Economist mais pessimista que Governo no défice e no crescimento. Eleições provocam “ligeira derrapagem”
O ECO teve acesso a uma parte do relatório da Economist Intelligence Unit sobre Portugal e conversou com a economista da unidade de análise da revista britânica The Economist sobre o Orçamento.
“Este ano esperamos que o défice se reduza para 1% do PIB, um pouco mais elevado do que o objetivo revisto do Governo de 0,7%“, defende a The Economist Intelligence Unit (EIU) no seu último relatório sobre Portugal. E porquê? “Devido ao abrandamento do crescimento e a uma ligeira derrapagem orçamental, dada a aproximação das eleições de 2019”, justifica a unidade de análise económica da revista britânica The Economist.
Em 2017 Portugal teve um défice das contas públicas de 3% do PIB, porque foi obrigado por Bruxelas a registar nesse ano a totalidade da operação de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Se essa operação extraordinária não for tida em conta, então o défice orçamental de 2017 foi de 1%. De acordo com as previsões do Governo, este ano o défice deverá descer para 0,7%, mas a EIU é mais pessimista que o Governo e antecipa que o indicador ficará, este ano, em 1%. Mas o cenário tende a piorar, segundo a EIU.
“A partir de 2019, esperamos que o défice se agrave gradualmente até atingir 2% em 2022, já que a despesa vai ser progressivamente flexibilizada e o crescimento da receita vai abrandar em linha com um crescimento mais moderado”, sublinha o documento.
“Nos primeiros dois anos o gap [entre as previsões do Governo e da EIU] é mais pequeno, mas a diferença é mais significativa para o final do horizonte já que o Governo aponta para um excedente e nós continuamos a prever um défice”, explicou ao ECO, Ana Luís Andrade, a analista da EIU que acompanha a economia nacional. Apesar de o défice previsto ser “pequeno”, a instituição considera que “num país como Portugal, a longo prazo, parece politicamente insustentável ter excedente das contas públicas, porque isso significaria também um excedente primário de 4% do PIB”, justifica a economista.
Continuamos a achar que, num país como Portugal, a longo prazo, parece politicamente insustentável ter excedente das contas públicas, porque isso significaria também um excedente primário de 4% do PIB.
Mas não é ao nível do défice que a EIU diverge das previsões do Governo. Também em termos de PIB e de dívida pública. Depois do crescimento de 2,7% em 2017, a EIU aponta para um crescimento de 2,3% este ano e depois uma “média anual de expansão de 1,6% entre 2019 e 2022, sobretudo devido ao consumo privado e ao investimento em capital fixo”. “Prevemos que o crescimento real da economia baixe para 1,3%, em 2020, bastante abaixo dos 2% do Governo e depois continua em 1,5% e 1,6%, em 2021 e 2022, respetivamente”, sublinha Ana Luís Andrade.
Para a economista, o problema não reside tanto na economia nacional “em si, apesar de haver algumas limitações”, “mas também da desaceleração da economia global“, da subida das taxas de juro — que a EIU antecipa para 2019-2020 –, e dos preços do petróleo.
Mas apesar do abrandamento do crescimento, a EIU está confiante na trajetória descendente da dívida. “Depois do pico de 130,6% do PIB, em 2014, a dívida vai descer para cerca de 114% do PIB em 2022 dada a contenção orçamental — incluindo excedentes orçamentais primários superiores a 2% do PIB — e um sólido crescimento nominal do PIB”, frisa o relatório.
“Não vemos nenhuma razão pela qual o Orçamento não passe este ano”
Esta contenção orçamental tem tornado “a situação do défice de investimento público cada vez mais evidente“, afirma Ana Luís Andrade. Mas quando questionada se o ministro das Finanças, Mário Centeno, vai continuar a travar o investimento para garantir um controlo das contas públicas, a analista frisa que a EIU não comenta opções políticas. “Constatamos que há um défice a este nível, que as pressões orçamentais este ano e nos próximos vão continuar, especialmente sendo esta uma fase de expansão económica, o que implica que as probabilidades de se conseguir um excedente orçamental sejam mais limitadas”, defende.
O PS tem, neste momento, a força parlamentar e das sondagens para continuar a defender a consolidação das finanças públicas. A questão é até que ponto.
Ainda assim, Ana Luís Andrade rejeita que as negociações do Orçamento do Estado para 2019 venham complicar a trajetória de consolidação das contas públicas. “O PS tem, neste momento, a força parlamentar e das sondagens para continuar a defender a consolidação das finanças públicas. A questão é até que ponto. O excedente já nos parece um bocado demasiado, mas acho que, por agora, ele tem esse espaço de manobra“, afirma.
