Eutanásia: projetos de lei esquecem seguros
Os projetos de lei aprovados no Parlamento para despenalizar a eutanásia não articulam as implicações do evento de morte com os seguros. Associação de Seguradores lamenta ainda não ter sido ouvida.
A lei atual, em vigor há 12 anos, contempla os casos de suicídio e homicídio, mas é omissa para o caso da eutanásia.
Os cinco projetos de lei aprovados na semana passada correspondem às iniciativas do PS, BE, PEV, PAN e Iniciativa Liberal. No entanto, nenhuma das propostas preveniu uma solução que garanta o pagamento da indemnização de seguro aos beneficiários de titulares de apólices Vida.
Neste cenário, de acordo com informação recolhida junto da entidade setorial, a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) lamenta não ter sido chamada ao debate para ajudar a “esclarecer dúvidas e incertezas sobre a matéria”. Adianta também desconhecer o impacto que a despenalização da eutanásia terá ao nível das apólices de seguros.
A APS alega ser “impossível” prever as implicações da lei da morte assistida, nomeadamente porque “os contratos de seguros de vida têm clausulados livremente ajustados entre as partes e foram celebrados em momentos muito diferentes, ao abrigo de normas e leis que também elas foram variando no tempo”.
Por isso, impõe esclarecer como ficam os beneficiários (herdeiros) de alguém que, sendo titular de um seguro de vida, recorra à eutanásia ou a morte medicamente assistida.
Nuno Luís Sapateiro, da sociedade de advogados PLMJ e especialista nas áreas financeira e bancária, disse ao jornal Público que “existem apólices que excluem a cobertura de morte que decorra, direta ou indiretamente, do uso de estupefacientes ou medicamentos sem prescrição médica. Ora, uma interpretação a contrario desta norma poderá sustentar a tese de que uma morte com recurso à eutanásia ativa estará coberta, uma vez que os fármacos letais terão sido prescritos por um médico”.
“A prática de mercado vai claramente no sentido de manter a exclusão [da cobertura], independentemente de se tratar de seguros de vida em geral ou fazerem parte do pacote de garantias associado ao crédito à habitação”, explica o advogado defendendo que o setor segurador deve ser ouvido, por ser aquele a quem caberá o eventual pagamento da indemnização do seguro, podendo ter que litigar com os herdeiros.
Noutros países, os modelos adotados para resolver a questão do enquadramento dos seguros Vida seguem orientações diversas. No Luxemburgo, introduziu-se uma emenda legislativa que considera a morte medicamente assistida como sendo de causa natural; na Austrália (estado de Victoria), a solução foi no sentido de considerar a doença de que padecia o doente como a causa da morte.
Nos EUA, nos estados onde a eutanásia se tornou prática legal, a indemnização do seguro Vida por morte assistida apenas é paga nos casos em que já tenha decorrido dois anos da subscrição do seguro.
De acordo com o Jornal de Notícias, o caminho para a solução pode estar nos projetos do PAN e do BE que consideram que a doença do requerente deve ser considerada a causa de morte.
A deputada Isabel Moreira (PS) adianta que “o procedimento de fim de vida ficará registado como tal, mas, a partir do momento em que é legal, ninguém poderá sair prejudicado”. A especificação desta e de outras matérias, não estando acautelada no articulado da proposta, “ficará para a fase da regulamentação” da lei.
Os projetos de lei aprovados na semana passada vão descer à comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, onde os partidos com assento parlamentar tentarão conciliar um “texto comum”.
Segundo representantes dos partidos em declarações recolhidas pelo semanário Expresso, a versão final da lei deverá suprir a lacuna quanto ao pagamento dos seguros vida, garantindo que as situações de eutanásia não sejam equiparadas às de suicídio.
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