Governo diz que falta mão-de-obra “em praticamente todos os setores e em todas as regiões”

O secretário de Estado João Correia Neves considera que a falta de mão-de-obra é "transversal". O Tech Visa quer colmatar a escassez de profissionais e, desde janeiro, já há 70 decisões favoráveis.

“Atualmente precisamos de mão-de-obra em praticamente todos os setores e em todas as regiões do país”. O diagnóstico é feito pelo secretário de Estado da Economia, João Correia Neves, em entrevista ao ECO. A necessidade de mão-de-obra que hoje existe em Portugal está a obrigar o mercado de trabalho a ajustar-se, recorrendo a imigrantes ou a portugueses que outrora tiveram de emigrar, acrescenta.

“Temos de procurar mão-de-obra que corresponda às nossas atuais necessidades”, sublinha o responsável.

A necessidade de ir buscar talento lá fora é justificada por João Correia Neves com o contexto económico. “Estamos numa situação muito diferente da que estávamos há uns anos. Fruto da crise económica, tivemos níveis de desemprego muito elevados e níveis de migração de talento também muito altos”, começa por explicar. “Nestes últimos anos, temos tido a capacidade — em função do investimento das empresas — de criar postos de trabalho que fizeram diminuir fortemente a taxa de desemprego“, continua, salientando que os níveis de desemprego se aproximam agora de “níveis naturais“.

Neste cenário, o secretário de Estado da Economia diz que a escassez de mão-de-obra que Portugal enfrenta atualmente não se compara com as necessidades “de há três ou quatro anos, porque o mercado de trabalho, nessa altura, tinha muita gente disponível para trabalhar”. Agora, com menos profissionais disponíveis, a escassez é “transversal” a quase todos os setores e regiões.

No terreno, o problema é identificado em vários quadrantes. Esta quarta-feira, Bruxelas relembrou que os trabalhadores portugueses têm sido um obstáculo ao crescimento do investimento e da produtividade. “A baixa disponibilidade de trabalhadores com competências é um obstáculo importante”, explica a Comissão Europeia nas recomendações específicas para Portugal, no âmbito do semestre europeu.

Bruxelas considera que Portugal precisa de apostar na formação de adultos e de alargar os incentivos públicos atribuídos às pequenas e médias empresas que formem os seus colaboradores, nomeadamente reforçando a literacia digital. “O investimento na educação e na formação, incluindo nas infraestruturas, é uma das chaves para melhorar a empregabilidade e a mobilidade social”, refere, salientando que aumentar o número de licenciados deve ser, também, uma prioridade, particularmente nas áreas da ciência e das tecnologias da informação.

Quem partilha da mesma opinião é a PwC, que, através de um estudo, revelou que a captação de talento é a principal preocupação dos empresários e dos gestores portugueses. Segundo a consultora, a falta de competências essenciais afeta o processo de inovação, tende a aumentar os custos com o pessoal e pode pôr em causa a qualidade ou experiência do cliente.

Para João Correia Neves faltam, sobretudo, profissionais qualificados. Por exemplo, na área da tecnologia, são vários os que são abordados diariamente por empregadores que lhes apresentam novas oportunidades de trabalho.

Tech Visa: “Já há 70 decisões favoráveis”

O programa Tech Visa, que entrou em vigor em janeiro e está inserido no pacote das 19 medidas anunciadas em julho pelo Governo para acelerar o crescimento, foi precisamente criado a pensar na atração e importação de talento. Anunciado por Manuel Caldeira Cabral, ex-ministro da Economia do atual Governo, como sendo um programa dirigido a grandes empresas, especialmente da área da tecnologia, e que possibilitaria a vinda “de quadros altamente qualificados para Portugal de uma forma mais aberta e mais simplificada”, os resultados do Tech Visa têm correspondido às expectativas do Executivo.

“Aquilo que nos levou a fazer este programa parece bater muito certo com aquilo que tem sido a procura. Já há 70 decisões favoráveis em termos de empresas certificadas”, avança o secretário de Estado da Economia. “Temos uma procura para este tipo de programa já muito significativo”, continua, acrescentando que a expectativa é que os números continuem a crescer “de forma significativa”.

Para atenuar o problema de falta de mão-de-obra que o país enfrenta, o Executivo tem recorrido a programas de importação de talento e de qualificação de ativos.

Crescimento esse que poderá ser suportado pela alteração que o programa sofreu no passado mês de abril, no sentido de alargamento daquilo que são as possibilidades de acesso ao Tech Visa. “Antes, o programa estava muito centrado nas empresas mais tecnológicas”, agora foi alargado às empresas de todos os ramos de atividade.

