Desistir do alojamento local deixa de ter qualquer custo no regime simplificado
O PS quer acabar com o pagamento de qualquer tipo de mais-valia ou imposto quando um imóvel sai do alojamento local para a esfera pessoal. Mas apenas para contribuintes no regime simplificado.
Desistir do alojamento local (AL) e alocar o imóvel na esfera pessoal (sem o vender) poderá deixar de ter qualquer custo. Seja nas mais-valias, seja no novo imposto. Na proposta do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), o Governo propôs acabar com as mais-valias nesta situação de desistência, mas criou uma espécie de compensação (o tal imposto), que varia conforme o regime fiscal do contribuinte. Agora, numa proposta de alteração, o PS quer acabar tanto com o pagamento das mais-valias, como com este novo imposto, mas apenas no regime simplificado.
O que diz a lei atual?
Inscrever um imóvel no AL implica o apuramento de mais-valias, que são calculadas através da diferença entre o valor de aquisição do imóvel e o valor do imóvel à data em que é colocado no AL. Este valor calculado é tributado na Categoria G de rendimentos, ou seja, o imposto vai incidir sobre 50% do valor. Contudo, apesar desta mais-valia ser calculada, ela fica suspensa, não tendo o proprietário de a pagar.
A dor de cabeça vem quando o proprietário decide, mais tarde, retirar o imóvel do AL para a esfera pessoal (podendo colocá-lo no arrendamento tradicional), mas sem o vender. Nesta situação é calculada uma nova mais-valia e, desta vez, esta tem mesmo de ser paga. Aqui o cálculo é feito através da diferença entre o valor do imóvel no momento em que é retirado do AL e o valor do imóvel à data em que entrou para o AL. A este valor, que representa a valorização do imóvel durante este período, é aplicada uma tributação na Categoria B, ou seja, sobre 95% desse valor.
Assim, de acordo com a lei que está em vigor, quando retirar um imóvel do AL, o proprietário tem de pagar ao Estado impostos sobre duas mais-valias: a primeira mais-valia (desde que o imóvel é comprado até entrar no AL) e a segunda mais-valia (desde que o imóvel entra no AL até sair do AL).
O que propôs o Governo no OE2021?
Este regime atual é considerado por muitos fiscalistas, mas sobretudo pelo próprio setor do AL, como bastante penalizador para os proprietários. Foi por isso, e também numa tentativa de incentivar mais proprietários a passarem para o arrendamento tradicional, que o Governo propõs na proposta do OE2021 acabar com o pagamento desta mais-valia quando um imóvel sai do AL para a esfera privada (sem haver venda do mesmo). Contudo, ao mesmo tempo, o Executivo criou um novo encargo: um novo imposto, que funciona como uma espécie de compensação ao Estado.
O Governo propõe que este novo imposto seja pago em quatro anos e calculado de duas maneiras diferentes: dependendo se o proprietário tem contabilidade organizada ou regime simplificado. Na altura, em declarações ao ECO, o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) mostrou-se satisfeito, mas pediu cautela aos proprietários, precisamente por causa deste novo imposto.
Assim, de acordo com a proposta do Governo, esta “compensação” é calculada da seguinte forma:
Regime Simplificado
De acordo com a alínea b, do ponto 10 do Artigo 3.º da proposta do OE2021, quando o imóvel sai do AL é calculado imposto sobre 1,5% do valor patrimonial tributário (VPT) à data em que sai do AL multiplicado pelo número de anos em que o imóvel este afeto a este regime.
Exemplo: Um imóvel vale 50.000 euros e vou retirá-lo do AL ao fim de 10 anos. Então: 1,5% de 50.000 euros, multiplicado por 10. Isto daria 7.500 euros. Este valor vai ser considerado como rendimento, mesmo que o imóvel já não esteja no AL.
A mesma proposta diz que essa “compensação” será repartida ao longo de quatro anos. Ou seja, se o imóvel sair do AL em 2020, em 2020, 2021, 2022 e 2023 o proprietário vai acrescentar 1.875 euros (7.500 divididos por 4) à matéria coletável no IRS.
Regime de Contabilidade Organizada
De acordo com a alínea a, do ponto 10 do Artigo 3.º da proposta do OE2021, quando o imóvel sai do AL é calculado imposto sobre todas as depreciações, imparidades, encargos com empréstimos e rendas de locação financeira que aconteceram durante o período em que o imóvel este neste regime. Atualmente, ao rendimento, deduz-se normalmente apenas 2% do valor da aquisição do imóvel.
Exemplo: Se durante os anos em que o imóvel esteve no AL o proprietário beneficiou da dedução de 20.000 euros diretos à coleta, passará a adicionar 5.000 euros (20.000 a dividir por 4) anualmente à coleta.
PS propõe acabar com qualquer tipo de mais-valia e “compensação” no regime simplificado
A proposta do Executivo foi, por um lado, bem recebida, mas, por outro, teve algumas críticas. Na altura, no final de outubro, Eduardo Miranda, presidente da ALEP, afirmou ao ECO que este novo imposto é “compreensível para quem tem contabilidade organizada e beneficiou das amortizações, mas menos justificável para quem está no regime simplificado”.
Num comunicado enviado esta terça-feira, a ALEP afirmava mesmo que “a fórmula apresentada (…) para corrigir o problema da mais-valia que tem vindo a impedir a saída de muitos proprietários do AL não só não resolve o problema, como pode complicá-lo ainda mais ao criar um novo imposto, que obriga a pagar uma espécie de imposto patrimonial retroativo para quem retirar um imóvel do AL”.
