Obrigatoriedade da aplicação Stayaway Covid pode violar direito dos cidadãos

O Governo quer o uso da app Stayaway Covid seja obrigatório, mas advogados explicam que pode violar princípios e direitos dos cidadãos, como o princípio da proporcionalidade.

Várias entidades já se pronunciaram sobre a intenção do primeiro-ministro António Costa apresentar uma proposta de lei no sentido de instaurar o uso obrigatório da utilização da aplicação Stayaway Covid. Em causa poderá estar a violação de vários princípios e direitos fundamentais, como o princípio da proporcionalidade.

À Advocatus, os advogados contactados referem que a medida pode violar direitos fundamentais e princípios base do Estado de Direito Democrático e que dificilmente a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) daria “luz verde” à proposta.

“Embora a presente situação seja considerada como uma situação excecional de emergência de saúde pública, a adoção deste tipo de medidas de controlo dificilmente seria justificada por critérios de adequação e necessidade e violaria o princípio da proporcionalidade num Estado de Direito Democrático“, refere Cláudia Martins Fernandes, sócia da Macedo Vitorino & Associados.

Segundo a advogada, a aplicação desta medida de controlo tem de ser submetida a consulta prévia da CNPD, que tem de assentir a medida. Mas esta entidade já se manifestou e “não vê com bons olhos” a obrigatoriedade do uso da aplicação Stayaway Covid.

Numa resposta ao ECO, Filipa Calvão, líder da CNPD, considera que “impor por lei a utilização da aplicação Stayaway, seja em que contexto for, suscita graves questões relativas à privacidade dos cidadãos”.

Para Tiago Félix da Costa, sócio da Morais Leitão, é normal que o Governo queria adotar medidas para assegurar o controlo da pandemia, mas ainda assim é “inquestionável” que esta medida em concreto restringe certos direitos fundamentais, como o “direito à proteção contra a utilização da informática ou direito à privacidade e proteção de dados, o direito à liberdade e até o direito à dignidade da pessoa humana”.

"A medida não é teoricamente inconstitucional ou ilegal, mas caberá ao Governo demonstrar, antes de mais, que a medida é idónea para assegurar as finalidades pretendidas e que é adequada.”

Tiago Félix da Costa

Sócio da Morais Leitão

Mas nenhum direito é absoluto e, verificadas certas condições, quando em conflito, certos direitos podem ser comprimidos para melhor realização, em concreto, de outros”, acrescenta o advogado.

A aplicação móvel Stayaway Covid foi lançada no dia 1 de setembro e permite rastrear, de forma rápida e anónima e através da proximidade física entre ‘smartphones’, as redes de contágio por Covid-19, informando os utilizadores que estiveram, nos últimos 14 dias, no mesmo espaço de alguém infetado com o novo coronavírus.

Segundo António Costa a obrigatoriedade do uso da mesma restringe-se ao contexto escolar, profissional e académico, às Forças Armadas, às Forças de Segurança e ao conjunto da Administração Pública. Mas para Cláudia Martins Fernandes no “atual contexto não é justificável nem exequível exigir que todos os cidadãos descarreguem a aplicação e mantenham o bluetooth ativo”.

A aplicação Stayaway Covid requer que o utilizador esteja com o bluetooth ativo para que possa funcionar. “Uma tal imposição, não concebível num Estado de Direito democrático, dificilmente seria possível de controlar e de sancionar e teria certamente um efeito contraproducente“, acrescenta a advogada.

“A principal e primeira questão a resolver é a de saber se essa medida anunciada pelo Governo é adequada e necessária para realizar certos direitos, como direito à vida e à saúde. Ou seja, a medida não é teoricamente inconstitucional ou ilegal, mas caberá ao Governo demonstrar, antes de mais, que a medida é idónea para assegurar as finalidades pretendidas e que é adequada“, explicou à Advocatus, Tiago Félix da Costa.

Para o sócio da Morais Leitão será necessário o Governo demonstrar que a medida é “suficientemente necessária” para que se limitem outros direitos e liberdades dos cidadãos. “Não estou em posição para fazer essa avaliação, mas duvido que seja essa aplicação que nos vai resolver a pandemia ou até mitigar significativamente os riscos que lhe estão associados”, acrescenta.

Durante o último dia vários órgãos têm tomado posição sobre a inconstitucionalidade ou não da obrigatoriedade da aplicação. O bastonário dos advogados, Luís Menezes Leitão, entende que a proposta de lei “está a ferida de inconstitucionalidade”.

“Consideramos mesmo ser de extrema preocupação que a situação de pandemia, que não está neste momento a coberto de declarado de estado de sítio ou de emergência, seja usada para suspender, de forma absolutamente inaceitável, as mais relevantes liberdades individuais“, referiu o líder dos advogados à agência Lusa.

Também a candidata presidencial Ana Gomes considerou que o uso obrigatório da aplicação StayAwayCovid viola a Constituição da República e pediu ao parlamento que chumbe a proposta do Governo que aponta nesse sentido.

Ao ECO, fonte do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), que concebeu e desenvolveu a app, mostrou-se surpreendido com a intenção do Governo. “Mas é uma decisão política que não nos compete”, refere.

António Costa entregou já na Assembleia da República a proposta de lei que prevê multas até 500 euros para quem não respeitar a obrigatoriedade do uso de máscara na via pública como a obrigatoriedade de uso da aplicação.

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