Os grandes recuos na política nacional. Da TSU aos professores

Recuo, cedência ou travagem a fundo. As descrições são múltiplas para a posição assumida pela direita na questão dos professores. Esta é apenas a mais recente das reviravoltas das política portuguesa.

Recuo, cedência e travagem a fundo. Foram estas as palavras mais frequentes nas capas dos jornais desta segunda-feira para descrever a posição do PSD e do CDS sobre a recuperação do tempo de serviço dos professores. É que Rio e Cristas assumiram que não irão viabilizar essa contagem integral, se não for aprovado um travão financeiro, cedendo ao ultimato deixado pelo Executivo de António Costa.

Depois de o Parlamento ter aprovado a recuperação dos nove anos, quatro meses e dois dias “perdidos” pelos professores, o primeiro-ministro garantiu que se demitiria, caso a proposta chegasse a lei. A esquerda manteve-se firme, mas a direita acabou por frisar que só aprovaria a recuperação integral se fossem aprovadas certas condicionantes.

Este recuo pôs termo à crise política, dos últimos dias, mas constitui apenas a mais recente de uma longa série de outras reviravoltas que pontuaram a história política nacional.

  • 2019: Como a direita aprovou a recuperação integral do tempo dos professores… mas acabou por insistir num travão financeiro

Os deputados do PSD, CDS, BE e PCP aprovaram, na última semana, a recuperação integral do tempo de serviço dos professores, deixando pelo caminho os calendários propostos pela esquerda e as condicionantes financeiras defendidas pela direita.

Em reação, o primeiro-ministro ameaçou demitir-se, caso essa lei avançasse, considerando que tal medida “condicionaria de forma inadmissível a governação futura”. Perante esta crise política, a direita voltou a insistir na necessidade de deixar claro que a recuperação integral acontecerá de acordo com o crescimento económico, da sustentabilidade financeira, da negociação do estatuto da carreira dos docentes e do regime de aposentação e frisou que só votará favoravelmente a recuperação dos nove anos, quatro meses e dois dias congelados se for aprovada esta “salvaguarda financeira”.

O Bloco de Esquerda já fez saber que votará contra este “travão” proposto pela direita e o PCP não comenta. Resta agora saber qual será a posição do PS.

  • 2019: Como as PPP na saúde iam acabar… mas não têm fim à vista

Foi a 17 de abril que Moisés Ferreira anunciou o acordo do Bloco de Esquerda com o Governo para por fim às Parceiras Público Privadas (PPP) na saúde, no âmbito da nova Lei de Bases da Saúde. O Governo veio, contudo, contrariar rapidamente esse anúncio, garantindo que o que o BE chamava acordo era afinal apenas “documentos de trabalho”. O Expresso acabou, no entanto, por revelar um documento no qual a própria ministra da Saúde assinava as alterações como o fim das PPP.

“Posteriormente à distribuição dessa mesma versão, foi dito aos vários parceiros, incluindo o Bloco de Esquerda, que ela já não correspondia à última posição, desde logo assumida pelo PS em concertação com o Governo”, disse na ocasião o secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares.

De notar que nas propostas de alteração apresentadas pelos socialistas conta a limitação das PPP, mas não a sua eliminação, o que deixou em “choque” o Bloco de Esquerda e abriu caminho a uma aproximação à direita.

  • 2017: Como a CESE sobre as renováveis foi aprovada pelo PS… e chumbada pelo PS

Em 48 horas, muita água pode correr. Prova disso foram as posições assumidas pelos socialistas em relação à proposta bloquista para o alargamento às renováveis da Contribuição Extraordinária do Setor Energético (CESE), no âmbito do Orçamento do Estado para 2018. Os socialistas aprovaram na sexta-feira e chumbaram na segunda-feira. O travão foi decidido pelo próprio primeiro-ministro.

Os deputados do PS tinham indicação para votarem a favor a proposta do Bloco de Esquerda, uma vez que a medida não teria qualquer impacto orçamental (a receita resultante seria canalizada para abater o défice tarifário e baixar os preços da eletricidade), mas acabaram por recuar e chumbaram a iniciativa dos bloquistas.

De acordo com o Bloco de Esquerda, essa mudança de posição resultado de movimentações do setor, tendo o PS decidido avocar a proposta a nova votação, a pedido do Governo, chumbando o que tinham começado por aprovar. Na altura, o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis disse que “imperou o bom senso”. “Alguém no Governo deve ter feito as contas e percebeu que seria a morte” do setor das renováveis em Portugal”, disse.

  • 2017: Como o Infarmed ia para o Porto… mas não foi

Foi em novembro de 2017 que o Executivo de António Costa anunciou que a sede da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) iria passar para o Porto. A mudança já tinha até data marcada (janeiro de 2019), mas a quatro meses dessa transferência o Governo travou a fundo e atirou a decisão para uma nova comissão técnica independente para a descentralização.

