BCE está a empurrar banca para o risco na dívida e no crédito. Banco de Portugal pede cautela
A banca portuguesa está a arriscar mais, tanto no crédito como nos investimentos, na procura por rendibilidade. O Banco de Portugal alerta que é preciso prosseguir políticas cautelosas.
As taxas de juro do Banco Central Europeu em mínimos históricos estão a atirar a banca portuguesa para maior risco, tanto em ativos como na concessão de crédito. O alerta é feito pelo Banco de Portugal, no Relatório de Estabilidade Financeira de dezembro, que aponta para a necessidade de o sistema financeiro aumentar a resiliência, numa altura em que a desaceleração económica cria pressão.
“O prolongamento do ambiente de taxas de juro muito baixas traduz-se em desafios acrescidos na geração de rendibilidade na atividade de intermediação financeira tradicional”, diz o Banco de Portugal.
O último relatório de estabilidade financeira tinha sido publicado em junho, ou seja, antes de o BCE ter cortado a taxa de juro dos depósitos. A taxa passou para -0,5%, o que na prática significa que os bancos têm de “pagar” para ter o excesso de liquidez parqueado no banco central, apesar de ter sido acompanhado por um sistema de escalões para mitigar o impacto.
Por um lado, o contexto de taxas de juro muito baixas “tem-se refletido nos custos de financiamento a nível global” que permite aliviar o serviço da dívida e melhorar a capacidade de estes agentes se financiarem a custos mais baixos. Por outro, os mercados de ativos (acionista, obrigacionista e imobiliário) têm valorizado de forma expressiva e poderão não só ficar desajustado do risco como ser alvo de correção.
Prolongamento do ambiente de taxas de juro muito baixas traduz-se em desafios acrescidos na geração de rendibilidade na atividade de intermediação financeira tradicional.
“A manutenção do ambiente de taxas de juro lower-for-longer potencia riscos para a estabilidade financeira, de abrangência nacional e internacional. Os principais riscos resultam, de uma forma geral, dos incentivos para a tomada de risco excessivo (search-for-yield), com reflexos também ao nível da deterioração dos critérios de concessão de crédito e do potencial aumento do endividamento para níveis não sustentáveis”, refere o regulador.
Uma das formas de os bancos fazerem face ao excesso de liquidez é o investimento em dívida pública portuguesa, o que tem levado a vários alertas. A tendência de aumento da exposição à dívida manteve-se desde junho, sendo que foi acompanhada de aumento da duração média da carteira, sendo que o BdP voltou a alertar para a elevada sensibilidade a riscos de mercado, nomeadamente para correções das yields, bem como para o risco de contágio em caso de crise.
Banca não diferencia risco de clientes particulares nos spreads
“Ao nível da atividade bancária, o contexto de baixas taxas de juro pode também ter consequências indesejáveis para a preservação da estabilidade financeira. Ao constituir um desafio à sustentabilidade da margem financeira dos novos empréstimos, por via do efeito preço desfavorável, reforça os incentivos à expansão da concessão de crédito“, continua o regulador da banca.
"Novos empréstimos à habitação têm sido concedidos a mutuários com perfil de menor risco, refletindo também os efeitos da medida de política macroprudencial adotada pelo Banco de Portugal.”
Se a curto prazo, o efeito líquido poderá ser positivo sobre a rendibilidade dos bancos, o BdP alerta para uma possível desadequação das taxas de juro das operações face ao risco assumido. E já o está a ver no caso dos empréstimos para as famílias comprarem casas.
Há ano e meio, a instituição liderada por Carlos Costa implementou uma série de medidas de travão ao crédito com o objetivo de reduzir o risco do crédito malparado. “Os novos empréstimos à habitação têm sido concedidos a mutuários com perfil de menor risco, refletindo também os efeitos da medida de política macroprudencial adotada pelo Banco de Portugal”.
“No entanto, existem sinais de reduzida diferenciação nos spreads dos novos empréstimos à habitação de acordo com o risco de crédito dos mutuários, spreads esses que se têm vindo a reduzir ao longo do tempo”, aponta sobre a guerra dos spreads que tem levado a uma diferenciação mínima entre a oferta dos vários bancos.
Também o crédito ao consumo fez soar os alarmes no BdP. Por um lado, o stock tem mantido uma taxa de variação anual elevada (próxima de 10%). Por outro lado, os novos créditos ao consumo, com destaque para o crédito pessoal, voltaram a aumentar após um abrandamento observado desde meados de 2018. Adicionalmente, os prazos associados às novas operações de crédito automóvel e crédito pessoal têm aumentado.
“A maturidade é um parâmetro muito relevante na avaliação do risco de crédito. Na perspetiva dos bancos, a extensão de maturidades no crédito ao consumo sinaliza que exposições de crédito, potencialmente sem qualquer colateral associado ou associadas a ativos com menor liquidez e/ou com períodos de depreciação inferiores à maturidade do empréstimo, ficarão expostas a flutuações do ciclo económico por períodos mais longos”, explica. “Neste contexto, poderá constituir um fator condicionador da evolução futura dos NPL [non-performing loans] e, de forma concomitante, do custo do risco de crédito“.
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