Esforços para acabar com défice vão “agora compensar”, diz ao ECO vice de Vítor Gaspar no FMI
O vice de Vítor Gaspar no departamento dos Assuntos Orçamentais do FMI, Paolo Mauro, elogia Portugal pelo esforço feito nos últimos anos, argumentando que o país está melhor preparado para uma crise.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou previsões quase sem precedentes nas últimas décadas tanto para o mundo como para Portugal: o PIB português vai cair 8%, o défice vai aumentar para 7,1% e a dívida pública atinge um máximo histórico no 135% em 2020. Perante este choque “inimaginável”, como apelidou Mário Centeno, o Estado português vai aguentar?
Ao ECO, o vice-diretor do departamento dos Assuntos Orçamentais do FMI, Paolo Mauro, não responde diretamente, mas argumenta que Portugal fez o trabalho de casa e está agora melhor preparado. “Portugal entrou nesta crise com contas públicas muito mais fortes”, responde o vice de Vítor Gaspar, argumentando mesmo que “o esforço do Governo para reforçar as almofadas orçamentais nos últimos anos está agora a compensar“.
Paolo Mauro dá como exemplo o facto de Portugal ter registado um saldo orçamental de 0,2% do PIB em 2019, o primeiro excedente da história moderna do país. “É um sucesso impressionante“, classifica o especialista em finanças públicas que trabalha há mais de 20 anos no FMI. Parte desse “sucesso” é também atribuível ao seu chefe, Vítor Gaspar, que foi ministro das Finanças no início do Governo PSD/CDS, tendo realizado o famoso “enorme aumento de impostos”.
Contudo, as previsões do FMI para 2020 não são animadores e colocam novamente em cima da mesa o perigo de Portugal, sendo um país com elevado nível de endividamento público em termos internacionais, voltar a sofrer da pressão das agências de rating e dos mercados financeiros, colocando em causa a sua capacidade de financiamento e podendo levar, em último caso, a um novo resgate e a mais austeridade.
"[Excedente de 2019] é um sucesso impressionante.”
Questionado sobre essa possibilidade, Paolo Mauro não responde diretamente, mas explica que a situação atual é diferente da crise financeira. “As causas dos défices são diferentes. A atual crise não tem paralelo”, começa por dizer, argumentando que “é necessário e apropriado” que os Governos ajudem os cidadãos a sobreviver este período assim como as empresas. “[Mais] falências e desemprego [por ausência de ajudas estatais] iriam levar a que a recuperação fosse muito mais fraca”, antecipa, referindo que, por estes motivos, o aumento do défice e da dívida é “expectável e parte da resposta necessária à crise”.
“Dado que este défice maior [-7,1% em 2020] reflete a queda da atividade [económica] e em grande parte as medidas de emergência pontuais, assim que o crescimento regressar, o saldo orçamental irá melhorar significativamente“, prevê Paolo Mauro. De facto, a previsão do FMI é que o défice baixe para 1,9% em 2021, um valor que já está abaixo dos 3% impostos pelas regras europeias, as quais estão suspensas neste momento.
O mesmo se pode dizer para a dívida pública: “Com uma recuperação [do PIB] razoável, o rácio da dívida pública irá diminuir em 2021“, antecipa. A previsão do Fundo é que a dívida pública baixe para os 128,5% do PIB em 2021, após atingir um máximo histórico de 135% em 2020. Ainda assim, Portugal continuará com a terceira maior dívida pública da Zona Euro e ficará praticamente de parte o objetivo do Governo de reduzir a dívida pública para os 100% até ao final da legislatura.
Esforço de consolidação dá estabilidade aos juros
Mas, mesmo que esta crise seja diferente, passada a pandemia a pressão não pode voltar aos países endividados? Paolo Mauro também não é taxativo na resposta, mas relembra que, apesar de o spread de Portugal ter “aumentado modestamente” nas últimas semanas, o diferencial nos juros continua abaixo do que se observou durante a crise das dívidas soberanas da Zona Euro ou do que se verificou em 2016 quando os investidores ficaram reticentes com a criação da ‘geringonça’.
"Os esforços do Governo para reduzir o défice nos últimos anos têm contribuído para esta estabilidade dos juros.”
“Os esforços do Governo para reduzir o défice nos últimos anos têm contribuído para esta estabilidade dos juros”, considera o vice-diretor do departamento dos Assuntos Orçamentais do FMI, acrescentando que as “fortes medidas” tomadas pelo Banco Central Europeu (BCE), outras instituições europeias e os Estados-membros ajudaram a dar segurança aos investidores e, assim, manter os juros em “níveis razoáveis”.
Ou seja, a resposta de Paolo Mauro sugerem que o FMI considera que o trabalho de casa feito por Portugal mais a ajuda europeia será suficiente para evitar uma repetição da crise das dívidas soberanas. Acresce que este é um fenómeno mundial — “prevê-se que os rácios da dívida vão aumentar na maioria dos países”, assinala –, o que poderá deixar o Estado português fora dos holofotes. “A pandemia irá eventualmente chegar ao fim e é razoável esperar que o aumento do rácio da dívida seja um evento ‘pontual’“, considera.
O importante agora é que os Governos ajudem todos os agentes económicos para evitar uma maior hecatombe nas contas públicas por via de um elevado desemprego e muito mais falências. Mas essa ajuda terá de ser feita de forma “transparente” para que possa haver “auditorias” posteriores à forma como o dinheiro foi gasto. “Façam o que for necessário e guardem os recibos”. É este o conselho para os Governos de Paolo Mauro, citando a famosa expressão “whatever it takes” do ex-presidente do BCE, Mario Draghi.
(Notícia atualizada às 7h50 do dia 17. Uma anterior versão referia “mantenham as receitas” em vez de “guardem os recibos”, que é a expressão correta).
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