Nova lei e precedentes devem ditar saída de Tomás Correia da Associação Mutualista Montepio

O ECO teve acesso ao decreto-lei que clarifica que o regulador já pode avaliar idoneidade de Tomás Correia. A ASF já avaliou casos idênticos no grupo Montepio que levaram à saída de gestores.

Tomás Correia entre José Almaça (ASF) e Vieira da Silva (ministro do Trabalho e Segurança Social)ECO

Afinal, o que é que o Governo clarifica no código das associações mutualistas e que obriga o regulador dos seguros a avaliar já a idoneidade de Tomás Correia?

O líder da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) foi condenado pelo Banco de Portugal e pode agora ter o seu lugar ameaçado. Não só porque vai ser submetido ao teste de idoneidade da Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) com as mesmas regras do setor segurador. Mas também porque em anteriores avaliações envolvendo visados no processo do Banco de Portugal que condenou Tomás Correia, o regulador chumbou os nomes. Há poucos dias, José Almaça já tinha deixado a dica: “O dr. Tomás Correia não é candidato nem presidente de uma seguradora. Se fosse de uma seguradora, falaríamos de outra maneira”. E agora, com a nova lei, já pode falar.

O ECO teve acesso ao decreto-lei aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministrosque já foi promulgado em tempo relâmpago pelo Presidente da República — e que coloca um ponto final no “jogo do empurra” entre Executivo e regulador na responsabilidade de examinar a idoneidade Tomás Correia que foi condenado pelo Banco de Portugal e vai agora apresentar recurso da decisão.

Além de deixar preto no branco que “o poder da ASF para analisar o sistema de governação das associações mutualistas sujeitas ao regime de supervisão abrange a competência para verificar a adequação, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade, a qualificação profissional, a independência, a disponibilidade e a capacidade, e assegurar o registo das pessoas que exercem funções de responsabilidade e fiscalização nas referidas associações mutualistas”, o Governo mantém que essa avaliação será “por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador“.

Ou seja, a ASF terá de aplicar já às mutualistas (e a Tomás Correia) as mesmas regras de avaliação de idoneidade que estão previstas de no regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora.

"Analisar o sistema de governação, designadamente verificando a adequação e assegurando o registo das pessoas que dirigem efetivamente as associações mutualistas, as fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência, disponibilidade e capacidade, bem como os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador.”

Alínea f) do n.º 5 do artigo 6

Código das Associações Mutualistas

A ideia de que será o regime aplicado ao setor segurador a ditar a regras nas mutualistas também na questão da idoneidade tinha sido transmitida há poucos dias pelo presidente do regulador. Isto abre praticamente a porta à saída de Tomás Correia da liderança da maior mutualista do país, com mais de 600 mil associados e três mil milhões de euros de poupanças sob gestão, sobretudo tendo em conta os vários precedentes que José Almaça teve oportunidade de revelar quando foi chamado esta semana ao Parlamento.

Almaça revelou que por causa do processo de contraordenação do Banco de Portugal, que visou não só Tomás Correia mas também outros antigos administradores da Caixa Económica Montepio Geral (hoje em dia Banco Montepio), a ASF não aceitou “duas pessoas” para cargos em seguradoras nos últimos três anos.

Também disse aos deputados que a ASF chegou a registar mais um candidato que não tinha conhecimento de que estava a ser investigado pelo Banco de Portugal, mas referiu que o caso “já está tratado”. “Já dissemos à Associação Mutualista que, na renovação, tinha de sair, que não continuaríamos a registá-lo”, notou, sem referir o nome.

Eduardo Farinha lidera a seguradora Lusitania, da AMMG, sendo que é um dos oito nomes condenados pelo Banco de Portugal na contraordenação que inclui Tomás Correia. Os órgãos sociais da Lusitania terminam o mandato este ano.

O que muda?

O decreto-lei a que o ECO teve acesso procede à “interpretação autêntica da alínea f) do n.º 5 do artigo 6” do código das associações mutualistas que entrou em vigor em setembro passado.

Com esta “interpretação autêntica”, o Governo pretende que nova norma tenha efeitos retroativos e se aplique a factos passados, dado que se limitou a esclarecer o sentido de uma norma anterior — quando os órgãos sociais da AMMG tomaram posse no início deste ano, já o novo código das mutualistas se encontrava em vigor.

Foi esta alínea f) do n.º 5 do artigo 6 que esteve no meio da guerra de comunicados e declarações entre Vieira da Silva e José Almaça nos últimos dias, culminando agora na clarificação da lei para que a ASF não tenha qualquer “álibi” (palavras do primeiro-ministro há uma semana) e “fazer aquilo que realmente lhe compete, que “também é avaliar a idoneidade de quem gere as associações mutualistas e, no caso concreto, o dr. Tomás Correia”.

Entretanto, o Governo pediu um parecer jurídico ao Centro de Competências Jurídicas do Estado para perceber se a lei já dava margem para o regulador atuar e a conclusão dos juristas do Estado foi positiva: “É nosso parecer que a ASF pode verificar (analisar), desde já e durante o período de transição de 12 anos, a qualificação profissional das pessoas que na AMMG exercem funções de responsabilidade e fiscalização, a sua idoneidade profissional…” Agora com este decreto-lei o parecer surge como pouco producente.

Na anterior versão do Código das Associações, aquela alínea f) apenas deixava a sugestão de que a ASF poderia avaliar a idoneidade dos órgãos das mutualistas, não lhe atribuindo explicitamente esse poder, ao afirmar o seguinte:

  • f) Analisar o sistema de governação e os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador.

Agora, com o decreto-lei aprovado esta quinta-feira, o Governo densifica a respetiva alínea e concretiza aquilo que dantes parecia uma intenção:

  • f) Analisar o sistema de governação, designadamente verificando a adequação e assegurando o registo das pessoas que dirigem efetivamente as associações mutualistas, as fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência, disponibilidade e capacidade, bem como os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador.

Tomás Correia, que ainda na última reunião do Conselho Geral e de Supervisão passou uma mensagem de que iria continuar à frente dos destinos da maior mutualista do país, vai assim enfrentar um processo de adequação junto da ASF nos próximos tempos. Mas não é só ele.

Os outros membros da administração da AMMG também terão de ser registados pelo regulador dos seguros, sabendo-se que também há investigações em curso envolvendo outros administradores eleitos em dezembro.

(Esta sexta-feira foi publicado o decreto em Diário da República o Decreto Lei em questão. Pode consultar aqui)

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