Artlant, Investifino e Berardo. O que diz o Parlamento sobre os negócios mais ruinosos da CGD?

Os três maiores devedores da CGD deixaram um buraco conjunto de mais de 470 milhões de euros. Fique a conhecer com mais detalhe o que é dito no projeto de relatório da CPI sobre cada um dos processos.

A auditoria da EY às contas da Caixa Geral de Depósitos (CGD) cujos resultados foram conhecidos no início de 2019 revelou perdas avultadas para o banco público. Estas ascenderam a 1.200 milhões de euros, resultado da disponibilização de créditos durante um período de 15 anos que acabaram por se revelarem ruinosos. A lista dos maiores devedores conta com 46 financiamentos, cada um deles com muitos dígitos de perdas.

Perdas de tão elevada soma foram analisadas à lupa pela terceira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Caixa que levou ao Parlamento não só responsáveis que passaram pelas sucessivas administrações da CGD no período entre 2000 e 2015, como os devedores que suscitaram as maiores perdas para o banco.

Das cerca de 400 páginas do projeto de relatório da CPI à Caixa divulgados na segunda-feira, 85 debruçam-se estritamente sobre os três devedores cujos financiamentos fizeram mais danos nas contas do banco público.

Designadamente, os financiamentos e as participações da Caixa envolvendo o grupo catalão La Seda e a Artlant que encabeçam a lista de devedores, e a Investifino e a Fundação José Berardo, que fecham o pódio. Só esses três devedores resultaram em perdas de quase 500 milhões de euros para o banco público.

Fique a conhecer sob a lupa dos deputados mais detalhes sobre esses processos e o que esteve em causa em cada um deles.

Artlant, o negócio mais ruinoso

A Artlant, o negócio mais ruinoso para a CGD. Tudo começou com um financiamento à La Seda Barcelona (LSB) destinado à constituição de participações no capital social da sociedade, tendo em vista a influência estatutária na gestão para a concretização da construção de uma fábrica de PTA (ácido tereftálico purificado) em Sines. Era a fábrica da Artlant.

Tendo sido classificado como Projeto de Interesse Nacional (PIN), o que lhe conferiu a atribuição de incentivos financeiros e benefícios fiscais, a implementação dessa fábrica tinha um investimento orçamentado em aproximadamente 400 milhões de euros.

Assim, nos anos de 2006 e 2007, a CGD comprometeu recursos (entre crédito e participações) no montante de 318 milhões de euros, para que a LSB realizasse a construção da fábrica de PTA em Sines. Contrariamente ao previsto, e mesmo após a concessão dos financiamentos e participação nos aumentos de capital, a LSB a braços com excessivo endividamento não deu prioridade a este investimento.

"O negócio da Artlant é um negócio com características totalmente ímpares, porque — já falámos muito sobre a questão da Caixa ser um banco público — é um exemplo típico da utilização da Caixa para, digamos, uma finalidade política.”

Eduardo Paz Ferreira, ex-presidente da comissão de auditoria da CGD

A CGD acabou por disponibilizar vários financiamentos à Artlant, com vista à implementação do projeto, mas este acabou por não sair do papel. “O envolvimento global da CGD neste projeto, resultou em perdas de pelo menos 400 milhões de euros“, refere o projeto de relatório da CPI à CGD.

“O negócio da Artlant é um negócio com características totalmente ímpares, porque — já falámos muito sobre a questão da Caixa ser um banco público — é um exemplo típico da utilização da Caixa para, digamos, uma finalidade política. Por isso, digamos que é um daqueles negócios que poderia ter saído muito bem e que saiu muito mal”, dizia Eduardo Paz Ferreira, ex-presidente da comissão de auditoria da CGD perante os deputados da CPI, citado nas conclusões da CPI sobre esse caso.

“O facto de ter uma ‘finalidade política’ inicial levou à limitação das possibilidades de gestão ao longo do processo, podendo ter contribuído” para as perdas avultadas sofridas pela CGD”, remata João Almeida, deputado relator da CPI.

Investifino às voltas com a Cimpor (e o BCP)

Se a Artlant custou centenas de milhões de euros ao banco público, a Investifino não custou muito menos ao banco público. Mas em vez de uma fábrica de PET, neste caso as perdas resultaram de várias operações de financiamento junto da CGD para o investimento em ações da bolsa portuguesa, com especial enfoque na Cimpor e no BCP.

No final de 2004, a Investifino tinha um portefólio de participações financeiras que ascendia a 405 milhões de euros. Este incluía posições no capital da Cimpor (11,3%), BCP (0,8%) e na Soares da Costa (16,9%). Na altura, a CGD já tinha uma relação comercial com a Investifino, a qual incluía uma linha de crédito para aquisição de participações (BCP, Cimpor, EDP e Brisa), até 82 milhões de euros Em 2005, essa linha acabaria por ser aumentada para 100 milhões de euros.

Nesse mesmo ano, a CGD aprovou um novo financiamento para o reforço da Investifino na Cimpor na ordem dos 180 milhões de euros, por um prazo de cinco anos em que foi dado como garantia o penhor das ações da cimenteira.

Em 2007, foi feito um novo pedido de financiamento desta vez para a aquisição de títulos do BCP: 153 milhões de euros para a aquisição de um lote de 35 milhões de ações do banco e amortização do financiamento contratado com a Fino Participações, no montante de 11,85 milhões de euros, correspondentes a 7,568 milhões de ações do BCP. A operação foi aprovada por um prazo de cinco anos, tinha como garantia o penhor de ações do BCP e da Cimpor.

