Vem aí uma nova vaga de obras públicas. Setor pede criação de um visto gold para a construção

O setor da construção não está muito efusivo com o novo plano de obras públicas. Em causa está a escassa execução do plano anterior. Falta de mão de obra preocupa setor.

O novo plano nacional de investimentos (PNI) 2030 que o Governo analisou, esta quinta-feira, em Conselho de Ministros e que quer ver aprovado por dois terços da Assembleia da República, no valor de 20 mil milhões de euros, levou o setor da construção a pedir ao Executivo a criação de uma espécie de visto gold para atrair a mão-de-obra para os 65 projetos que será necessário executar.

A falta de mão-de-obra é um problema real do setor à escala europeia e que nos tem de levar a políticas inteligentes de integração de trabalhadores imigrantes“, defende, ao ECO, o Ricardo Gomes, presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS).

Reis Campos, presidente da Confederação da Construção, corrobora a avaliação. Ambos defendem que uma das soluções seria “usar os centros de formação em países terceiros, beneficiando inclusive dos trabalhadores das empresas portuguesas em destinos como a Venezuela, Brasil, Angola criando uma espécie de visto profissional dourado“. Uma ideia que já foi apresentada ao Executivo, confirmou o ECO.

Reis Campos frisa mesmo que esse foi um aspeto “debatido com o Presidente de Angola, João Lourenço, na recente visita que este fez a Portugal”. Até porque “a questão é tanto mais séria, na medida em que somos pouco atrativos para os jovens e não estamos a conseguir renovar os trabalhadores”, alerta Ricardo Gomes.

A ideia é de resto apoiada pelos empresários. António Rodrigues, presidente da Casais diz que “é evidente e será um descalabro se as pessoas não perceberem que sem mão-de-obra não existirá investimento”.

António Rodrigues recorda que o setor passou dos 600 mil trabalhadores, em 2008, para praticamente metade este ano, por isso defende que “é preciso dar a devida importância à formação profissional”. E deixa um alerta: “é preciso que o Governo se mobilize e perceba a importância de colocar as escolas a funcionar”.

“Abrir um programa de vistos – a que não chamaria vistos gold – é muito importante, se aliado a isso tivermos programas de formação ativos”, conclui o empresário.

A falta de mão-de-obra é um dos problemas com que se depara o setor da construção não só em Portugal, mas em toda a Europa. A situação tenderá a agravar-se com o envelhecimento da população. Isto aliado ao fecho de muitas empresas em Portugal poderá dificultar a execução das obras do novo Plano de Investimentos? Ricardo Gomes garante que “não é preciso que estas obras avancem para que se sinta a falta de mão-de-obra. Já há especialidades em falta, como eletricistas, carpinteiros limpos e montadores de ar condicionado, por exemplo”.

O PNI 2030 está repartido por quatro áreas temáticas, transportes e mobilidade (12,7 mil milhões de euros), energia (3,65 mil milhões de euros), ambiente (3,27 mil milhões de euros) e regadio (750 milhões). As previsões do Governo apontam para que o financiamento dos 65 projetos, que no total perfazem os 20,4 mil milhões de euros, serão repartidos pelo setor público (66%) e setor privado (34%), como noticiou o Expresso, em dezembro.

Reis Campos soma a estas preocupações, a questão da clandestinidade, o que leva a uma instabilidade nos custos. E deixa um aviso: “Temos de aproveitar o ano de 2019 para estabilizar a questão de mão-de-obra, que é neste momento uma das grandes preocupações dos empresários”.

Temos de aproveitar o ano de 2019 para estabilizar a questão de mão-de-obra, que é neste momento uma das grandes preocupações dos empresários.

Reis Campos

De resto, a AECOPS, adianta que a situação é ainda mais grave em Portugal porque os salários são mais competitivos na Europa. E deixa um alerta: “Um eletricista pode ganhar em Portugal 1.500 euros por mês, mas, na Irlanda, pode ganhar 3.500 euros e pode vir a casa todos os fins de semana por 80 euros”.

Quanto à eventual falta de empresas nacionais para realizar as obras do plano nacional de investimentos 2030, Ricardo Gomes diz que essa é uma falsa questão. “Estamos a falar de um intervalo temporal de dez anos, se fosse apenas três dizia já que, de facto, não tínhamos capacidade para realizar os projetos, mas esta é uma falsa questão porque a globalização também se faz sentir no setor e, portanto, isto serão obras onde aparecerão sempre empresas europeias, sobretudo empresas espanholas”.

“Nestes projetos obviamente que a concorrência será europeia e não apenas portuguesa”, acrescenta.

