos de governação.
Sobre o Relatório de primavera de 2018 do Observatório dos Sistemas de Saúde, o ministro considerou-o “não uma fotografia, mas um filme”, entendendo que quando se analisa a fotografia do setor é preciso ver como estava há dois, três ou quatro anos.
Ainda assim, saudou o documento, sobretudo por “ter uma aproximação científica aos problemas” e considerou mesmo que é um relatório “que apetece ler”.
O Relatório de primavera 2018, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), hoje divulgado, diz que os hospitais públicos estão endividados e “à beira de um ataque de nervos” e continuam marcados pela intervenção da ‘troika’, apesar de o país já não se encontrar sob intervenção externa.
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde.
Para o Bastonário, o relatório dá razão aos parceiros
O bastonário da Ordem dos Médicos considera que o Relatório de primavera 2018, que aponta diversas lacunas ao nível da saúde, veio apenas demonstrar o que tem sido referido pelos parceiros do setor sobre a falta de investimento no setor.
“O relatório vem apenas demonstrar o que tem sido referido por diversas vezes pelos parceiros sociais da saúde”, disse Miguel Guimarães, dando como exemplo os hospitais, que estão, segundo o documento, “à beira de um ataque de nervos” por causa das dificuldades de tesouraria.
“Os hospitais têm um problema muito grande ainda não resolvido. Diz o relatório que estão à beira de um ataque de nervos e é verdade, estão suborçamentados e é verdade”, afirmou o bastonário, exemplificando: “Hoje, uma direção num hospital sabe que vai ter dinheiro para pagar aos recursos humanos até ao fim do ano, mas sabe que, à partida, não vai ter dinheiro a partir de determinado mês (junho/julho) de pagar os medicamentos”.
"Isto fora todas as outras coisas (…) [os hospitais] não têm capacidade da renovar equipamento, não têm capacidade para fazer contratações nem para ter flexibilidade na gestão. Estão completamente aprisionados pelas ARS [administrações regionais de saúde], as ARS estão aprisionadas pelo Ministério da Saúde e o Ministério da Saúde está totalmente aprisionado pelo Ministério das Finanças.”
“É uma situação grave e que não permite aos hospitais como um todo darem a resposta adequada às necessidades que os doentes têm e à variabilidade que pode acontecer na capacidade de resposta”, afirma Miguel Guimarães. O bastonário diz ainda que “quanto mais longe do poder central mais este efeito se nota”.
“As direções dos hospitais mais centrais dialogam diretamente com o Ministério da Saúde, mas os que estão mais longe não”, afirmou, sublinhando: “Não se compreende que não haja mais investimento na saúde. O Serviço Nacional de Saúde está a afundar-se”.
Outras das questões apontadas no Relatório de primavera têm que ver com o facto de as nomeações dos conselhos de administração dos hospitais continuarem a ser políticas e com a falta de uma reforma hospitalar efetiva.
A este respeito, Miguel Guimarães lembra que “a avaliação do desempenho do que é a atividade dos hospitais nunca chegou a avançar”, lembrando o grupo criado para o efeito, mas que nunca apresentou resultados.
“Se a reforma dos Cuidados de Saúde primários ficou congelada, a reforma hospitalar nunca chegou a avançar (…). Não há perspetivas, não há uma ideia nova, não há discussão e isto tem de mudar”, acrescentou.
Sobre o recurso às cesarianas, que o relatório do OPSS diz ter atingido “proporções epidémicas” nos últimos 20 anos em Portugal, o bastonário da Ordem dos Médicos defende que a questão está centrada na literacia em saúde.
“A educação para a saúde é fundamental”, alerta Miguel Guimarães, sublinhando que só com melhor informação e com medidas de saúde pública que façam chegar a informação às grávidas, dizendo que é muito melhor para a sua saúde ter um parto normal do que uma cesariana, é que a questão se pode minorar.
O bastonário recorda a taxa de cesariana no setor privado, que é o dobro da do público e ultrapassa já os 60%, e defende que, neste caso, “o Governo não tem feito nada para corrigir a situação”.
"O Ministério da Saúde tem de ter o ponto de situação dos profissionais que trabalham no setor privado e social, como estão distribuídos e o que fazem (…). O ministro não é ministro do Serviço Nacional de Saúde, mas sim ministro da Saúde. É responsável pela política do SNS, mas também tem responsabilidades de regulação do setor privado e social”
Para o bastonário, “a política de saúde está a ser desastrosa para o SNS e, se não acautelarmos a situação, valorizando a saúde dos portugueses e passando a ver a saúde como um investimento e não como uma despesa (…) o SNS fica descaracterizado”.
“Se isto não acontecer, o que tem sido caracterizado como uma as principais conquistas da democracia, a par da liberdade de expressão, fica seriamente afetada”, concluiu.
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