Bruxelas propõe novas regras para travar domínio das grandes tecnológicas

A Comissão apresentou formalmente o Digital Services Act e o Digital Markets Act, dois pacotes legislativos para regular a atividade das grandes tecnológicas e aumentar a concorrência no digital.

A Comissão Europeia propôs formalmente dois pacotes legislativos para regular o mundo digital. As novas regras visam aumentar a responsabilidade das grandes plataformas sobre o que acontece na internet, ao mesmo tempo que criam condições para que empresas europeias de menores dimensões consigam competir com as grandes empresas de tecnologia já estabelecidas.

Um dos pacotes, designado por Digital Services Act (DSA), prevê que empresas como Google, Facebook e Amazon tenham deveres acrescidos no que toca ao policiamento de conteúdos nocivos como o discurso de ódio na internet; à transparência no mercado publicitário digital; e à implementação de verificações no comércio eletrónico para impedir a venda de produtos contrafeitos e ilegais. As regras deverão aplicar-se de forma transversal na União Europeia (UE), abrangendo de forma reforçada as plataformas de maiores dimensões, com base no critério do número de utilizadores.

O outro pacote, Digital Markets Act (DMA), aplica-se aos chamados “guardiões de acesso” ao mercado, grandes plataformas de tecnologia definidas com base em critérios como o volume de negócios anual e o valor de mercado. O ato legislativo pretende nivelar o “campo de jogo” no mundo digital, impedindo que estes grupos privados dominem os respetivos mercados onde operam. O objetivo é que empresas europeias mais pequenas possam também prosperar, criando novos incentivos à inovação tecnológica na UE.

“A Comissão propôs hoje [terça-feira] uma reforma ambiciosa do espaço digital, um conjunto abrangente de novas regras para todos os serviços digitais, incluindo redes sociais, os mercados em linha e outras plataformas em linha que operam na UE”, sublinhou a Comissão numa nota de imprensa. Espera-se que os dois atos legislativos, desenvolvidos pelos comissários Margrethe Vestager e Thierry Breton, mereçam forte oposição das gigantes tecnológicas, na sua maioria empresas norte-americanas.

Numa conferência de imprensa, para explicar a necessidade de uma nova legislação tão ampla para o mundo digital, a vice-presidente executiva da Comissão Europeia deu como exemplo a implementação dos semáforos nas estradas há mais de 100 anos, que vieram trazer “ordem nas ruas”. “O semáforo foi inventado em resposta a uma grande disrupção tecnológica: a invenção do carro. Temos agora um aumento tão grande do tráfego em linha que precisamos de criar regras para acabar com o caos”, afirmou Vestager esta terça-feira.

Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia.© European Union , 2017 / EC - Audiovisual Service

Facebook e Google podem ser obrigados a revelar o funcionamento dos seus algoritmos

As propostas da Comissão Europeia debruçam-se sobre matérias que têm sido alvo de um amplo debate público nos últimos anos, nomeadamente a forma como estas empresas recolhem e exploram os dados dos utilizadores, bem como as práticas que usam para cimentarem as suas posições de dominância no mercado. A legislação vai ainda mais longe e atinge estas companhias num dos segredos mais bem guardados do mundo digital: o funcionamento dos seus algoritmos.

Ao abrigo do Digital Services Act, as grandes plataformas tecnológicas terão novas obrigações, tais como a de removerem o conteúdo ilegal e de permitirem que os utilizadores recorram dessas decisões; a de implementarem verificações sobre os comerciantes que vendem produtos nas suas plataformas; e a de assegurem mais transparência sobre o método de escolha dos conteúdos que são apresentados aos utilizadores. “Isto vai obrigar as plataformas a dizerem como os seus algoritmos funcionam”, assumiu a comissária Vestager na mesma conferência com jornalistas.

Este pacote também define pela primeira vez o conceito de grande plataforma: todas aquelas que “atingem mais de 10% da população da UE”, isto é, que tenham mais de 45 milhões de utilizadores. Estas passam a ser consideradas plataformas “de natureza sistémica”, estando obrigadas “a tomar medidas específicas de controlo dos seus próprios riscos” e ficando sujeitas a “uma nova estrutura de supervisão”.

A Comissão Europeia terá o direito de sancionar diretamente as empresas que gerem esses serviços, prevendo-se a aplicação de coimas multimilionárias contra aquelas que não respeitem o estipulado na nova legislação.

“O novo quadro irá reequilibrar os direitos e responsabilidades dos utilizadores, das plataformas intermediárias e das autoridades públicas, com base nos valores europeus, incluindo o respeito dos direitos humanos, a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito”, considerou a Comissão Europeia num comunicado.