As desempenhos bolsistas aquém do esperado acabariam a obrigar a reforços de garantias. Em 12 de dezembro de 2007, foi submetida à aprovação em conselho de administração da Caixa a utilização de ações do Grupo Soares da Costa para cumprir esse reforço. “A necessidade deste reforço advinha da oscilação negativa, no segundo semestre de 2007, da cotação dos títulos penhorados (Cimpor, BCP e Soares da Costa) para níveis de rácio de cobertura inferiores aos contratados”, como explica o projeto de relatório divulgado nesta segunda-feira, pedido a que a CGD acedeu.

Contudo, as dificuldades agudizaram-se, sendo em janeiro de 2009 aprovada uma reestruturação do financiamento da CGD ao grupo Investifino. O grupo acabaria por entregar à CGD a participação que detinha na Cimpor, correspondente a cerca de 10%, com uma opção de compra que nunca exerceu. Em 2012, o banco público alienou essa posição no âmbito da OPA à Cimpor, a um valor abaixo do previsto.

O saldo devedor da Investifino ficaria assim, após a dação em pagamento dos títulos da Cimpor, no montante de 268,5 milhões de euros, garantido por ações do BCP e da Soares da Costa. Em dezembro de 2013, o Conselho de Administração da Caixa acabou por deliberar abater a dívida restante ao ativo, assumindo o vencimento total da dívida.

"No processo de reestruturação dos créditos [à Investifino], foram envidados esforços substanciais para recuperação dos montantes desembolsados, tendo a mutuária entregue em dação uma parte substancial dos seus ativos.”

Projeto de relatório da CPI à CGD

Relativamente à Investifino, o projeto do relatório da CPI acaba por, em modo de balanço, dizer que “no processo de reestruturação dos créditos, foram envidados esforços substanciais para recuperação dos montantes desembolsados, tendo a mutuária entregue em dação uma parte substancial dos seus ativos“. O valor a que os vendeu é que ficou bastante aquém das dívidas que tinha a haver, ficando a Investifino também sem ativos para colmatar a dívida remanescente. Para a Caixa, o saldo de perdas contabiliza-se em 138,3 milhões de euros em imparidades.

Berardo fez mossa na CGD com o BCP

Não foi o negócio mais ruinoso de todos para a CGD — foi o terceiro, resultando em imparidades de 124 milhões de euros –, mas foi o que “mais tinta” fez correr não só no Parlamento como em termos de impacto mediático.

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito diz que em 2006 e 2007, foram concedidos à Metalgest e à Fundação José Berardo (FJB), financiamentos até 400 milhões de euros — 50 milhões e 350 milhões de euros, respetivamente — com a finalidade de adquirir títulos de empresas cotadas nas bolsas europeias que, “pelo que se apurou, se consubstanciou na constituição de uma participação qualificada no BCP”, começa por dizer o relatório.

No que diz respeito à entrada das operações de financiamento ao grupo económico José Berardo na CGD, o projeto de relatório agora conhecido diz que os depoimentos na CPI “providenciam evidências contraditórias”. O empresário madeirense disse que foi a CGD a propor a operação de financiamento, enquanto o banco público afirmou ter recebido uma carta em que a Fundação José Berardo (FJB) pedia a concessão de uma linha de crédito.

Datada de 10 de novembro de 2006 e remetida pela FJB ao então Presidente do Conselho de Administração Carlos Santos Ferreira, essa missiva solicitava 350 milhões de euros que visavam o “financiamento da aquisição em bolsa de ações BCP e ações pertencentes ao PSI-20“. A garantia oferecida em troca desse financiamento: “títulos adquiridos ao abrigo do presente financiamento; ações do PSI-20, correspondentes a 5% do montante utilizado”, revelava a mesma missiva.

Após avaliação e vários ajustes, a CGD acabaria por dar aval ao financiamento. Foi aberto em junho de 2007 um crédito com a disponibilização dessa quantia, por um prazo de cinco anos. Entre um conjunto de condições exigidas, para além do depósito na CGD das ações dadas em garantia (35 milhões de ações do BCP), destacava-se ainda no contrato a “prestação de informação periódica sobre as Contas da FJB”.

Dessa linha de crédito foram utilizados, no total, 294 milhões de euros, garantidos por 95,89 milhões de ações do BCP.

"A concessão de um financiamento de valor tão elevado [à Fundação José Berardo], garantido pelas participações que são financiadas, tornaram este caso num exemplo negativo de uma decisão que, sendo legal, não foi prudente”

Projeto de relatório da CPI à CGD

Em face da quebra da cotação bolsista do BCP, que afundou após atingir o seu máximo em junho de 2007, as sociedades devedoras procuraram reforçar as garantias, uma vez que os rácios de cobertura de dívida vinham a ser sucessivamente inferiores aos contratados.

Entre agosto de 2007 e julho de 2008, verificou-se uma redução de dívida de 23 milhões de euros e um reforço de garantias através do penhor adicional de 47,5 milhões de ações do BCP, daí resultando que no final de 2010, o montante em dívida pela FJB ascendia a 266 milhões de euros. Após a concessão de uma moratória excecional, e não tendo sido liquidados os juros vencidos, a CGD acabou por considerar, para efeitos de incumprimento, a data de 17 de janeiro de 2011.

Relativamente à atuação da administração da CGD neste financiamento, é dito que “a decisão inicial do crédito limitou a atuação futura da gestão do mesmo” e que “a concessão de um financiamento de valor tão elevado, garantido pelas participações que são financiadas, tornaram este caso num exemplo negativo de uma decisão que, sendo legal, não foi prudente”.

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