Para a analista “é normal” que “as negociações se intensifiquem”. Além disso, a instituição não considera que este seja o Orçamento mais difícil: “O de 2018 era o mais difícil”. “Esta retórica por parte dos partidos pode ser um pouco mais radical, por causa do posicionamento pré-eleitoral. E sabemos que os salários dos professores e os gastos na saúde vão estar no centro do debate, mas não vemos nenhuma razão pela qual o Orçamento não passe este ano“, defende. E porquê? “Porque os eleitores de esquerda parecem estar contentes com a geringonça e se o PCP ou o Bloco de Esquerda agora provocarem uma crise e retirarem o seu apoio vão ser responsabilizados pela queda do Governo e pelo aumento da instabilidade política e esse é um risco que não me parece que estejam dispostos a correr”, justifica Ana Luís Andrade.
António Costa vai vencer as eleições
“Normal” é também a aproximação entre o primeiro-ministro, António Costa, e o novo líder do principal partido da oposição, Rui Rio. “Este tipo de aproximação é natural, nem que seja por um tipo de compensação, porque as relações” entre António Costa e Pedro Passos Coelho eram “muito antagónicas” e o “novo líder está mais disposto ao diálogo”. Mas isto não significa uma mudança.
“A nossa previsão é que o PS vai ganhar as eleições, a não ser que algo de muito inesperado aconteça”, diz Ana Luís Andrade. “É incerto se o PS ganha a maioria absoluta, mas se não conseguir vai tentar encontrar uma solução à esquerda”, vaticina, apontando as diversas razões pelas quais antecipa que será assim.
A nossa previsão é que o PS vai ganhar as eleições, a não ser que algo de muito inesperado aconteça.
“O PSD está demasiado dividido para ser um parceiro de confiança; a maioria do eleitorado português é historicamente de centro esquerda e ao buscar um apoio à esquerda o PS garante o apoio do eleitores moderados e mais à esquerda e, na nossa opinião, a popularidade de António Costa também vem muito das suas capacidades de negociação e do feito, sem precedentes, que conseguiu alcançar. Mas, claro, também tem tudo a ver com a expansão da economia, devolução de salários, etc…”, elenca. “Acreditamos que António Costa vai tentar manter essas características na próxima legislatura”.
Para a analista também “é incerto” o tipo de acordo que “vai ser possível”. “Não há tanto espaço para acordos como em 2015, quando os objetivos eram claros e bastante fortes. Pode haver um acordo baseado em princípios gerais, mas isto tudo vai depender de quão forte vai sair o PS das eleições”, acrescenta.
A possibilidade de o Bloco de Esquerda vir a formar uma coligação com o Governo é para a EIU “muito improvável”, porque “as diferenças são demasiado grandes e fundamentais e o BE não iria entrar num Governo onde as contenções orçamentais fossem tão elevadas”. Mas “o espaço para negociações é bastante mais amplo com o Bloco de Esquerda” do que com o PCP, reconhece Ana Luís Andrade, não só “por causa de uma mudança do Bloco em si, que se quis apresentar como força de Governo”, mas “porque o PCP parece ainda estar noutra retórica”. Pensamos que pelo menos com o BE o PS vai tentar alcançar um acordo.
Quando ao desempenho da direita, a EIU considera que o PSD “vai continuar a liderar o centro direita”, mas sem grandes ganhos. “Ainda temos um ano até às eleições, mas não me parece que algo consiga mudar significativamente para ultrapassar o PS, devido às divisões no partido”, sublinha Ana Luís Andrade. Já “a performance do CDS vai depender muito da performance do PSD”, acrescenta.
Problemas na banca não são um capítulo encerrado
Além da macroeconomia e da política, a EIU também está de olho na banca. “O setor financeiro e bancário não é de todo um capítulo encerrado e para nós continua a ser um dos riscos mais acentuados para a economia de Portugal”, afirma Ana Luís Andrade. A analista da EIU reconhece que houve no país “uma melhoria muito, muito impressionante”, mas Portugal ainda não está livre de perigo, sobretudo devido ao elevado nível de crédito malparado (non performing loans, NPL).
O setor financeiro e bancário não é de todo um capítulo encerrado e para nós continua a ser um dos riscos mais acentuados para a economia de Portugal.
“O contexto macroeconómico também ajuda bastante, com alguma correção dos desequilíbrios financeiros, ajuda os bancos a lidarem com os NPL e contribui para uma melhoria das margens de lucro. Também houve muito esforço feito em termos de governance e a desalavancagem em Portugal também tem sido muito significativa”, defende a analista, mas “Portugal continua com um nível de NLP muito elevado”. “É o terceiro maior a nível da zona euro, e o endividamento também é bastante elevado o que faz com que a economia portuguesa, num contexto de aumento das taxas de juro, ou de qualquer choque adverso, seja muito mais sensível e vemos isso como um maior risco a economia portuguesa”, conclui Ana Luís Andrade.
Entre os riscos está também a valorização do imobiliário que, apesar de não haver uma bolha a nível nacional, já apresenta “indícios a nível regional”, diz a analista, acrescentando que o fenómeno merece um estudo mais aprofundado.
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