2021 será de retoma, mas pandemia pode baralhar as contas

A incerteza sobre a economia é menor, mas esta continuará a condicionar 2021. O ano será de recuperação, porém as instituições oficiais e os economistas dividem-se quanto ao ritmo do crescimento.

Incerteza. Desde o início da pandemia que quando se fala de previsões económicas esta palavra surge. Sabia-se que o impacto seria grande, mas era difícil prever a dimensão exata. O número final da queda do PIB só se conhecerá daqui a um mês, mas agora as atenções estão viradas para 2021: após uma queda monumental, segue-se um ano também com incerteza, ainda que menor, e com a esperança de que a recuperação acelere ao longo do ano.

No quarto trimestre, a economia portuguesa vai interromper a recuperação que se registou no terceiro trimestre, de acordo com a expectativa da maioria dos economistas. Tal terá um efeito de arrastamento no primeiro trimestre de 2021, atrasando a recuperação económica. Pelo menos os três primeiros meses do ano ainda deverão ser condicionados severamente pela pandemia, com o inverno a pressionar o SNS e o arranque da vacinação ainda sem permitir um alívio das medidas.

Para 2021, há previsões para o PIB português para todos os gostos, do pessimismo da OCDE (+1,7%) ao otimismo do Fundo Monetário Internacional (+6,5%). No entanto, é de notar que estas foram feitas em momentos diferentes, o que é determinante para explicar os números — também determinante é a previsão para 2020, a qual influencia logo o valor do ano seguinte (quanto maior queda, maior o crescimento, tendencialmente). A da OCDE foi divulgada em dezembro enquanto a do FMI foi em outubro. Entre uma e outra encontram-se as restantes previsões: Banco de Portugal (+3,9%, dezembro), Conselho das Finanças Públicas (+5,4%, setembro), Ministério das Finanças (+5,4%, outubro) e Comissão Europeia (+5,4%, outubro).

Principais previsões para 2020 e 2021

Fonte: Conselho das Finanças Públicas.

Mas é provável que estas previsões mexam significativamente nas próximas revisões destas instituições porque a situação económica e pandémica regista avanços e recuos constantemente. Segundo uma comparação feita por José Nuno Santos, do Gabinete de Estratégia e Estudos, as previsões de crescimento do PIB português em 2021 foram crescendo à medida que se antecipava uma queda ainda maior em 2020 e depois começaram a baixar no final do ano com a expectativa de uma quebra inferior e uma recuperação mais lenta.

“As projeções para a taxa de variação em volume do PIB em 2021 de outras instituições oficiais não só denotam diferenças significativas como apresentam, mais recentemente, um pessimismo face à recuperação que contrasta com a perspetiva do Ministério das Finanças no OE 2021“, refere o economista, assinalando os “casos contrastantes” do FMI e da OCDE, “o primeiro com um otimismo crescente para 6,5%, a segunda com um pessimismo intenso, prevendo um crescimento de apenas 1,7% em 2021”.

Os economistas consultados pelo ECO encontram-se a meio caminho, entre a OCDE e o FMI. “Atualmente a previsão do FMI, feita antes do agravamento da segunda vaga da crise sanitária, parece um pouco otimista. Pelo contrário, a previsão da OCDE afigura-se demasiado pessimista, pressupondo um ano de dificuldades ou um controlo da pandemia apenas quando o ano já for bastante avançado”, sintetiza António Ascenção Costa, do ISEG. O economista não compreende a previsão por ser quase metade do crescimento previsto para a Zona Euro (3,6%)

É certo que em Portugal o peso do setor turístico pode limitar o crescimento, mas Portugal não costuma desalinhar muito do crescimento médio da área do euro“, argumenta, acrescentando ainda que “também não se percebe porque é que Espanha, apesar de ter decrescido mais em 2020, cresceria 5% e Portugal apenas 1,7%”. Menos afastado da OCDE está Pedro Braz Teixeira, do Fórum para a Competitividade, que prevê um crescimento entre 1 a 4% do PIB português em 2021, o que no cenário mais pessimista iria ao encontro do número da Organização. O economista nota que, independentemente dos números exatos, há um “padrão” nas previsões de dezembro da OCDE e do BCE: são menos pessimistas para 2020, mas menos generosas quanto ao ritmo de recuperação em 2021.

No caso de Ascenção Costa, o grupo de análise económica do ISEG ainda não adiantou uma previsão para 2021, mas o economista considera que, “em princípio, a expectativa é de aceleração da recuperação ao longo do ano à medida que as condições sanitárias forem melhorando“. “Depois de ter sido ganha a confiança no controle da crise sanitária a procura e a economia poderão crescer mais livremente, com menos constrangimentos, sobretudo os setores mais afetados dos serviços”, antecipa. Braz Teixeira também concorda que, “em princípio, sim, haverá uma aceleração da recuperação ao longo do ano”. Quanto a números concretos, António Ascenção Costa não se compromete para já: “Se o PIB irá crescer mais em 2021 ou 2022 depende, pois a fase de crescimento mais acelerado pode não coincidir com um ano civil“.