Dependendo das circunstâncias, esta previsão poderá implicar que a desafetação dos imóveis deste tipo de atividade continue a ser um processo (mais ou menos) oneroso para os proprietários, acabando assim por frustrar o objetivo inicialmente reconhecido.
O mesmo defende Joana Cunha d’Almeida, sócia do Departamento Fiscal da Antas da Cunha, que afirma que “dependendo das circunstâncias, esta previsão poderá implicar que a desafetação dos imóveis deste tipo de atividade continue a ser um processo (mais ou menos) oneroso para os proprietários, acabando assim por frustrar o objetivo inicialmente reconhecido”.
Então, esta terça-feira, o PS apresentou uma proposta de alteração à proposta do Governo, defendendo o fim de qualquer mais-valia ou de qualquer novo imposto quando o imóvel sai do AL (sem ser vendido), mas apenas para os contribuintes que estejam no regime simplificado. “Pretende-se eliminar o acréscimo ao rendimento da categoria B pela reafetação do bem imóveis à esfera pessoal quando o contribuinte esteja enquadrado no regime simplificado, aplicando-se o acréscimo somente no regime de contabilidade organizada, mas apenas no que respeita depreciações praticadas”, lê-se na proposta dos socialistas.
Ao ECO, Luís Leon, partner da Deloitte, explica que esta mudança do PS “tem mesmo impacto em termos de contribuintes abrangidos”. Uma declaração confirmada pelo próprio presidente da ALEP, que nota que mais de 60% dos proprietários de imóveis de AL são empresários em nome individual, sendo que a “grande maioria” está no regime simplificado.
Assim, para os proprietários no regime de contabilidade organizada, quando estes tirarem um imóvel do AL para a esfera particular (sem o venderem), o Governo propõe que não haja pagamento de mais-valias, como a lei atual prevê, mas que estes paguem um imposto “sobre todas as depreciações, imparidades, encargos com empréstimos e rendas de locação financeira” que aconteceram durante o período em que o imóvel esteve no AL.
Socialistas propõem ainda um regime transitório
Outro dos pontos apresentados pelo PS dentro deste tema tem a ver com a criação de um “regime transitório”, “permitindo aos sujeitos passivos optar pelo regime anteriormente em vigor”. Ou seja, quando desistirem do AL (sem vender o imóvel), os proprietários podem optar por calcular as mais-valias de acordo com a lei atual (Categoria G + Categoria B) ou de acordo com este novo cálculo proposto pelo Governo.
Para Joana Cunha d’Almeida, da Antas da Cunha, este ponto poderá ser vantajoso para alguns proprietários, dado que, “dependendo do tipo de custos que o proprietário teve enquanto o imóvel esteve no AL e o montante das mais-valias, haverá situações em que é melhor tributar as mais-valias e não ter aqueles custos [dos cálculos criados pelo Governo]”.
O regime proposto pelo Governo continua a poder ser pior que o atual. A vantagem do regime transitório está nesta redução do IRS sobre a mais-valia que estava suspensa.
Luís Leon, partner da Deloitte, sublinha que “o regime proposto pelo Governo continua a poder ser pior que o atual”. “A vantagem do regime transitório está nesta redução do IRS sobre a mais-valia que estava suspensa”, acrescenta.
Ou seja, se um imóvel for retirado do AL para a esfera pessoal, o proprietário tem duas opções: pagar imposto sobre duas mais-valias: desde que o imóvel é comprado até entrar no AL (1.ª) e desde que o imóvel entra no AL até sair do AL (2.ª); ou pagar aquele novo imposto, que varia conforme o tipo de contabilidade. Há situações em que, como referem os fiscalistas, a vantagem poderá depender do caso em concreto.
A jurista Joana Cunha d’Almeida nota que, se vier a ser realmente aprovada, a lei terá de prever qual é o prazo em que os contribuintes podem optar por um regime ou outro, dado que se trata de um “regime transitório”, ou seja, não durará sempre.
Vender imóvel de AL implica sempre o pagamento de mais-valias
Apesar de todas estas propostas e alterações, importa sublinhar que se o imóvel for vendido depois de ter estado no AL é sempre calculada e paga uma mais-valia. A lei atual diz que não há pagamento de mais-valias se o imóvel ficar cinco anos consecutivos no arrendamento tradicional, um prazo que é visto como uma “prisão” pelo setor. Esta medida foi introduzida no OE2020 e, desde então, o PSD tentou reduzir este prazo para dois anos, mas sem sucesso.
Entretanto, para o OE2021, o Executivo propõe duas novidades: a forma de calcular as mais-valias quando um imóvel é vendido, dependendo do tempo que passou desde que este saiu do AL. Se sair do AL e for vendido nos três anos seguintes, há penalização.
Vejamos um exemplo: Se o imóvel sair do AL em 2020 e for vendido em 2022 (dois anos depois), as mais-valias vão ser calculadas totalmente como rendimento de Categoria B (95% do ganho) e não de Categoria G (50% do ganho), como acontece normalmente. E, nesta situação, passa a ser considerada a totalidade do ganho face ao valor de aquisição inicial.
Mas se o imóvel sair do AL em 2020 e só for vendido em 2024 (quatro anos depois), as mais-valias são calculadas normalmente, ou seja, ao abrigo das regras da Categoria G (50% do ganho). Resumindo, se o proprietário não quiser sair penalizado, tem de esperar três anos para vender o imóvel depois de o ter retirado do AL.
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