“Estamos, agora, a dar a possibilidade às empresas, independentemente do setor, de irem buscar os recursos, do ponto de vista das qualificações, que necessitam para a sua evolução”, afirma. Ainda assim, a maioria das empresa que concorre ao Tech Visa continua a ser proveniente da área tecnológica. “É normal. O sistema estava muito centrado nas empresas de base tecnológica. [É uma tendência] que se vai manter durante algum tempo”, refere o secretário de Estado, acrescentando que 93% das áreas de formação dos profissionais abrangidos pelo Tech Visa correspondem às ciências informáticas.

E atrair talento para Portugal é, para João Correia Neves, mais fácil do que para outros países. “Temos um sex apeale muito forte”, diz, acrescentando que Portugal tem “condições que outros países não conseguem oferecer: segurança, boa qualidade de vida e uma relação com o ambiente muito favorável”.

Condições essas que o secretário de Estado acredita ultrapassarem mesmo aquilo que são as limitações ao nível fiscal, uma das queixas dos empregadores portugueses que querem recrutar profissionais estrangeiros. João Correia Neves admite que Portugal tem tido “limitações naquilo que são os sistemas normais, como conceção de vistos”, contudo, explica essa barreira com a “dimensão de proteção das comunidades”. “Não podemos ignorar que, em muitos países, há e continua a haver problemas de segurança. Não podemos facilitar aquilo que é a dimensão de segurança e de análise de quem solicita vistos de residência e de trabalho em Portugal”, justifica.

Por outro lado, o secretário de Estado admite que a vinda de pessoas de um país estrangeiro “não é um processo fácil”. “Não é algo que se faça com um estalar de dedos. É importante que haja uma espécie de passar de boca sobre a boa receção que as pessoas têm em Portugal e sobre a boa integração nas empresas”, defende.

Mas, se por um lado, importar talento é uma das formas de colmatar a necessidade de mão-de-obra, por outro lado, qualificar a população portuguesa é, também, uma das prioridades. “Obviamente que gostaríamos de poder atrair pessoas mais qualificadas para as funções que necessitamos”, refere, acrescentando que o Governo tem investido na possibilidade de melhorar as qualificações, “quer das pessoas que ainda estão no início do seu percurso de vida, quer na qualificação de ativos”. Programas como o Qualifica — que visam melhorar os níveis de educação e formação da população portuguesa — são exemplo disso mesmo.

Escassez na construção civil? Sim, mas de qualificações “específicas”

Com a nova vaga de obras públicas que se aproxima, o setor da construção — que nos últimos dez anos perdeu perto de 26 mil trabalhadores e 37 mil empresas — tem reclamado a criação de um ‘visto gold’ para esta área. Mas João Correia Neves nega que o problema da falta de mão-de-obra se concentre neste setor. Ainda assim, o secretário de Estado admite que faltam profissionais na construção civil, mas, sobretudo, profissionais com qualificações “específicas”.

A construção é um setor com “muitos ciclos que resultam de grandes obras”, o que “determina um ajustamento entre a oferta e a procura no mercado de trabalho muito distinta”. “O mercado da construção mudou muito. Durante a crise, o investimento público decresceu de uma forma muito abrupta e, portanto, as empresas ajustaram-se, tanto na procura de mercados alternativos como nos próprios modelos de negócios”, explica.

“Temos vindo a verificar que há novas abordagens do ponto de vista do negócio. A atividade de reconstrução e de reabilitação de obras é, hoje, muito mais importante do que era no passado”, continua. “Em vez de promovermos nova construção, estamos a apostar na reabilitação do edificado que temos e, evidentemente, fazemos a construção em função das novas necessidades que temos”, acrescenta João Correia Neves.

Fator que, para o secretário de Estado, ajuda a explicar a escassez de mão-de-obra na construção. “No passado, para as grandes obras públicas, nós precisávamos de pessoas com características diferentes do que aquelas que precisamos para a necessidade de reabilitação. Podemos dizer que são todos pedreiros, mas as pessoas, do ponto de vista das qualificações, são distintas”, diz.

Do lado das empresas de construção civil, há mais de um ano que têm chegado alertas que dão conta da falta de operários, mesmo de trabalhadores não qualificados. De acordo com o Diário de Notícias (acesso livre), faltam mais de 60 mil operários, entre os quais pedreiros, carpinteiros, trolhas, pintores, chefes de equipa e trabalhadores não qualificados.

Perante a escassez que se vive nesta área, os sindicatos asseguram que há “milhares de reformados a trabalharem clandestinamente” na reabilitação urbana. A desregulação do setor tem sido, precisamente, a principal crítica da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), que considera que leva à proliferação clandestina e ao comprometimento da segurança pública.

Frente ao problema, as empresas consideram que a solução pode estar na criação de um regime excecional de mobilidade transnacional que permitisse às construtoras trazer para Portugal operários que têm noutras geografias, nomeadamente dos PALOP. A par da desregulação, os empresários do setor apontam a incapacidade de atrair jovens para funções na área da construção civil e o envelhecimento da classe de profissionais como outros problemas que o setor enfrenta.

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