Ao ECO, Francesco Franco, professor da Nova SBE, também admite ser difícil fazer previsões, arriscando apenas cenários: no mais otimista, as vacinas são distribuídas rapidamente e a economia recupera entre 4 a 7%; no moderado, a distribuição é lenta e há novas variantes do vírus com a economia a crescer 1 a 3%; no pior cenário, as vacinas são distribuídas muito lentamente e a situação epidemiológica piora bastante com a economia a não crescer. “Penso que o primeiro cenário é ainda o mais provável“, admite Francesco Franco.

João Borges da Assunção, economista da Católica, revela que a previsão “é que o PIB de 2021 possa ficar entre 5 a 12% abaixo do produto de 2019, o que dependendo do que terá sido a evolução da economia em 2020 é compatível com os intervalos de previsão entre 1 e 7%”. O economista nota a imprevisibilidade da evolução da pandemia e da vacinação, antecipando “ressaltos e quebras”. “Tudo isso me parece essencialmente imprevisível, pelo menos com precisões de crescimento reduzidas apenas a um ou dois pontos percentuais”, sintetiza.

Os economistas do banco BIG — que não arriscam uma previsão — concordam que “2021 será um ano de recuperação económica, pois a presença da vacina vai possibilitar que vários setores voltem a operar numa certa ‘normalidade'”, mas alertam que “esta recuperação será sobre uma base económica inferior pelo que no final de 2021 o PIB de diversas economias continuará abaixo do registado no final de 2019“.

Já os economistas do Bankinter antecipam um crescimento de 5,5%, em linha com o Governo (5,4%), mas abaixo dos 5,7% que estimavam em setembro. “A reincidência da pandemia deve implicar nova queda no produto económico, desenhando uma recuperação económica em ‘W’“, antecipam, apostando numa recuperação “principalmente a partir do segundo trimestre”. Na liderança da recuperação económica estará o consumo privado, o consumo público e as exportações, na análise do Bankinter.

Riscos não desaparecem em 2021

Com 2020 pelas costas, os economistas avisam que “não vai ficar tudo bem” de repente e que ainda há riscos para a recuperação económica. Ao ECO, Pedro Braz Teixeira destaca três, a começar pelas contas públicas que “estão muito limitadas” em comparação com outros países europeus com uma resposta orçamental maior. “Portugal não está [a dar uma resposta orçamental maior] porque não tem margem para isso”, diz o economista, referindo que mesmo o fundo de recuperação europeu poderá ter um uso limitado este ano.

Em segundo lugar, o facto de Espanha ter previsões ainda piores que as de Portugal vai condicionar a recuperação da economia portuguesa. “Estamos muitos dependentes” de Espanha, recorda, assinalando que é normal “os países terem comércio sobretudo com os seus vizinhos”. Em terceiro lugar, o turismo. “O turismo português tem uma característica desagradável [neste tempo de pandemia] que é estar muito dependente do turismo externo dado que o turismo interno tem um peso relativamente pequeno”, alerta, argumentando que os turistas nacionais “não são suficientes” para recuperar o setor.

Já António Ascenção Costa avisa que “alguns dos impactos económicos e sociais da crise sanitária ainda podem vir a agravar-se” antes de melhorarem, nomeadamente pela lentidão do processo de controlo da pandemia e a eventualidade de haver “alguns retrocessos”. “Não antevendo este cenário como a mais provável, deve admitir-se que não é impossível”, confessa.

O economista do ISEG reconhece a implementação de um “conjunto de medidas necessário e de alívio do imediato e de curto prazo (um pouco por todo o lado) que tem empurrado alguns problemas para a futuro, na esperança de que então, quando o crescimento económico voltar, seja mais fácil lidar com eles“. Contudo, não se sabe o que acontecerá quando certas medidas terminarem, como é o caso das moratórias, daí que muitos responsáveis, incluindo o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, estejam a pedir uma retirada gradual (e lenta) dos apoios à economia.

Será útil perceber qual a dimensão da perda de capacidade produtiva da economia portuguesa, e por outro lado a velocidade de recuperação quando a economia reabre“, recorda João Borges da Assunção, referindo que “neste momento uma perda permanente na casa de 5 pontos percentuais do PIB potencial parece verosímil, mas ainda é cedo para estabilizar esse cálculo”. O economista lembra que há “claramente assimetrias setoriais”, com o setor da construção a sofrer “pouco” com a crise mas o setor do turismo (hotelaria, restauração e transporte aéreo) já perdeu “muito”, sendo que uma parte “de forma permanente”. “As políticas orçamental e monetária têm ajudado muito a economia, mas não podem repor a totalidade do que falta ao nosso produto potencial“, avisa.

Para os economistas do Bankinter será necessário ter em atenção três fatores para que a recuperação da economia seja “robusta”: resiliência do mercado de trabalho, resiliência do mercado imobiliário — “ambos com efeitos positivos na manutenção do poder de compra dos portugueses”, notam — e a aplicação dos fundos europeus ao longo dos próximos anos, o que será um “fator importante na retoma do investimento e no aumento da competitividade e estabilidade futura da economia”.

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