A empresa pode obrigá-lo a tirar férias durante a pandemia de coronavírus?
Com a atividade de muitas empresas afetada pelo coronavírus, há já vários empregadores a tentar "forçar" os trabalhadores a tirarem férias, neste período. Mas é legal? Os especialistas respondem.
Face à propagação do coronavírus em Portugal, há já várias empresas a tentarem “forçar” os trabalhadores a gozarem os dias de férias, durante este período de pandemia, têm denunciado os sindicatos. Do lado dos patrões, salienta-se que a situação atual implica “necessidades específicas”, exigindo-se que o regime seja ajustado. Mas pode ou não o empregador impor o gozo de férias sem o “sim” do trabalhador?
De acordo com o Código do Trabalho, o direito a férias “deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural”.
Por ano, os trabalhadores têm direito a 22 dias úteis de descanso, que devem ser marcados por acordo entre o empregador e o trabalhador. Mas há exceções à necessidade desse “aperto de mãos”. É que, na falta de acordo, uma empresa pequena, média ou grande pode marcar o período de férias, entre 1 de maior de 31 de outubro.
É isso que explica o guia laboral elaborado pela pela sociedade de advogados CCR Legal. “Como regra, a marcação unilateral de férias pelo empregador, só pode ser efetuada entre 1 de maio e 31 de outubro (a menos que o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou o parecer dos representantes dos trabalhadores admita solução diferente)”, explica a sociedade.
No caso dos empregadores ligados a atividades turística, a regra é diferente: “A obrigação de marcação de férias
entre 1 de maio e 31 de outubro refere-se apenas a 25% do período de férias a que os trabalhadores têm
direito, pelo que neste setor é possível – sem risco – forçar o gozo de férias sem o acordo dos trabalhadores neste período e até 30 de abril”. A sociedade Antas da Cunha ECIJA & Associados acrescenta: “O empregador poderá proceder à marcação dos restantes 75% fora do período convencional de 01 de maio a 31 de outubro“.
Por outro lado, esta última sociedade salienta que, na Lei Laboral, já está inscrita a possibilidade do empregador encerrar a empresa ou o estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos trabalhadores, por um período de quinze dias consecutivos, de 1 de maio a 31 de outubro.
“Em todo o caso, quer o trabalhador tenha já férias marcadas, quer não tenha, é sempre recomendável o acordo. Por acordo, pode antecipar-se o gozo das férias, sugerindo-se que, a existir, se esgotem os dias de férias que transitam do ano transato e que têm de ser gozados até ao dia 30 de abril”, defende a mesma sociedade.
A propósito, numa circular enviada às empresas esta semana, a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçados, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (Apiccaps) recomendava exatamente isso: assinar acordos com os trabalhadores para o gozo de dez dias férias dos 22 disponíveis, durante este período de pandemia.
“Por sugestão da direção, as empresas que entendam mais aconselhável encerrar durante este período podem e devem fazer [um] acordo escrito com os trabalhadores para o gozo de dez dias úteis de férias por conta das férias a gozar este ano”, aconselhava a associação liderada por Luís Onofre, no documento a que o ECO teve acesso.
Na circular, a Apiccaps sublinhava ainda que tal opção permitiria aos trabalhadores “ficarem com os filhos” — numa altura em que todas as escolas estão encerradas –, bem como evitar a formação de cadeias de contágio nas instalações fabris.
De férias, os trabalhadores mantêm o direito ao seu salário por inteiro, a ser pago a 100% pelo empregador. Tal diverge das outras opções que têm sido colocadas em cima da mesa pelo Executivo, neste momento de pandemia. Por exemplo, o apoio dado aos pais que tenham de ficar em casa para acompanhar os filhos até aos 12 anos só garante dois terços da remuneração, a serem pagos em partes iguais pelo empregador e pela Segurança Social.
Ainda assim, os sindicatos têm defendido que é “ilegal” forçar ou trabalhadores a gozarem férias, até porque neste momento de pandemia não estão reunidas as condições para a tal recuperação física e psíquica inscrita na lei. “Sabemos que as empresas estão, em muitas situações, a não aceitar os direitos dos trabalhadores, a querer inclusive alterar esses direitos e reduzi-los, aproveitando-se desta situação que estamos a viver”, disse Isabel Camarinha, da CGTP, no final da reunião da Concertação Social, da segunda-feira.
Do lado dos patrões, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) já fez saber que o regime de marcação de férias precisa ser, de resto, ajustado às “necessidades específicas” pelas quais o país atravessa atualmente.
Por outro lado, se os trabalhadores se opuserem ao gozo das férias, as empresas que recorram ao “novo lay-off“ não conseguirão renovar o apoio para lá de um mês. “O poio pode ser, excecionalmente, prorrogável mensalmente, até um máximo de 6 meses, apenas quando os trabalhadores da empresa tenham gozado o limite máximo de férias anuais”, lê-se na portaria publicada, este domingo.
O surto de coronavírus já provocou mais de sete mil vítimas mortais em todo o mundo e infetou mais de 175 mil pessoas. Em Portugal, há 448 casos confirmados. Por cá, o país está em estado de alerta, com escolas encerradas, acesso a lojas e restaurantes condicionados e com um forte incentivo ao isolamento social.
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