Ainda que a Invicta não tivesse triunfado na corrida para receber a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), o primeiro-ministro confirmou que o plano de mudança do Infarmed para o Porto se mantinha. O Governo acabou, contudo, por traçar algumas linhas vermelhas que acabaram por condenar esta mudança de morada: a garantia de que a estabilidade do Infarmed não era posta em causa, e que a decisão não iria contra os direitos dos trabalhadores.

Este último ponto tornou-se particularmente sensível, face a uma sondagem interna que revelou fortes resistências dos trabalhadores a essa transferência, não estando mesmo disponíveis para essa deslocalização. Numa audição no Parlamento, a presidente do Infarmed frisou, além disso, que essa mudança poderia vir a ser “uma ameaça à saúde pública não só em Portugal como na Europa”.

Tudo somado, em setembro do ano passado, o ministro da Saúde acabou por passar a decisão para uma comissão para a descentralização. “A Assembleia da República está em condições, neste momento, de criar uma comissão que vai acompanhar as decisões ou recomendações de descentralização. Considerámos que não fazia sentido extrair o Infarmed deste processo”, disse Adalberto Campos Fernandes de modo a justificar a suspensão da decisão.

  • 2014: Como havia consenso sobre reforma do IRC… e o PS rompeu-o

A descida progressiva do IRC foi concertada em 2013 entre o PSD, CDS e PS (então liderado por António José Seguro), mas não sobreviveu ao Orçamento do Estado para 2015.

Já com António Costa como novo secretário-geral do PS, o partido rompeu esse pacto, propondo como alteração ao Orçamento em causa a eliminação da descida do IRC. Isto porque, defendia na altura, as “condições do acordo” não estavam a ser cumpridas, nomeadamente no que diz respeito ao IRS. “Não se coaduna com o acordo a que chegaram Governo e Partido Socialista, visto tratar-se de uma redução percentual não consentânea com a descida do IRS”, escreveu o PS, na ocasião, referindo que esse recuo beneficiaria principalmente as grandes empresas.

“Trata-se de uma proposta claramente impulsora de injustiça social, pois a evolução da situação económica e financeira do país deveria permitir uma reformulação simultânea dos regimes do IRS e do IRC”, justificou a bancada socialista.

2013: Como Portas se demitiu “irrevogavelmente”… mas ficou no Governo e foi promovido

Foi em julho de 2013 que Paulo Portas, então ministro dos Negócios Estrangeiros, apresentou o seu pedido de demissão “irrevogável” ao primeiro-ministro. Isto porque o então líder do CDS, e parceiro de coligação de Pedro Passos Coelho, queria apontar para a pasta das Finanças alguém capaz de operar uma verdadeira mudança política, mas o primeiro-ministro acabou por ser escolher Maria Luís Albuquerque. Para Portas, Albuquerque era depreciativamente “um Gaspar de saias”, o que o levou a pedir demissão.

“Em consequência, e tendo em atenção a importância decisiva do Ministério das Finanças, ficar no Governo seria um ato de dissimulação. Não é politicamente sustentável, nem é pessoalmente exigível“, escreveu Portas, na sua carta de demissão, que não foi aceite por Passos Coelho.

Passos Coelho obrigou o líder do CDS a conversar — estiveram reunidos duas vezes antes de chegarem a acordo, e fez da demissão irrevogável a subida de Paulo Portas à posição de vice-primeiro-ministro.

  • 2012: Como a TSU dos trabalhadores ia aumentar… mas ficou na mesma

Em setembro de 2012, o então primeiro-ministro Passos Coelho anunciou que a contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social iria subir de 11% para 18%, de modo a permitir o recuo da taxa social única (TSU) exigida às empresas de 23,5% para 18%. Apesar dos argumentos apresentados pelo então chefe do Executivo, a medida gerou fortes críticas, não só da oposição e dos sindicatos, mas também no seio da coligação governamental, com Paulo Portas a discordar frontalmente desta proposta.

Pedro Passos Coelho explicou, na altura, que a subida da TSU dos trabalhadores do setor privado e dos funcionários públicos serviria para melhorar a situação financeira das empresas e combater o crescimento do desemprego, mas a contestação não deu espaço para a concretização da medida. A social-democrata Manuela Ferreira Leite considerou que a iniciativa aumentaria “drasticamente” o desemprego e o centrista Paulo Portas (então apenas ministro dos Negócios Estrangeiros) disse não ter bloqueado a decisão para evitar uma crise nas negociações com a troika.

A 15 de setembro, de norte a sul do país, as ruas das principais cidades encheram-se de milhares de portugueses — Lisboa recebeu mesmo uma das maiores manifestações depois do 25 de abril — que quiseram mostrar ao Executivo que não estavam dispostos mais um sacrifício.

