Crédito para comprar ações? “Risco é definido pelo acionista” da CGD, diz antigo vice-governador do Banco de Portugal

Antigo vice-governador diz que Banco de Portugal foi a única instituição a pedir um reforço das imparidades para o crédito em incumprimento à CGD, isto apesar de ser apenas a "quarta linha de defesa".

O antigo vice-governador do Banco de Portugal afirmou no Parlamento que o supervisor obrigou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a reforçar o registo de imparidades em 2011 quando o risco de incumprimento dos créditos se tornou “materialmente visível”. Pedro Duarte Neves adiantou ainda que foi a única instituição a forçar a um aumento das imparidades no banco público, isto apesar de ser apenas “quarta linha de defesa”.

Pedro Duarte Neves, ouvido na II comissão de inquérito à recapitalização da CGD e aos atos de gestão, referiu esta quarta-feira que há outras três linhas de defesa antes do Banco de Portugal que nunca vieram a determinar mais imparidades até 2011, ano em que o supervisor realizou uma inspeção aos créditos garantidos por ações. Na sequência desta ação, o banco público veio a reforçar o seu capital em 1.650 milhões de euros em junho de 2012.

“Uma instituição tem várias linhas de defesa: a primeira é o conselho de administração, a segunda são os órgãos de fiscalização, a terceira são os auditores externos, e a quarta é o Banco de Portugal”, declarou o antigo vice-governador que foi responsável direto pela supervisão bancária entre junho de 2006 até ao início do funcionamento do Mecanismo Único de Supervisão do Banco Central Europeu.

“Não tenho razão nenhuma para dizer que as imparidades estavam mal avaliadas. (…) Não tenho evidência de que as imparidades deviam ter sido calculadas antes. O que o Banco de Portugal fez foi pedir uma abordagem mais prudente, o que levou a registo de imparidades adicionais”, acrescentou mais tarde. O responsável citou mesmo um relatório da auditoria interna sobre as contas de 2009, que dizia que a informação que constava naquelas contas era “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”. “Seis adjetivos que são usados para atestar a validade das imparidades”, disse.

Além destas linhas de defesa, o ex-vice-governador também sublinhou a ausência do acionista Estado neste processo. “O acionista tem de saber como as decisões são tomadas”, frisou.

Numa anterior audição, Vítor Constâncio disse que não era ele o responsável pela supervisão, tendo ficado com o pelouro da política monetária durante o seu mandato, e foi esta a razão pela qual os deputados quiseram ouvir Pedro Duarte Neves sobre a atuação da supervisão em relação à Caixa.

Grande parte da audição foi marcada pelo tema das imparidades, se foram ou não registadas no devido tempo. Pedro Duarte Neves diz que a “Caixa sabia que tinha um problema de registo de imparidades” nos créditos concedidos para comprar ações em 2009. E o problema era este: as ações tinham sido dadas como garantia, mas já não valiam tanto naquela data.

Por causa disso, houve reunião em que participaram Vítor Constâncio e Faria de Oliveira (então presidente do banco) e este o tema foi abordado, contou Pedro Duarte Neves. Em causa estavam créditos de Joe Berardo, Manuel Fino e Goes Ferreira. Constâncio disse na sua audição não se lembrar dos problemas dos grandes empréstimos da Caixa.

Financiamentos de ações “eram mais do que gostaríamos”

Sobre a distância temporal entre a data em que as garantias desvalorizaram e o pedido de reforço de imparidades para crédito, Pedro Duarte Neves explicou que “o cálculo de imparidades não é uma ciência fácil”.

Argumentou que o facto de haver uma desvalorização da garantia isso não implica necessariamente que o banco tenha de registar imparidades. Isto porque o banco pode exigir um reforço das garantias ou pode considerar que a condição financeira do devedor é favorável, e por isso não dá o crédito como perdido, explicou o antigo vice-governador do Banco de Portugal. E foi só quando se tornou “materialmente visível” a necessidade de haver mais imparidades é que o supervisor assim o determinou.

Ainda assim, Pedro Duarte Neves desabafou que os créditos que tinham ações como garantia eram “muito mais do que gostaríamos”. “Hoje diria que todos” eram demais, admitiu mais tarde, quando o deputado do PCP Paulo Sá lhe pediu para explicar a declaração.

Já no final da audição, o deputado socialista Carlos Pereira confrontou Pedro Duarte Neves com o facto de o Banco de Portugal nada ter feito para ter impedido que a Caixa financiasse a compra de ações.

“Os governadores do Banco de Portugal ambos disseram que o risco de uma instituição é definido pelo acionista. As decisões são do conselho de administração de acordo com o perfil de risco que acordado com o acionista da instituição. Uma coisa é ter dez acionistas divididos numa instituição, outra coisa é termos dois ou até um acionista. Essa política é acertada com o acionista“, referiu o antigo vice-governador. O acionista é o Estado, com o banco a ser tutelado diretamente pelo Ministério das Finanças.

(Notícia atualizada às 21h47)

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