Multas às “Big Tech” podem chegar a 10% do volume de negócios

Em contrapartida, o Digital Markets Act foca-se apenas nos chamados “guardiões de acesso”, que a Comissão Europeia designa como empresas “com controlo de acesso ao mercado”. Serão em linhas gerais, e uma vez mais, o Facebook, a Google, a Amazon, a Apple e a Microsoft, entre outras gigantes tecnológicas bem conhecidas no mundo digital.

“Trata-se de plataformas que têm um impacto significativo no mercado interno, constituem um importante ponto de acesso dos utilizadores empresariais aos consumidores finais e que ocupam, ou irão previsivelmente ocupar, de uma posição enraizada e duradoura. Tal pode atribuir-lhes o poder de agir como reguladores privados e de criar estrangulamentos nas relações entre empresas e consumidores. Em certos casos, estas empresas controlam todos os ecossistemas das plataformas”, resumiu a Comissão Europeia.

Bruxelas reconhece que este pacote está vocacionado, sobretudo, para os “serviços básicos de plataformas mais propensos a práticas desleais, como os motores de pesquisa, as redes sociais ou os serviços de intermediação em linha”. Desde logo, proíbe “determinadas práticas claramente desleais, como impedir os utilizadores de desinstalar software ou aplicações pré-instaladas”. Além disso, “as empresas com controlo de acesso têm de tomar certas medidas específicas, como permitir que o software de terceiros funcione corretamente e possa interagir com os seus próprios serviços”.

O objetivo é permitir que players de dimensões mais reduzidas, como pequenas e médias empresas europeias, possam também operar no mercado em condições mais justas, na ótica de Bruxelas. Nos últimos meses, empresas como o Spotify (contra a Apple) ou o Slack (contra a Microsoft) têm apresentado queixas à Comissão sobre entraves à concorrência alegadamente protagonizados por algumas das grandes empresas de tecnologia.

Para as plataformas incumpridoras, esperam-se também coimas bem pesadas. O ato legislativo “impõe sanções por incumprimento, que podem incluir coimas de até 10% do volume de negócios mundial das empresas com controlo de acesso, a fim de garantir a eficácia das novas regras”, indicou a Comissão.

“Para os infratores recorrentes, estas sanções podem também implicar a obrigação de tomar medidas estruturais, indo eventualmente até à alienação de determinadas atividades, quando não existam outras medidas alternativas igualmente eficazes para garantir a conformidade”, frisou também Bruxelas.

A Comissão propôs hoje [terça-feira] uma reforma ambiciosa do espaço digital, um conjunto abrangente de novas regras para todos os serviços digitais, incluindo redes sociais, os mercados em linha e outras plataformas em linha que operam na UE.

Comissão Europeia

Quer no que toca ao Digital Services Act como no que diz respeito ao Digital Markets Act, as regras propostas por Bruxelas ainda não são finais e podem ser alvo de alterações. “O Parlamento Europeu e os Estados-Membros debaterão as propostas da Comissão no âmbito do processo legislativo ordinário. Se for adotado, o texto final será diretamente aplicável em toda a União Europeia”, informou a Comissão.

UE quer liderar regulamentação na era digital

Com a apresentação destes pacotes legislativos, a Comissão Europeia pretende afirmar-se como líder mundial na regulamentação das grandes empresas de tecnologia na nova era digital. Além disso, como aconteceu com o Regulamento Geral para a Proteção de Dados (RGPD), que entrou em vigor em 2018, a Comissão pretende que estas novas leis sirvam de referência para a adoção de atos legislativos equivalentes noutros países, quiçá até nos EUA, onde Google e Facebook foram recentemente acusados de violarem as regras da concorrência.

No imediato, a Comissão Europeia tem já um aliado. Ao mesmo tempo que apresentava as novas regras para as grandes plataformas na UE, também o Reino Unido anunciou esta terça-feira leis semelhantes para travar o domínio destes grandes grupos tecnológicos. A legislação britânica prevê igualmente multas de até 10% do volume de negócios global destas empresas em casos de incumprimento.

Agrupadas, as novas regras apresentadas na UE e no Reino Unido representam um alargamento da regulamentação digital sem qualquer tipo de precedente. Estes pacotes legislativos têm capacidade para mudarem a forma como os utilizadores se relacionam com as grandes empresas no mundo digital, em que a recolha de dados e a respetiva exploração sem limites é muitas vezes vista como inevitável e os serviços prestados por estes grupos como as únicas alternativas disponíveis no mercado.

Em simultâneo, também esta terça-feira, o regulador irlandês da proteção de dados aplicou uma multa de 450 mil euros ao Twitter ao abrigo do RGPD.

(Notícia atualizada pela última vez às 17h32)

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