Entretanto, o Presidente da República convocou uma reunião do Conselho de Estado, durante a qual o Governo acabou por se mostrar disponível para “estudar alternativas” à alteração da TSU. Essa alternativa foi o “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar.

  • 2002: Como o choque fiscal de Barroso fica na gaveta

A campanha eleitoral de Durão Barroso tinha um grande mote: a promessa de um choque fiscal. A redução de impostos diretos sobre os lucros das empresas estimularia a atividade económica e atrairia mais investimento estrangeiro. Mas o dito choque nunca passou do programa eleitoral para o programa de Governo.

Luís Marques Mendes, o responsável pela elaboração do programa de campanha de Durão, recorda ao ECO como Manuela Ferreira Leite, escolhida para ministra das Finanças “discordava em absoluto da ideia”. Além disso, o Executivo de Barroso teve de lutar contra o monstro do défice que logo no seu primeiro ano já ia em 4%, pelo segundo ano consecutivo.

As críticas e os apelos para que Barroso concretizasse o choque fiscal não cessaram até porque o recuo foi óbvio. Até o presidente do conselho de administração da recém-criada Agência Portuguesa para o Investimento (API), Miguel Cadilhe, numa cerimónia no Porto, na presença do próprio primeiro-ministro, lembrou a Barroso que os investidores aguardavam o prometido choque fiscal. Mas ele nunca chegou.

  • 1997: Como um OE ditou a “pena máxima para a coleta mínima”

Uma das grandes alterações introduzidas pelo Governo de António Guterres e do seu ministro das Finanças, Sousa Franco, foi a criação da coleta mínima. Um precursor do Pagamento Especial por Conta — que é calculado a partir de uma percentagem do volume de negócios relativo ao exercício económico anterior (havendo limites mínimos e máximos fixados e alterados pelos sucessivos governos da República ao longo dos últimos vinte anos) –, que fez parte do panorama fiscal português desde 1998 e a que António Costa pôs fim definitivamente no Orçamento do Estado para 2019.

Mas para ver aprovado o Orçamento do Estado para 1998, Guterres, que tinha um Governo minoritário, teve de fazer um acordo com o líder do maior partido da oposição, Marcelo Rebelo de Sousa. A contrapartida era abrir mão da coleta mínima. O PSD tinha inclusivamente um slogan para a campanha: “Pena máxima para a coleta mínima”. Guterres teve de convencer Sousa Franco, mas o Governo acabou por recuar na medida.

  • 1994: Como o buzinão na ponte 25 de abril travou as portagens

Em junho de 1994 Governo de Cavaco Silva decidiu avançar com um aumento de 50% no preço das portagens. Os 100 escudos [o equivalente a 50 cêntimos] que eram cobrados foram agravados para 150. A medida foi altamente contestada, apesar das diversas tentativas do ministro Joaquim Ferreira do Amaral para explicar a necessidade e a virtude desta iniciativa, alegando que a verba seria usada para construir uma nova travessia.

Nada conseguiu travar um longo buzinão que haveria de culminar com um bloqueio da ponte por camionistas. Tudo começou a 21 de junho de 1994 e foram três longos dias de buzinadelas e de condutores pagar as portagens com as moedas mais pequenas ou as notas maiores que tinham. Cavaco estava numa cimeira europeia em Corfu e foi Fernando Nogueira que enfrentou a fúria dos manifestante que teve três desfechos: Cavaco acabou por recuar na medida, um jovem ficou paralisada devido a uma bala perdida, no esforço das autoridades de segurança em dispersar os manifestantes e, no ano seguinte, Cavaco perdeu as eleições dando lugar a António Guterres.

  • 1993: Como Cavaco não deu tolerância de ponto no Carnaval

A primeira vez que um Governo em Portugal não concedeu a tradicional tolerância de ponto na terça-feira de Carnaval foi em 1993. Era, então, Cavaco Silva o primeiro-ministro. A medida altamente impopular e desaconselhada por muitos, mesmo no seio do próprio Executivo, foi justificada pelo chefe de Governo pelo “interesse nacional” e porque era importante “difundir aos portugueses a mensagem de que era com trabalho, e não com facilidades, que poderíamos vencer as dificuldades”, recorda um colaborador do ex-ministro e ex-Presidente da República, citado pelo Sol.

A medida gerou muita celeuma e houve até mesmo quem faltasse ao trabalho como forma de protesto. Cavaco “fez a avaliação da situação, que não fazia sentido e depois recuou”, contou, ao ECO, Luís Marques Mendes que foi ministro-adjunto de Cavaco. O próprio Cavaco Silva reconheceu anos mais tarde que essa decisão foi um erro. “Em fevereiro de 1993, cometi o erro político de não assinar o despacho que concedia aos funcionários públicos tolerância de ponto na terça-feira de Carnaval”, escreveu Cavaco no segundo volume da sua autobiografia política.

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