Costa sem garantia que parecer da PGR sobre incompatibilidades chegue até às eleições

É ao relator que compete dar uma indicação ao Conselho Consultivo da data em que terá o trabalho pronto para então se agendar a reunião do Conselho que analisará e votará o parecer.

O primeiro-ministro pediu ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República que esclarecesse se o secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, deve, ou não, ser responsabilizado pelos contratos públicos que foram celebrados com a empresa Zerca Lda, detida em 20% pelo seu filho. Mas, não há garantias quanto às datas para a emissão do parecer.

De acordo com as regras de funcionamento do Conselho Consultivo, “os pareceres são elaborados no prazo de 60 dias a contar da distribuição” dos pedidos, o que colocaria a fasquia no início de outubro. No entanto, este parecer foi pedido com caráter de urgência o que lhe dá prioridade sobre os outros. “Os pareceres solicitados com pedido de urgência têm prioridade sobre os demais” e “devem ser relatados no mais curto prazo possível”, esclarece o regimento do conselho consultivo. Mas, também está previsto que o prazo possa ser superior aos 60 dias se a “complexidade” do caso assim o exigir.

O ECO confirmou junto do Ministério Público que o pedido deu, de facto, entrada ainda em julho. O passo seguinte é atribuir o caso a um relator, a quem cabe elaborar o parecer, mas não foi possível confirmar se essa atribuição já foi feita. É ao relator que compete dar uma indicação ao Conselho Consultivo da data em que terá o trabalho pronto para então se agendar a reunião do Conselho, que analisará e votará esse parecer. Uma reunião que conta com a Procuradora Geral da República, Lucília Gago, e os vários vogais.

O problema é que este pedido de António Costa surge em plenas férias judiciais — que se iniciaram a 16 de julho e se prolongam até 31 de agosto. Durante este período, as regras preveem que haja apenas uma reunião. “Durante as férias judiciais de verão há uma reunião para apreciação de pareceres ou assuntos urgentes“, lê-se no regulamento. O ECO confirmou junto de fonte oficial da Procuradoria que esta reunião ainda não está agendada.

Mas nada garante que o parecer pedido pelo primeiro-ministro seja analisado nessa reunião. O parecer poderá só ficar pronto em setembro depois das férias judiciais. Por exemplo, o pedido de parecer urgente que o Executivo fez à PGR por ocasião da recusa dos enfermeiros em desempenharem funções como especialistas, nomeadamente na assistência aos partos, em 2017, levou 20 dias — foi pedido a 29 de junho e emitido a 19 de julho de 2017. Por outro lado, em novembro de 2018, o Governo pediu um parecer ao Conselho Consultivo da PGR relativamente à greve dos enfermeiros e três meses depois voltou a pedir uma adenda ao mesmo parecer. Só a adenda levou 12 dias a elaborar. E todos estes casos decorreram fora do período de férias judiciais que naturalmente afeta o normal funcionamento do sistema.

Assim, António Costa não tem quaisquer garantias sobre a data em que a PGR se vai pronunciar. A decisão até poderá chegar ainda durante o mês de agosto, ou em pleno período de campanha eleitoral para as legislativas de 6 de outubro.

Mas há ainda um outro fator a ter em conta, a PGR envia os pareceres para as entidades que os pedem. Ou seja, a decisão não é tornada pública. Caberá a quem a pede, neste caso o primeiro-ministro, decidir se a quer divulgar. Recorde-se que o primeiro parecer da PGR relativo às greves do enfermeiros de 30 de novembro de 2018 só foi conhecido 81 dias depois, tendo o Executivo sido acusado de manter o documento na gaveta porque a decisão não lhe era politicamente vantajosa. O primeiro parecer considerava a greve lícita.

Um caso complexo?

Se o relator considerar que o caso é complexo pode necessitar de mais dias para o analisar. O próprio primeiro-ministro, no pedido de parecer que enviou, justificou o mesmo pelo facto de “não haver jurisprudência sobre a matéria” e porque a interpretação literal da lei das incompatibilidades seria de grande “complexidade institucional e social”.

Também o ministro dos Negócios Estrangeiros defendeu esta quarta-feira que “a lei atual é tudo menos clara, por isso é que foi clarificada em Assembleia da República”. Augusto Santos Silva argumenta que o atual diploma, aprovado por uma “maioria de mais de nove décimos dos deputados”, já contempla o “princípio geral da proporcionalidade a partir do qual se devem aplicar as leis”. A antiga lei, em vigor até à próxima legislatura, não pode ser interpretada literalmente, defendeu Santos Silva.

Os vários constitucionalistas ouvidos pelo Público (acesso condicionado) consideram que a violação da lei das incompatibilidades determina que os contratos celebrados sejam anulados. Jorge Bacelar Gouveia, ex-deputado do PSD, e Pedro Bacelar de Vasconcelos, deputado do PS e presidente da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, defendem que a sanção em causa não é a demissão do titular do cargo público, mas a anulação dos contratos públicos celebrados.

Além do secretário de Estado da Proteção Civil, Artur Neves, também Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e Habitação, Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, e Graça Fonseca, ministra da Cultura, têm familiares envolvidos em contratos celebrados com o Estado, como avançaram esta quarta-feira o Observador (acesso pago) e a Sábado (acesso pago).

Independentemente do pedido de parecer do primeiro-ministro, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional ainda está analisar a questão e não tomou uma decisão relativamente ao que vai fazer, nomeadamente se espera ou não pelo parecer do Conselho Consultivo antes de tomar uma decisão. Oficialmente, o Ministério Público diz apenas que “não deixará de desenvolver todas as diligências que se compreendem no âmbito das respetivas atribuições”.

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