Entre Berlim e Bruxelas, Ursula von der Leyen ainda tem a (difícil) tarefa de convencer Estrasburgo

O nome de Ursula von der Leyen foi tirado da cartola na noite de segunda-feira para acabar uma cimeira interminável, mas a subida à Comissão ainda passa por Estrasburgo. E não vai ser fácil.

O Parlamento Europeu ignorou as sugestões dos líderes que resultaram do acordo alcançado no Conselho Europeu com os candidatos aos cargos de topo da Europa — entre eles a alemã Ursula von der Leyen para a Comissão Europeia — e escolheu o seu próprio candidato, o socialista italiano David Sassoli. Mas a maioria que conseguiu e o descontentamento expresso pelos principais grupos políticos com o acordo do Conselho, fazem antever pelo menos alguma turbulência na viagem de Ursula von de Leyen de volta à terra onde nasceu e à futura Comissão que precisa de aprovação no Parlamento Europeu.

Nem foi à primeira, nem foi o que o Conselho Europeu esperava. Depois de mudarem completamente os planos que vinham a debater no último mês durante a noite de segunda-feira, com a formulação do plano que afastou todos os spitzenkandidanten, dos cargos de topo da Europa, e que colocaram a ministra da Defesa alemã, nascida na Bélgica, à consideração do Parlamento Europeu para liderar o Executivo europeu, o Conselho Europeu sugeriu (informalmente) ao Parlamento que tivesse em conta os equilíbrios regionais.

O pedido de Donald Tusk aos grupos políticos no Parlamento Europeu, para que escolhessem como presidente alguém (o búlgaro Sergei Stanishev) oriundo da Europa central ou de leste, até porque o equilíbrio regional que defendeu como necessário nas escolha dos cargos de topo desapareceu completamente do pacote encontrado no Conselho Europeu, foi completamente ignorado. No Conselho Europeu, os escolhidos foram uma alemã, uma francesa, um espanhol e um belga, todos países da Europa considerada ocidental.

Com a eleição do italiano David-Maria Sassoli para o Parlamento Europeu, a banda ficou completa. Não há um único membro do bloco de leste, e os principais cargos são dos quatro maiores países e maiores economias da União Europeia (sem contar com o Reino Unido que está de saída), mais a Bélgica, o país onde estão sedeadas as instituições mais importantes da União Europeia, um arco de Espanha a Itália, em que todos os países estão ligados territorialmente.

David-Maria Sassoli, o novo presidente do Parlamento Europeu.

David-Maria Sassoli conseguiu ser nomeado por maioria absoluta, mas os números fazem antever dificuldades ao acordo para o Conselho Europeu, já contestado pelos grupos políticos. Um dos grupos que contestou logo o acordo foram os Verdes, que colocaram a sua líder, a alemã, Ska Keller, à consideração para a presidência do Parlamento Europeu.

Ska Keller demonstrou esse descontentamento de forma clara, nos cinco minutos que teve para apresentar a sua candidatura ao novo plenário: “Não podemos permitir que o Parlamento seja tratado como moeda de troca em negociações de bastidores num formato arcaico no Conselho Europeu. Esta não é a mensagem que que devemos enviar aos cidadãos” europeus.

A líder dos Verdes conseguiu 133 votos na primeira ronda e 119 na segunda, consideravelmente mais que o número de eurodeputados eleitos que fazem parte da sua família política, apenas 74. A candidata da Esquerda Unitária, a espanhola Sira Rego, ficou em último na votação, mas conseguiu, ainda que por pouco, mais votos que o número de deputados do seu grupo político.

Mesmo com um número considerável de votos considerados nulos ou brancos, e eurodeputados que não votaram (quase 90 em 751), houve uma demonstração de apoio ao único candidato de leste que foi expressiva. O checo Jan Zahradil não é propriamente um nome forte do Parlamento Europeu e é de um grupo político — os Conservadores e Reformistas — que tem apenas 62 dos 751 lugares no Parlamento Europeu. Ainda assim, o checo conseguiu 162 votos na primeira volta e 160 votos na segunda, mais uma centena que os eurodeputados do seu grupo político.

Os resultados não anteveem uma viagem fácil. O Parlamento Europeu tem de aprovar a liderança da próxima Comissão Europeia por maioria absoluta e, desta vez, não há uma maioria consolidada em Estrasburgo entre o Partido Popular Europeu (PPE) e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), como aconteceu nas anteriores legislaturas.

Esse é só o primeiro problema que Ursula von der Leyen pode enfrentar no caminho para a presidência da Parlamento Europeu. Na frente interna, a ministra da Defesa alemã tem a forte oposição dos sociais-democratas (SPD) e parceiros de coligação de Angela Merkel, com vários altos responsáveis — como Martin Schulz e Sigmar Gabriel — que a apelidaram de má escolha e uma ministra fraca e falhada. Só o SPD tem 16 assentos no Parlamento Europeu.

A estes juntam-se ainda os Verdes, que se manifestaram contra o acordo nos bastidores que deixou de fora os cabeças-de-lista — Manfred Weber, Frans Timmermans e Margrethe Vestager (Manfred Weber tem a promessa de ser presidente do Parlamento Europeu daqui a dois anos e meio; Timmermans e Vestager serão primeiros vice-presidentes da Comissão). Só oriundos da Alemanha são 25 eurodeputados, num total de 74.

Há ainda que ter em conta os socialistas que ficaram desagradados com o acordo porque o seu candidato, Frans Timmermans, foi bloqueado pelos países de leste e por membros do PPE no Conselho Europeu já à última hora, e agora vêm-se forçados a votar uma presidente da família política do PPE que nem sequer foi cabeça-de-lista nas últimas europeias, ou candidata ao Parlamento Europeu.

Ursula von der Leyen, ministra da Defesa da Alemanha e candidata nomeada à presidência da Comissão Europeia.Jim Mattis/Wikimedia Commons

As forças de um potencial bloqueio não se ficam por aqui. Os próprios membros do PPE não gostaram do acordo, que deixou de fora de qualquer cargo o alemão Manfred Weber, o candidato desta família política, depois de serem os mais votados. A estes juntam-se os países da Europa central e de leste, que sem qualquer representação nos cargos de topo, nem sequer no Parlamento Europeu, exigem mais diversidade que reflita a nova União Europeia.

Este grupo de países pode complicar mais a votação, uma vez que o candidato a Alto Representante para a Política Externa da União Europeia também tem de ser aprovado por maioria absoluta e o escolhido foi o espanhol Josep Borrell, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Pedro Sanchéz, que é um firme opositor a qualquer separatismo e apoiante da Sérvia na disputa sobre a legalidade da independência do Kosovo, um dos países que aspira a pertencer à União Europeia.

Com a falta de representação deste grupo de países e o descontentamento dos líderes dos governos da Europa ocidental que questionam o papel da Europa central e de leste na União Europeia, a divisão pode ser maior quando chegar a altura de votar e, tal como no Conselho Europeu, o entendimento não ser tão simples como a cor partidária.

A votação ainda não está marcada, mas o regresso às origens da alemã nascida na Bélgica pode trazer mais dificuldades do que os 765 quilómetros que separam Berlim de Bruxelas normalmente sugeririam.

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