“Infelizmente é um problema de concorrência europeia porque estamos demasiado debilitados no setor para resistir“, avança e dá como exemplo o caso do aeroporto do Montijo, depois da assinatura do acordo, entre o Governo e a Vinci, que define o modelo de financiamento da expansão do aeroporto Humberto Delgado.

Já o presidente da Confederação da Construção recorda que Portugal tem “boas empresas, que se vão redimensionar face a este plano”. Por isso, conclui, “desde que o tema da mão-de-obra seja resolvido, teremos obviamente capacidade para dar resposta a este pacote de obras”.

Construtoras não estão em festa com novo plano. Temem atrasos na execução

O novo plano de investimentos não está a deixar o setor da construção particularmente efusivo. Em causa está a fraca concretização do atual plano de investimentos denominado Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas (PETI 3+) e a eventual falta de financiamento para arrancar com as obras inscritas no PNI2030.

Ricardo Gomes que o que o “preocupa é a expectativa que vai ser criada ao setor e às empresas”. “Nada disto avançará se não tivermos instrumentos financeiros para o realizar, como aliás se verificou no PETI3+, porque sempre que existem dificuldades económicas no país o primeiro sítio onde se corta é no investimento público”, justifica.

Opinião semelhante tem Reis Campos que relembra que se “há coisa que em 2018 não atingiu os objetivos foi o investimento público”. Por isso, adianta “este PIN2030 é muito importante para o setor, desde que seja devidamente calendarizado e cumprido“. De acordo com o Orçamento do Estado para 2019, o investimento público atingiu 2,3%, em 2018, e a previsão é de um aumento de 710 milhões em 2019. “Estima-se que o investimento em grandes projetos estruturantes atinja os 1.100 milhões de euros”, lê-se no relatório do Orçamento.

“O investimento público tem de ser relançado e, sobretudo, não pode ficar dependente dos ciclos políticos, pelo que deve haver um esforço de todos, mas sobretudo do PS e do PSD neste sentido”, afirma Reis Campos.

Mas se a calendarização dos 65 projetos que constam do PNI 2030 é importante, o financiamento não lhe fica atrás. A situação é tanto mais preocupante, na medida em que, como diz, Ricardo Gomes, “hoje já não se fazem projetos apenas alavancados em fundos estruturais“.

Ricardo Gomes diz que “é preciso capacidade para atrair investimento estrangeiro para estes projetos, e que se há uns que por si só captam as atenções dos investidores internacionais, como o aeroporto de Lisboa e a área portuária, outros existem, em que isso não acontece”. “A minha preocupação é que se crie esta expectativa, que as empresas planeiem a sua vida e depois não exista esta componente de execução“, afirma.

Reis Campos fala também na importância da componente financeira, mas desvaloriza um pouco a questão. “O importante é que o plano seja aprovado, e depois calendarizado, só mais tarde surge a questão do financiamento, até porque temos sempre a preocupação com o crescimento da economia“.

Os dois dirigentes associativos recordam que do PETI3+, desenhado para vigorar até 2020, está concretizado em apenas 9%, um valor que fica aquém dos dados oficiais do Governo e que dão conta de uma execução de 20%. O PETI foi aprovado em 2014, pelo Governo de Pedro Passos Coelho, com um valor de 6,06 mil milhões, assentava em 53 projetos de investimentos.

O país não parece ter economia para criar oportunidades de investimentos, se olharmos para o que aconteceu nos últimos anos, não sobra dinheiro para investir se tivermos uma economia a crescer 1,8% ao ano.

Ricardo Gomes

Ainda no rol das preocupações da AECOPS estão as taxas de crescimento da economia portuguesa. “O país não parece ter economia para criar oportunidades de investimentos, se olharmos para o que aconteceu nos últimos anos, não sobra dinheiro para investir se tivermos uma economia a crescer 1,8% ao ano”.

Para o presidente da AECOPS é “urgente ter outra abordagem à questão do financiamento, e onde seja possível congregar investimento privado. A grande questão é se estamos contentes com uma economia que cresce a este ritmo. Portugal precisa de uma economia a crescer 3% ao ano”.

Ricardo Gomes reconhece que o investimento privado é criticado por muitos, “muito por culpa das Parcerias Público Privadas (PPP), que foram mal utilizadas, mas não nos podemos esquecer que o modelo das PPP foi seguido noutros países com muito sucesso”.

O debate em torno das grande obras públicas não se esgota porém na questão do financiamento. O presidente da AECOPS considera que há outras questões prementes, como “a estabilidade legislativa e a celeridade dos licenciamentos”.

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